Biohazard: a limpeza (parte 1)

Pensando agora eu vejo tudo isso como uma profecia se manifestando coletivamente. Tanta gente tendo sonhos e visões. Tanta atração por filmes dessa natureza. Talvez eu só tenha me afetado com tudo isso e esteja apenas criando hipóteses irracionais. A questão é que, por mais que a ocasião demande atenção de mim, não consigo fugir dos meus pensamentos. É esse meu mundo interno que sempre me salvou agora me trazendo alívio.
Não estavam errados sobre o plano de dizimar a população mundial. Eu sempre acreditei, mas isso nunca ajudou. Aliás, essa operação pandemia que faziam antes tornou as pessoas incrédulas. Daí quando essa praga chegou ninguém acreditou. Bem, acreditar ou não foi irrelevante: já estão mortos por aí. Ao menos estou sozinho, e isso me ajuda a alcançar o equilíbrio por hora, mas daqui a um tempo a ausência de convívio social (mesmo falso) trará severos danos á minha personalidade.

Que merda eu to fazendo? O mundo caindo e eu refletindo sobre o efeito psíquico disso tudo?
A bateria do notebook ta viciada, mas tem o nobreak no outro quarto. Talvez eu consiga me conectar a internet. A merda do telefone é bloqueado e o celular não tem crédito: Maldito capitalismo. Nada: a internet ta fora...
Só me concentrando no meu mundo interno que a gritaria lá fora não me desespera. Nem adiantaria agora me encher de rancor pensando: eu avisei. Quero agora, em primeiro lugar, encontrar informações sobre como se encontra minha região em termos de infecção. Por certo deram alguma ênfase a essa localidade pela proximidade com a usina nuclear. Que eu to pensando? Até parece que ligam pro pessoal desse continente. Não passamos de “cucarachas”!
O funcionamento do organismo dessas coisas parece ter diversas fontes de energia. Dentre elas eu não deixo de pensar em forças ocultas: espíritos, alienígenas ou qualquer coisa sobre a qual eu possa projetar minha superstição.
Meu padrasto ta amarrado no outro quarto, e talvez eu possa fazer testes simples com ele. Graças a ele nossa casa tem um grande estoque de comida, embora eu não faça idéia de como cozinhar. Vou ter que me virar.
Tenho uma faca bem afiada, mas não tenho habilidade para usa-la: seria loucura enfrentar os monstros.
Ouvi vozes na rua.

- Fudeu, cara. Corre, porra!

Um cara que estudou junto comigo até o segundo grau e morava na minha rua estava correndo com o irmão. Eles fazem exercício físico e correm bem, mas não possuem as fontes de energia dos monstros. Algo interessante aconteceu: um deles atacou o irmão, que corria mais lentamente por estar cansado. Mordeu braço dele. Os dois se separaram: o irmão foi em direção à praia e ele foi à direção do mercado. Todos eles foram atrás dele, e o irmão, ferido, não os interessou.
A mim soa obvio que aquilo foi um julgamento racional: ele já estava infectado. Acredito que isso seja prova suficiente de que eles não queria comer, mas se reproduzir quando atacavam. Mas como diabos eles conseguiam tanta energia?

Não tinha sentido algum, mas devo confessar que não me esforcei tanto ao estudar o processo de produção de energia. De qualquer maneira, eles haviam perdido muito sangue, o que dificultaria a passagem de oxigênio pelo corpo. Aliás, as feridas estavam abertas e o sangue parecia coagulado: era simplesmente impossível eles terem energia para o movimento. E, no entanto, corriam quase desesperadamente. Meu colega de escola deu a volta no mercado e entrou do lado da padaria. Sempre soube que ali tem uma grade que leva pro valão, mas não o que há depois dele. Pulou facilmente a cerca e caiu pro outro lado. Eles não o seguiram, mas isso pareceu a mim como uma oportunidade. Ao ouvir os gritos desses, outros monstros foram correndo e gritando para lá. Isso gerou uma espécie de reação em cadeia, através da qual todos (espero) se reuniram no mesmo lugar. Depois de um minuto eu vi o irmão dele correndo pra lá. Ele se infectou rápido, então provavelmente não há doentes a serem infectados. Se eu não fugir agora, vou acabar morto.

