Vontade de amor

Estive pensando, depois de alcançar “O andarilho” sobre o caminho que é seguido por ele e, conseqüentemente por mim.

É algo parecido com a beleza divina, que citei num post anterior ainda nesse mês, só que com um equilíbrio sutil, dando espaço para a beleza maligna, mas prioridade à divina. Não vou mentir dizendo que a beleza maligna me agrada: ela só traz desconforto, mas tem extrema utilidade quando coloco as coisas numa perspectiva mais realista do que idealista. Ela serve para defesa, que é sempre necessária quando vivemos num mundo onde não há como prever com certeza se seremos atingidos.

Algumas pessoas simplesmente quebram todas as nossas defesas e se instalam dentro de nós, e quando alguém faz isso esse alguém ganha enormes poderes sobre nossa emoção, e é aí que devemos saber usar a beleza maligna: se a pessoa usar esse poder para nos trazer dificuldades e tristezas só nos restará a (triste) defesa contra a amada.

Com o tempo minha mente foi se adaptando com as duas belezas, e agora são as pessoas que demonstram sensibilidade para não me fazer ter que apelar pra defesa que acabam ganhando meu coração. Já não posso me atrair só por uma mente complexa: agora, em relação a amores e amizades, eu busco a sensibilidade tanto quanto a inteligência.

Isso não é racional para eu parecer um exigente: simplesmente acontece. Eu posso amar uma pessoa por sua sensibilidade e admirar outra por sua inteligência. Nesse caso, o primeiro amor eu poderia chamar de afeição, e a admiração também pode ser chamada de amor.Prefiro usar o termo amor para o amor amplo e para o amor profundo (que exibi num debate em outro post aqui no blog).

O amor, inevitavelmente, tem algo de egoísta, pois nós amamos em duas ocasiões: a primeira é quando nos vemos nos outros, e a segunda é quando vemos nos outros o que nos agrada, que não é necessariamente parte de nós. É somente o tempo que determina se um amor é projeção ou é puro, mas creio que quanto mais nós erramos nesse sentido maior é nossa facilidade em diferenciar um sentimento genuíno de uma aspiração dúbia.

Tudo isso me leva ao tema principal do post, que é a vontade de amor. Tive que dar essa introdução para que fique claro o caráter subjetivo do texto.

Observei que, negando ou não, todos os indivíduos têm dentro de si o que chamo de vontade de amor.

Essa vontade, quando mal interpretada, pode ser chamada de fraqueza, mas na verdade quando estamos em contato com ela nossa vida vai tão bem que nosso potencial (até mesmo intelectual) se amplia ao ponto de eu poder afirmar que, na verdade, o fraco é o indivíduo que nega o amor. Sempre existirá uma pessoa que amaremos e que nos fará, de alguma forma, sentir algum incômodo, porque a inteligência nos apaixona sem a necessidade de vermos a sensibilidade dos outros, e vice versa.

Assim, a pessoa que é inteligente, mas insensata, não nos vai desapontar com seu potencial, mas acabará por fazê-lo com a pouca sensibilidade que tem, enquanto que a pessoa sensível, mas de inteligência limitada, terá sempre as melhores intenções, mas viverá cometendo erros por não usar devidamente sua racionalidade.

Como sou um filhote de Jung em diversos sentidos, eu não sou negativo ao ponto de dizer que as pessoas nascem só racionais ou só sentimentais e que seguirão esse padrão pro toda a vida: para mim todas as pessoas podem alcançar o equilíbrio e, conseqüentemente, a paz. Por isso não vale a pena, por uma decepção ou outra, abrir mão do amor, pois sem amor a vida não tem qualquer sentido. Eu já vivi sem essa vontade de amor, preso nos castelo como o andarilho antes de se libertar, e te digo que aprisionar o amor me fez viver miseravelmente. Vivendo assim a vida parece não ter qualquer sentido. É parcial e infeliz.

