Sobre a dualidade da ética

Eis aí um tema discutido incansavelmente. Sobre o que é a Moral e sobre qual é seu fundamento. O primeiro post do meu blog trata desse tema, mas agora ele só serve como histórico: minha opinião mudou tão radicalmente(ou nem tanto) que achei necessário refazer todo o discurso, tornando-o mais completo.


Duvido, honestamente, que alguém que esteja lendo isso tenha visto o outro post, mas vou comentar minha mudanças de opinião dentro de um capítulo nesse mesmo texto. Será simples: é só pular essa parte e continuar até o próximo subtítulo: Sobre a nova visão. O novo insight será exposto como novo.

Sobre as mudanças no paradigma

“Falo mesmo pelo meu próprio código de ética, que na parte relacionada a sentimentos é muito restrito justamente porque, comigo, os sentimentos que são fortes o bastante para me mover são direcionados a poucas pessoas, sobrando para as outras a ajuda motivada pelo código.”

Nesse caso a falta de fundamento mais profundo me impeliu a exprimir a idéia de forma incompleta. Enquanto introvertido, é natural que apenas poucos fiquem próximos, pois para isso seria necessário que entrassem no meu mundo. Daí decorre que apenas com a força da consciência eu conseguia agir de forma ética para aquelas pessoas que não “existem” no meu mundo. Não é bem por não me importar com elas, mas sim pelo fato de que, como disse, é como se ela não existissem.
“Um sujeito egoísta tende a agregar perto de si outros igualmente egoístas. Assim, ele consegue sucesso e dinheiro, mas todos os que o envolvem só querem isso. Para esses, a companhia dele não é importante, mas o dinheiro e o sucesso sim. Daí decorre que indivíduos que não cooperam, voluntariamente não conseguem fixar laços afetivos. Colocam amores e amizades abaixo de desejos por dinheiro e poder e acabam descobrindo tarde demais quais são as coisas mais valiosas.”

Eis aí um erro. Uma pessoa não precisa ser materialista para ser egoísta e não precisa ser egoísta para ser materialista. Pelo contrário, pessoas egoístas agregam em torno de si aquelas que podem ser sugadas: justamente as altruístas. Algo parecido com a relação entro eco e Narciso. Existem vampiros psíquicos que não estão, em absoluto, interessados em bens materiais, mas apenas em sugar energia. Pessoas egoístas não atraem esses vampiros e, portanto, nesse ponto, estão protegidas e o egoísmo não é completamente negativo a curto prazo.

Comecei a explorar o universo extrovertido da ética, e justamente porque ele era o menos desenvolvido, tive mais atenção no que dizia:

“E não é só no sentido mais intimo que a moral (baseada na ética) trás benefícios ao indivíduo, pois é obvio para quem observa o mundo de modo mais amplo que o companheirismo e a ética é tudo o que precisamos para um verdadeiro progresso. (...) Sendo assim, a moral baseada na premissa de que nós devemos pensar sempre no bem coletivo, nunca o negligenciando por causa de benefícios desnecessários e também nunca fazendo nada contra a sociedade, pois ela é a mãe de todos e dela que todos recebem o que têm.”

Cheguei no ponto essencial nessa frase, embroa eu não o tenha explorado tão profundamente quanto pretendo fazer agora nessa parte:
“Assim, deve-se refletir num principio moral pessoal que beneficie a sociedade e o individuo. O meu código é muito longo na minha mente, com diversas clausulas, mas pode ser facilmente abstraído dos seus princípios básicos. Todos os itens funcionam para o pessoa e para o coletivo (com variação obvia de intensidade) e devem ser igualmente buscados para si e para os outros. Conhecimento, Liberdade, justiça e Amor.”

