Acerca da fragilidade (e subjetividade) da epistemologia


Esse texto é um complemento a este outro:

http://insilasbrain.blogspot.com/2009/09/pensamento-passivo-moral-metafisica-e.html

Hoje em dia muitos se vangloriam de que a interpretação dogmática teve seu fim. Não somos obrigados, é fato, a aceitar conclusões. Assim, as conclusões receberam a dádiva da mutabilidade.
Pode-se ver na história como as conclusões são frágeis: até mesmo partindo da mesma epistemologia pode-se cometer erros de avaliação.
Mas a rigidez dogmática sobre a epistemologia ainda é tão irrefletida quanto costumava ser: hoje ao invés de ser chamado de herege por desafiar o paradigma corrente o indivíduo é chamado de idiota.
Criou-se o método científico que quer presumir que a única forma de conhecermos a realidade é através a vivência sensorial. Daí decorre, enquanto não encontrarmos meios para observar um evento com os sentidos, tal assunto deve ser ignorado.
Ora, isso obviamente não procede. Muitas verdades comprovadas através dos sentidos, como a constante mudança no cérebro, já haviam sido alcançadas através da reflexão à priori. Quando pensamos em avaliar o ser humano, esse tipo de percepção se torna extremamente ineficaz tanto do ponto e vista individual quanto do coletivo.
É comum, em debates sobre ciência (underground, pela internet), notarmos a especial falta de tato que as pessoas que aceitam tais premissas demonstram ter. Vivem apenas tentando demonstrar como os outros são estúpidos por não concordarem com suas premissas “obviamente corretas”.
Não apenas com indivíduos que são assim esses comportamentos ocorrem: existem outros, ainda, que assumem uma postura de “mestres”. Dessa maneira, acreditam que a sabedoria do outro é incapaz de capturar sua fala e, através desse pensamento, a opinião do outro é desqualificada sempre que entra em contato com suas convicções: porque o outro se encontra num estágio menos elevado de consciência. E ainda dizem que isso é ser compreensivo!
Assim, de ambos os lados há uma fixação irrefletida sobre a epistemologia a partir da qual se constroem os pensamentos.
Apesar disso, pelo que observei, é comum que essas visões sejam apenas parcialmente verdadeiras. Se, por um lado, a visão intuitiva e abstrata (percepção inconsciente, criatividade) tem sua área de atuação, também há uma área de atuação para a visão através dos sentidos e ambas são complementares muito mais do que excludentes: e em diversas disciplinas ambas as visões são essenciais. Só se tornam excludentes a partir do momento em que um dos dois quer se tornar universal em detrimento do outro. Dessa forma, se uma das perspectivas pretende ser universal é forçoso que a outra seja excluída.
Mas nada da ao pensador o direito de excluir uma perspectiva em detrimento de outra: isso só é feito por causa de obstinação pessoal e leva, inevitavelmente, à parcialidade, o que já é um erro.
Não procuro, aqui defender a relatividade absoluta: Esse relativismo, segundo penso, não passa de um fruto das nossas miopias. No momento em que formos educados num ambiente menos alienante que não estimule complexos psicológicos e que dê valor aos mais diversos tipos psicológicos, poderemos nos aproximar de uma maior objetividade.
Até lá, deve-se entender que tanto o mundo interno quanto o externo apresentam parcialidades que podem ser generalizadas facilmente se não houver reflexão profunda.
A relativização das opiniões, em geral, acontece por causa de um impulso sentimental e extrovertido: Para entender isso basta entender que o extrovertido foca sua atenção aos objetos externos e o sentimental da mais valor aos sentimentos (no caso, os dos outros) do que à efetiva confirmação da premissa ou da conclusão. E isso acontece apenas porque estar errado, hoje, é associado a fracasso: porque se eu for considerado errado por algum avaliador eu receberei nota baixa se serei um “derrotado”.
Daí decorre que mesmo o ponto de vista relativista é relativo, pois parte de um tipo psicológico específico. Da mesma forma, um introvertido e racional pode muito bem seguir a rigidez lógica de uma argumentação e generalizar um argumento, ignorando completamente os sentimentos de quem contesta.
Mas essa mesma rigidez lógica, em primeiro lugar, não é tão rígida assim. Observei que, por vezes, por mais que, na dialética, uma argumentação pudesse parecer perfeitamente razoável, ela me desagradava. Daí eu conseguia encontrar outra construção argumentativa tão razoável quanto a primeira, que me agradava. Essa, irrefletidamente, era tida como verdadeira.
Pelo que observei, aquilo que chamamos hoje de individualidade não passa da parcialidade tipológica e da influência de diversos complexos psicológicos, como o foram definidos por Jung. Assim é que as pessoas acreditam diferenciar-se umas das outras.
Daí decorre que nossas diferenças nada mais são do que diferentes tipos de miopias e preconceitos: E nunca vi um ser humano que não fosse assim.
Tendo tal argumentação por base, não vejo como poderíamos argumentar objetivamente com relação às questões que envolvem pessoas: Sempre que pensarmos que o fazemos estaremos apenas alimentando nossas convicções, que se formam graças à nossa parcialidade.
Para tal situação também é interessante o treinamento dialético tanto em leitura quanto em escrita: muitas vezes autores que partem das mesmas premissas e chegam às mesmas conclusões entram em debates acreditando que o outro se opõe à sua visão.
Disso tudo decorre que se deve renunciar ao apelo presunçoso dos complexos, que buscam, em sua parcialidade, ser o todo: caso contrário, a ciência não passará de uma ferramente de auto-afirmação. Nas generalizações opostas, por vezes, pode-se encontrar um perfeito acordo quando se substitui o universal pelo parcial.
De outra maneira, não haverá liberdade e conhecimento: apenas convicção. E convicções, longe de serem virtudes, são as piores prisões que existem.

2 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Para a maioria das pessoas num debate o "outro" esta apenas de passagem e serve apenas para ser refutado-covertido; quando isso não é possível, ele se torna um estorve e o melhor a fazê-lo é ignorá-lo.

"Pelo que observei, aquilo que chamamos hoje de individualidade não passa da parcialidade tipológica e da influência de diversos complexos psicológicos, como o foram definidos por Jung. Assim é que as pessoas acreditam diferenciar-se umas das outras.
Daí decorre que nossas diferenças nada mais são do que diferentes tipos de miopias e preconceitos: E nunca vi um ser humano que não fosse assim."

Hum...isso me pareceu bem interessante. Você já escreveu mais sobre isso em alguma outra postagem?

Silas disse...

Esse pensamento me ocorreu mais recentemente. Aliás, o próximo post do blog será uma exposição mais detalhada sobre isso. No entanto, ultimamente o peso da minha irresponsabilidade intelectual tem sido grande: talvez seja melhor eu fazer pesquisas mais profundas sobre o assunto.

Apesar de tudo, esse é um conhecimento bem intuitivo.

Ah sim. Um post antigo meu fala sobre a construção tipológica do pensamento, mas minha opinião mudou em certos aspectos.

http://insilasbrain.blogspot.com/2009/03/pensamentos-pratico-e-conceitual.html