Nunca vivi uma vida exclusivamente sentimental, pois minha função primária é a racionalidade, mas conheço que viveu e bem sei que essa vida não é melhor do que a do exclusivamente racional, porque se por um lado o racional sofre internamente por negar o amor que vive em si, o sentimental vive externamente as conseqüências de não dar ouvidos á sua racionalidade, assim como em sua “consciência pesada”.

Mas o amor pleno de verdade, aquele que creio que no fundo todos nós queremos, é o amor pleno e profundo em relação a nós mesmos e em relação aos outros.

A vontade de amor nos leva a dois caminhos diferentes, que, à primeira vista, parecem opostos, mas que não são. Esses são o amor introvertido e o amor extrovertido, ou, em outras palavras, o amor próprio e o amor aos outros. Nossa mente deseja os dois amores, e por mais que se busque negar um, outro ou os dois, esse impulso nunca acabará. Quando é aceito trás alegria, e quando é negado traz miséria.

Não há nada tão bom quanto esses amores, mas não vejo um como sendo superior ao outro: é ótimo saber quem sou, amar quem sou e minhas escolhas que foram baseadas na minha natureza, assim como é ótimo amar outras pessoas, que são diferentes de mim, mas que são belas da sua maneira e com suas próprias escolhas.

Falando mais detalhadamente, o amor próprio só nos vem quando, primeiramente, aceitamos quem somos e seguimos o provérbio do segue-te a ti mesmo. Sabendo quem somos sem negar nada por causa de preconceitos que vêm de fora, porque só nós quem podemos dizer quem somos. Mais ninguém.

É inevitável que, depois de negar os preconceitos alheios, nos apaixonemos por nós mesmos. Não sei bem porque, mas acabamos amando até nossos defeitos.

Por outro lado, o amor aos outros gera uma satisfação igualmente incomparável, pois sempre que amamos a outra pessoa nós damos abertura para que ela entre no nosso mundo, e assim que ela entra nele e nós entramos no dela há uma troca que, quando é amorosa, é sempre positiva. Ao olhar nossa vida de uma diferente perspectiva, essa pessoa pode nos mostrar nossos erros segundo sua visão, assim como nós o fazemos com ela, sendo essa relação produtiva para ambos os lados. Chamo isso de amizade, que para mim é uma forma de amar, porque o amor não tem que ser, necessariamente, romântico.

Amizade não tem nada a ver com impor vontades. Quando alguém diz que, por amor, te impede de fazer qualquer coisa que seja, essa pessoa ama mais a si mesma do que você, pois quem ama de verdade respeita o fato de que as diferenças existem a sempre existirão, e por isso não tentam impor suas vontades. Pelo contrário, com o jeitinho amoroso, elas só falam o que pensam, e com isso não geram a necessidade de criarmos aquela defesa sobre a qual falei no começo.

Assim, um conselho vale muito mais do que uma ordem.

Esse amor externo, deferentemente do interno, varia de intensidade, pois no amor próprio nós amamos a nós mesmos, e nós somos sempre a mesma pessoa, enquanto que no amor externo nós amamos várias pessoas, e é utopia dizer que amamos todas as pessoas da mesma forma e com a mesma intensidade.

Tendo consciência ou não, todos nós temos nosso próprio padrão que, ao ser repetido em outras pessoas, criam o amor. Só o fato de esses padrões existirem já comprova que a vontade de amor existe dentro de nós. Eu, por exemplo, sempre crio afeição com pessoas que considero inteligentes ou sensíveis, e para a inteligência e a sensibilidade eu tenho meu próprios valores de intensidade. É por isso que o amor só existe onde há afinidade. Assim, usando exemplos clássicos, eu admiro Goethe pela sensibilidade e Platão pela inteligência. São valores pessoais, e nesse sentido cada um acaba encontrando os seus, não existindo valores universais. Se há afinidade, há amor, e isso acaba sendo universal.