Os quatro princípios sempre foram fundamentais, mas eu hoje os separo em apenas dois: os introvertidos e os extrovertidos. Conhecimento e liberdade não podem ser transmitidos com tanta intensidade quanto amor e justiça. Afinal, eis aí a grande falha do nosso sistema de ensino: O ser humano não pode ter sua liberdade violada ao ponto de alguém dizer a ele o que é interessante que ele aprenda. O próprio conhecimento, já que é imposto, não é absorvido. Depois de algum tempo, a maioria das pessoas simplesmente esquece daquilo que aprendeu no colégio. Daí decorra que o conhecimento é muito mais um despertar: se pessoa está realmente interessada, então esse conhecimento se integrará nela. Caso contrário, ele só será uma memória efêmera e desconectada da totalidade paradigmatica. Daí decorre que a busca de conhecimento é muito para voltada para o íntimo do que para o coletivo, de forma que passar conhecimentos para fora não é tão fácil. Passar liberdade adiante é quase utopia. Afinal, grande parte das prisões dos homens são criadas por eles mesmos. Reconhecendo isso ou não, o fato de que o outro diz para ele se libertar é inútil. Somente o indivíduo pode libertar-se de si mesmo e ele não pode delegar essa responsabilidade a ninguém. Os outros princípios precisam ser mais claramente explorados e vou fazer isso no capítulo seguinte.

“‘Minha religião é o amor’ é uma frase que da uma base perfeita à moral sentimental destituída de fundamentos ontológicos que, por sua natureza quimérica, são frágeis.”

Minha visão sobre a metafísica e foi revista e totalmente alterada em reflexões recentes, então esse é um ponto que eu simplesmente me forço a remover. Os sentiemntos formam a metafísica da pessoa, então essas ontologias SÃO os sentimentos, de forma que não devem ser negligenciadas. Apenas seria útil que elas não carregassem consigo uma carga grande demais de convicção.

A explicação subseqüente no texto acerca dos tipos psicologicos nem merece comentário: a descarto.

