Acerca da natureza cíclica do mal


Não me foge à memória o episódio de uma empregada que abusava de crianças que estavam sob seus cuidados. Isso causou indignação nas pessoas. Pude sentir a raiva das pessoas que, ao meu lado, viam as gravações. Hoje eu penso: qual é a diferença entre a raiva manifestada pela empregada e aquela manifestada pelos telespectadores diante do episódio citado?

Nenhuma!

Depois que essa mulher foi liberada para casa, um homem que ficou famoso no youtube deu uma voadora nela. Um título um tanto cômico no início do vídeo: Lindomar, o sub-zero brasileiro.

Essa reação parece gerar um equilíbrio maligno na sociedade, em que vários indivíduos são controlados artificialmente por uma moral maniqueísta e têm o que há de mal dentro de si reprimido. Esse mal parece encontrar um canal para sua manifestação com a indignação contra aqueles que cometem crimes. É justamente daí que se torna psicologicamente justificável a pena de morte: porque a pessoa que quer o assassino morto é tão má quanto ele. A única diferença é que ela consegue fazer o próprio mal moralmente justificável de acordo com uma lógica ética igualmente falha e irrefletida.

A indignação não passa de uma forma de o mal concluir sua natureza cíclica. Porque numa guerra você poderá constatar que os soldados de ambos os lados declaram estar motivados pela maldade dos inimigos. Ou são terroristas insanos ou são invasores imperialistas. A mesma lógica afeta a relação conflituosa entre criminosos e policiais militares.

Na verdade, a violência se relaciona com o mal e nunca com o bem. Isso ocorre porque a pessoa busca meios racionais para negar tudo aquilo que há de mal em si mesma, e por causa dessa negação ela acaba projetando o conteúdo se sua “sombra” no próximo. De um modo geral, as pessoas que nos causam indignação nada mais fazem do que concretizar certas atitudes que nós também faríamos, mas que estão reprimidas. Quando o indivíduo vê o que ele faria sendo feito, sua reação é a raiva, que, contraditoriamente, justifica atitudes violentas (geralmente idênticas às que o indignaram).

O avanço das manifestações artísticas relacionadas diretamente à violência como o black metal, filmes de terror, jogos extremamente violentos, pinturas e livros estarem se propagando na sociedade são a prova de que esse tipo de comportamento, embora reprimido, existe. Quem, por suas experiências, acabou tendo contato com um nível de violência que simplesmente não pode ser reprimido pode aceitar esse seu lado e projeta-lo na arte (qualquer que seja) e também em forma de laser virtuais.

Diferente do que é propagado, manifestações de violência virtual e artística não inspiram comportamento violentos reais: pelo contrário, os impulsos violentos reais que inspiram o indivíduo a manter contato com esse tipo de arte.

A tecnologia (em realidade virtual) e a arte podem ser o caminho de saída para que os seres humanos deixem de se destruir na vida real graças a esse impulso para criar um ambiente mais harmonioso. Assim, o ciclo do mal continuará ocorrendo e não causará danos às pessoas. A arte tem o poder de trazer a páz, já que, através dela, o indivíduo descarrega seus afetos e desafetos.

1 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Lembro de um vídeo que ficou famoso pelo "Programa do Ratinho" em que um homem torturava uma menina. Lembro que muita gente manifestava um ódio mortal pelo cara, e que desejavam a sua morte, ou, "melhor ainda", que ele fosse torturado de forma pior antes de ser morto.
Toda nossa cultura está permeada pela pulsão de morte. A moral, para a maioria das pessoas, se resume a mero egoísmo: elas tem medo do castigo e/ou esperam a recompensa, que podem vir tanto na vida quanto na morte.
Esse tipo de concepção moral grotesca ajuda às pessoas a desejar "ver o sangue" do criminoso: olho por olho, dente por dente.
A figura de "Deus" geralmente é usada como um defensor da justiça eterna: Deus, crêem uns, se encarrega, na vida ou na morte, de recompensar o bem e castigar o mal. Isso ajuda a entender por que os ateus são vistos - errôneamente - como incapazes de praticar a moral.
Como você deve saber, Schopenhauer, no livro IV do Tomo I d'O mundo..., e no texto "O fundamento da moral" defende que o fundamento da moral é a compaixão, e não o "imperativo categórico" kantiano(que para Schop institui uma "moral de escravos"). Um outro ateu, Richard Dawkins, defende, semelhantemente a Schopenhauer, que a moral está fundada na empatia.
Apesar de me considerar um pessimista, eu acredito que as pessoas, se devidamente educadas, são capazes de ter um comportamento ético sem necessitarem ser ameaçadas de morte/tortura, ou apenas por que esperam alguma recompensa. Mas isso é caro e difícil de ser feito.