Usando como exemplos os meus valores pessoais, eu acabo voltando aos conceitos de amor amplo e amor profundo, pois no amor amplo(que engloba muitas pessoas) nós amamos cada pessoa por uma característica. Assim, vivendo num amor amplo(que acaba presumindo a poligamia) eu poderia amar uma pessoa pela inteligência e outra pela sensibilidade, numa relação instável onde uma compensa a falha da outra.

É um tipo de amor complicado pela instabilidade, e por isso eu prefiro o profundo, mas essa questão só pode ser julgada subjetivamente, pois o amor em si é tanto amplo quanto profundo, mesmo que em termos práticos nós sejamos forçados a fazer uma escolha.

Subjetivamente, eu deixo o amor amplo como sendo o amor reservado aos amigos.

O amor profundo, por outro lado, não tem necessidade de compensação. Se eu amo uma pessoa profundamente é porque, segundo a minha visão das atitudes idéias dessa pessoa, ela tem a sensibilidade e a inteligência que me atraem. Ou seja, é uma pessoa que não tem só uma afinidade parcial, mas que tem uma afinidade completa, e que pode estabelecer um vínculo profundo.

Esse amor, para mim, está associado ao romantismo: até hoje só conheci uma pessoa que despertou esse amor profundo.

A vontade de amor, aplicada nesse sentido, também pode ser chamada de vontade de felicidade, pois o amor é o que nos trás a felicidade real, sendo as outras coisas(tais como dinheiro e fama) apenas alegrias passageiras e quiméricas.

A Vontade de amor é, assim, a vontade de encontrar a Deus, porque Deus é amor. Não vale aqui entrarmos em questões intelectuais sobre a existência de Deus enquanto conceito metafísico, e é por isso que, apesar de respeitar as religiões, a minha é o amor.

Só que Deus é uma entidade que cria a sensação de correspondência desse amor, e é por isso que as religiões não estão nem perto de acabar.

Porque o amor real é interpessoal. Amor não correspondido não existe: nós projetamos e nos apaixonamos por um fantasma, nesses casos. Para conhecermos uma pessoa ao ponto de amá-la, ela deverá, fatalmente nos conhecer, e se há afinidade real o amor cresce de forma proporcional e em ritmos, se não iguais, muito próximos.

O amor é irracional, mas não é por isso que deve ser negado. Pelo contrário, o amor deve ser afirmado de todas as maneiras. A Vontade de amor é vontade de vida.

Vou deixar uma poesia que retrata a chegada desse sentimento:

Libertou-se

Libertou-se o que estava preso,

Saiu fluindo como o ar.

No início com pressão,

Mas depois suave.

Como havia de ser,

Rompeu meu peito.

Mas a pressão acabou.

E não estou despedaçado.

Não, muito pelo contrário.

Eu quero voar.

Quero me encontrar com a lua,

E contar as boas novas.

Eu já não sou egoísta,

Em mim há amor.

Mas um amor do puro,

Um amor que não tem fim.

E nem começo.

Libertou-se a minha alma.

Dos sonhos ruins,

Da opressão lógica,

Para deixar fluir o infinito...

Desejo a felicidade de todos as pessoas, e estarei por aí pra fazer de tudo pra que todo sejam felizes, cada um de sua maneira.

Peace and Love!

1 comentários:

Anônimo disse...

O segredo não é conseguir asas para ser livre, mas sim saber usar as asas que sempre tivemos.

Nenhuma caminhada tem fim pois sempre desemboca na seguinte e na seguinte, fazendo de nossas vidas um eterno ciclo de buscas por verdades que nem sempre aceitaremos embora estejamos ferrenhamente empenhados a buscas.

Inquietante é o caminho até o olhar para as asas que Deus nos deu, mas mais inquietante é não saber que elas existem.

Ótimo texto e belo poema.

Abraços White Cat.

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