Sobre a nova visão

Em primeiro lugar, vamos à etimologia. Moral vem de Mores, do latim, que quer dizer comportamento, conduta, costumes. Quando falamos num código moral, estamos procurando definir um código de conduta que deveria ser seguido pelos indivíduos a fim de dar ordem ao mundo.
Essa definição amplamente aceita embarca apenas um universo: o externo. E, no entanto, existe outro universo, que é o interno. Apesar de estarem intimamente ligados, sendo inseparáveis, os dois universos possuem regras completamente diferentes, de forma que quando o indivíduo toma o funcionamento de um como premissa para lidar com o outro surgem duas formas aberrantes de comportamento.
A primeira é mais conhecida, porque vivenciamos na nossa sociedade cristã: a moral externa se impondo à interna. Com essa distorção, pretendendo que uma parte englobe o todo, se criou um código moral totalmente doentio, pois ele simplesmente contradiz a existência humana. Seguir tais códigos no mundo interno presume negar a si mesmo. No momento em que o indivíduo “decide” que deve ser do bem e lutar contra o mal, ele nega uma realidade: o mal existe dentro dele. Por mais que ele se esforce, não há como simplesmente reprimir uma parte de si mesmo e se santificar por meio de uma convicção. Por mais que não queiram acreditar nisso, nossa consciência não tem poder absoluto sobre o que somos. Nada mais fazemos do que decidir seguir as orientações do íntimo ou não.
Isso sem falar sobre regras que não são mais válidas, como a abstinência sexual. Sem me aprofundar, é bom lemrbar que no momento em que tal “mandamento” foi criado não existiam camisinhas. Hoje em dia, mesmo nas implicações práticas, essa regra moral é inútil e prejudicial, pois coloca repressões no pensamento e no sentimento das pessoas, castrando seu desenvolvimento.
De um modo geral, isso é fruto da nossa visão de que o que é natural não é bom. De que deve ser renovado, purificado, santificado. De que “isto não poderia ter acontecido”.
Mas o mundo interno simplesmente não pode aceitar tal pensamento, e é por isso que deve ser difícil para um introvertido lidar com essa cultura: afinal, ele sabe que tudo o que ele é contradiz seu ideal.
É justamente por isso que o ideal é uma farsa: porque ele pretende forçar o homem a ser algo que ele não é. Essas regras, reconheço, forame são úteis, mas estão ultrapassadas e precisam ser profundamente revistas. Em relação a isso nesse mesmo texto pretendo apresentar uma proposta que está longe de ser só minha.
Por outro lado, também existe a moral interna. Essa serve como reguladora de outro universo. Um universo que se guia pro regras diferentes: naturais. Quem já conhece tal universo deve saber que não há como molda-lo com regras. Que ele contém opostos racionalmente impossíveis de serem reconciliados. Na verdade, nesse universo existe tudo aquilo que desprezamos em nós mesmos ou , em caso de projeções, nos “outros”.
É um mundo “incoerente”. Cheio de símbolos, totalmente fora de controle. Você não pode controla-lo com artifícios ou força de vontade. Pelo contrário, é mais sensato aprender com esse mundo do que tentar simplesmente submete-lo.
Nesse mundo não há separação entre o bem e o mal, e por isso coisas aparentemente impossíveis serão vistas. Por exemplo, num fragmento de uma grande fantasia que tenho, dois primos representam o ódio e o amor. Apesar de serem tão contrastantes, eles são amigos íntimos.
Pareceria racional, no mundo externo, que os dois fossem oponentes, mas no mundo interno não há essa separação nítida entre o bom e o mau, o certo e o errado. Por lá, o bem é liberdade, onde nenhuma das partes é reprimida por conta do mundo de fora e o mal é a escravidão, seja por processos internos que querem dominar todo o universo ou por influencia do mundo externo. Da mesma forma que, se você ferir o código moral de fora, as pessoas protestarão contra seu comportamento, se você ferir o de dentro o seu íntimo se revoltará contra você de diversas maneiras. Dentre elas posso citar doenças psicossomáticas, surtos depressivos e complexos poderosos.
Não há motivo para se supor que o mundo externo é mais importante que o interno e vice-versa: são complementares e completamente interdependentes.
Aliás, é interessante notar como, por meio de sonhos e fantasias, o próprio mundo interno nos pede para termos atenção com a existência externa. Por mais que isso seja com pouca freqüência, o externo também faz isso.
As exigências do mundo interno são simples: desperte para o que você realmente é. Encontre aquele valioso conhecimento dentro de si mesmo. A Gnose...
Mas a tentativa de viver segundo as regras desse mundo interno no externo se mostra, no mínimo, engraçada.
Afinal, teríamos que viver numa caverna, apenas com uma cobra e uma águia, tal como o Zaratustra, ou vivermos isolado num mosteiro em reflexão profunda.
E isso quer dizer que deveríamos negligenciar o mundo externo em detrimento do interno.
Mas o espírito tampouco suporta tal situação a não ser que esteja cegado por alguma convicção. Até Zaratustra me apóia:

“Pois bem: já estou tão enfastiado da minha sabedoria, como a abelha que acumulasse demasiado mel. Necessito mãos que se estendam para mim.”

(preâmbulo de Zaratustra)

Recolher-se sobre si mesmo indefinidamente causa um vazio no ser humano, porque é da nossa natureza a necessidade de conexão com os outros. E se formos longe demais, podemos perder o contato com o outro por completo, o que significa um severo dano á nossa psique. É como meu “velocista”:

“A musculatura da perna é forte
Ele avança determinado
Cruzarei a linha de chegada
Diz ele em seu coração

(...)

Tenta enfrentar seu medo
Enquanto corre devagar
Pobre coitado
Só tem uma perna...”

Não se pode seguir apenas a moral de um dos universos e o preço é existir como O velocista: Correndo devagar, pois embora seja forte, é só uma perna.
Para isso deve-se propor, então, um caminho mediano entre um mundo e outro e é justamente aí que o problema começa. Jung disse que há sempre um conflito entre a moralidade de fora e a de dentro. Eis aí uma verdade.