Meu padrasto berrou, e isso me assustou: e se algum escutasse? Eu tinha que mata-lo, mas nem sabia como.
Degolei ele, mas ele não morreu. Apesar disso, afetando as cordas vocais, ele não gritava mais. Espero que minha mãe e minha irmã não voltem da viagem, que vejam isso nalgum documentário. Já basta a minha falta de perícia e fraqueza como dificuldade: não tenho como garantir a segurança delas.
Me preparei para sair como sempre, o que foi no mínimo irônico. Peguei minha carteira, meu celular, meu mp4 e minha chave. Dinheiro já não tinha valor antes, e agora ele se mostrou como realmente é: um papel destituído de valor. Não posso comprar uma saída desses monstros com esse dinheiro.
O que sei sobre direção só me traria problemas, já que o carro faz barulho e não sei passar a marcha direito. Coloquei o sapato e me assustei com o barulho que ele faz quando ando.
Esvaziei minha mochila. Cheia de lixo. Coloquei biscoitos, duas maçãs e água dentro dela. Tentei não colocar muito peso, porque minha viagem seria bem longa. Comi duas bananas e bebi o resto do suco de maracujá que tinha na geladeira. Que burrice!
Por sorte o meu estado de alerta não permitiu que o suco me tranqüilizasse. Os monstros já estavam se dispersando e eu decidi seguir pelos becos pra depois andar agachado na beira da praia. Quando cheguei no calçadão um carro passou pela minha rua, e isso chamou a atenção dos monstros. O que me aterrorizou foi que eles não puderam seguir o carro, mas estavam, agora, bem mais próximos de mim. Pensei em fingir ser um deles, mas seria melhor não arriscar. A expressão deles é de pressa. Parecem querer destruir as pessoas nas redondezas o mais rápido possível. Quando não recebem estímulo ficam parados, como que refletindo.

Segui pela até a beira da praia e vi na estrada um caminhão do exercito. Muito distante para saber se estava cheio de soldados. Parou no ponto em que toda a vila era visível e lá ficou.
Segui até o final da praia e entrei na via que conduzia o rio até o mar: o valão do outro lado da vila. Enquanto seguia debaixo do solo pude ouvir pessoas gritando na hospedagem acima. Saiu um carro e berros o seguiam. Bateu e explodiu. Eu teria que ser rápido, pois a explosão atrairia todos para o local. Aproveitando o alvoroço passei despercebido pela escada que levava a cachoeira. Colocaram uma placa dizendo que era proibido passar, mas que guarda me impediria, o zumbi?
Alando nisso, talvez eu consiga me armar na guarita, mas é melhor não contar com isso. Tive que descer na água, e por isso guardei o sapato e a meia dentro da mochila. Lá de cima eu vi a vila. Alguns pontos estavam pegando fogo. Daquele ângulo não dava pra ver a saída de carros para a estrada. Só espero que não tenha uma concentração de monstros lá. Passei pelo túnel em silêncio andando rápido. Escalei as pedras com facilidade, muito mais do que o normal. Fui seguindo até chegar na estrada. Havia um Fiat uno ligado no acostamento com um cara morto ou desmaiado no volante. Peguei a faca e cheguei na porta do carro. Teria que dar um jeito de dirigir, e para isso precisaria confronta-lo se fosse um deles. Bati com a faca no vidro o que o despertou. Estava preso dentro do carro. Respirei, me recuperando do susto, e me preparei para a luta.
Ele esmurrou o para brisas e o quebrou, mas estava preso no cinto de segurança. Percebi uma ferida feia no ombro direito dele. Agora era matar ou morrer.

Cheguei perto do carro e abri a porta do carona, ao que me afastei rapidamente. Ele parou de se debater e me fitou por um instante. De repente ele se articulou, soltou o cinto e saiu pela porta que eu abri, ao que eu me preparei para o combate. Ele parecia meio confuso em relação a mim. Ele me fitou por uns instantes ao invés de me atacar. A usina tocou a sirene e ele correu irracionalmente em direção a ela.
O motivo pelo qual ele me atacou eu deduzi depois de uns instantes. Talvez eles ataquem que demonstra medo. Seria estranho pensar isso, já que os primeiro, por ignorância, provavelmente não mostraram medo. Apesar disso, ele esmurrou o vidro procurando me atacar. Somente se acalmou quando eu abri a porta. Talvez tenha sido o controlador dele que o fez não me atacar. Talvez Deus, espíritos, alienígenas, ou seja lá o que seja tenha me salvado. É incrível como eu, enquanto cético arrogante, tenho criado essas teorias estranhas. Acho que esses eventos despertaram algo oculto em mim.

Consegui me locomover com o carro: No início com dificuldade para trocar as marchas, mas depois de um certo tempo consegui manusear o veículo. Decidi me dirigir até o caminhão que vi da praia. Havia uma pistola no banco de trás do carro.
Quando passei pela guarita dos seguranças percebi que estava em chamas. O carro que vi passando pela minha rua bateu ali e explodiu. Monstros subiam pela estrada e vinha na direção do meu carro, e em resposta a isso eu acelerei. Passei a marcha com facilidade, e rapidamente saí do alcance visual deles: espero que não continuem correndo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom! Aguardo a continuação, está muito bom mesmo.

Adriano

Silas disse...

Que bom que gostou. Valeu pela força!

Postei a segunda parte...