No artigo “A DIMENSÃO ÉTICA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA: INDIVIDUAÇÃO COMO ‘REALIZAÇÃO MORAL’”, Marco Heleno Barreto traz uma ótima explicação a respeito disso e deixou fragmentos da obra Junguiana citados por ele aqui como ilustração da minha visão.

“Embora todo ato de conscientização seja no mínimo um passo adiante no caminho da individuação, ou seja, da ‘totalização’ do indivíduo, a integração da personalidade é inconcebível sem a relação responsável, ou seja, moral das partes entre si, assim como é impossível a constituição de um país sem a inter-relação de seus membros. Portanto, o problema ético se coloca por si, e é primariamente a tarefa do psicólogo encontrar uma resposta ou ajudar seu paciente a encontrá-la”

“A questão [terapêutica] propõe-se do seguinte modo: o que, para este indivíduo, e neste dado momento, surge como um progresso à altura da vida? Isto não pode ser respondido por nenhuma ciência, por nenhuma sabedoria de vida, por nenhuma religião, por nenhum bom conselho, mas só pela consideração absolutamente sem preconceitos da semente de vida psicológica que se expande da cooperação natural do consciente e do inconsciente, por um lado, e do individual e coletivo, por outro.”

“Por outro lado, é imperativo observar que o confronto entre Eu e Si mesmo tem necessariamente como pano de fundo a comunidade ética a que o sujeito solicitado pelo impulso de individuação pertence. Isso entranha duas consequências: a primeira é que o abandono – doloroso, para um sujeito ético – das diretrizes morais comunitárias não significa arbitrariedade ou anomia, mas sim o encontro de uma lei que Jung afirma ser mais severa do que qualquer outra lei: a lei que determina os contornos da própria individualidade (Jarret, 1988). A segunda – que nada mais é do que a outra face da primeira – é que a anuência ao impulso de individuação, representando frequentemente uma transgressão ou uma ultrapassagem dos valores estabelecidos que regem a vida de uma comunidade ética, impõe ao indivíduo a dolorosa experiência de sua própria solidão, consequência inevitável da ruptura da inconsciente adesão ao grupo social. Evidentemente, isso não significa o cancelamento da socialidade que define essencialmente o ser humano, mas a transformação da relação intersubjetiva para o indivíduo: acirra-se a necessidade agudamente sentida de comunicação em profundidade com o outro, e a construção dessa comunicação aparece como uma exigência constitutiva da própria individuação. Jung reiteradamente insiste em que a individuação só pode se dar no mundo e não leva a um isolamento do sujeito, implicando sempre a interação intersubjetiva, a comunicação humana profunda.”


E por Jarret:

“Não devemos entender o indivíduo como voltado para dentro apenas sobre si mesmo; senão a individuação levaria ao completo desaparecimento do indivíduo são. Ele deve reaparecer de novo. […] Não faz sentido voltar-se para dentro – desaparecer – se você não retornar com uma mensagem para as pessoas que estão fora”

Como foi demonstrado com as citações, a organização do mundo interno depende do externo e vice versa. Se assemelha, aliás, a uma passagem do livro A republica de Platão, onde ele estabelece um paralelo entre a ordem do mundo interno dos homens e da sociedade que eles constroem. Nossa sociedade é bem extrovertida e coloca os indivíduos para se voltarem ao seu funcionamento. Apesar disso, como uma contradição, ela é extremamente violenta, injusta e desigual. Sobre isso, não consigo deixar de concluir que é a negligencia com o mundo interno que trás tais conseqüências da mesma maneira que negligenciar o outro torna difícil, senão impossível, a individuação, de maneira que o convívio externo é essencial para o crescimento íntimo.
Deve-se, ao invés de buscar isolamento ou de negar-se em prol do externo, haver um equilíbrio, sem o qual continuaremos vivendo numa sociedade doente constituída por pessoas doentes simplesmente porque se identificam apenas com metade do “biverso” no qual todos vivemos.
Posso imaginar o que essa avalanche de idéias e sentimentos podem estar gerando em vc. Espero que vc as utilize bem, em seu processo de transformação pessoal.

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