Uma maldição do passado



Nós nos encontramos no parque pela última vez. Pensei que ela nunca mais falaria comigo depois daquilo que fiz. Mas me chamou. Estranha, aquela sensação.
Noite passada eu nem acreditei no que eu fiz. Não era eu. Dormi por 16 horas e não queria levantar quando acordei. Eu queria acreditar que foi um sonho. Mas não foi, e tudo estava acabado.
Ela deixou recado com minha mãe no telefone. Queria me encontrar na praça lá em cima às dez. Perto da casa dela. Teve uma festa lá. Aniversário da mãe dela. Eu ainda tenho o convite.
Eram oito da noite. Passei o dia inteiro dormindo. Meu sonho estava bom, mas não consigo lembrar.
Eu me levantei e tomei um banho. Eu nem lembrava a última vez que eu tinha ido ao chuveiro. Tudo aquilo tirou meu foco das coisas. Como sempre, comecei a pensar no banho. Pensei na possibilidade de ela ter interpretado tudo como apenas um mal entendido. Ela confiava em mim, afinal. Como sempre, era eu inventando absurdos pro meu conforto.
Desliguei o chuveiro e tomei um banho frio. Foi bom, apesar de estarmos no inverno. Era o que eu queria.
Saí do quartinho dos fundos com a toalha. Foi até meu quarto e vesti qualquer coisa. Uma camisa de crente que sempre ficava em cima na gaveta como uma conspiração divina. Soldado de cristo. Hipocrisia do caralho eu usar aquilo.
Saí vagando pela rua. Estava deserta. Subi até a praça e a casa dela estava cheia. Carros estacionados por toda a parte, gente conversando na calçada. Gente sorrindo. Provavelmente não sabiam do que eu fiz.
Eu era um herói pra essas pessoas. Um salvador. Ir ali foi uma merda. Eu senti uma angustia horrível. Uma vontade de chorar, vomitar e se sair correndo. E também tinha medo.
Ela estava apoiada no muro de casa com o celular na mão. Estava rindo. Começou a escrever uma mensagem e nem viu que eu cheguei.
Deitei no banco da praça e olhei pro céu. Noite feia. Só nuvem no céu. Mesmo na parte escura você não via nenhuma estrela.
Meu celular tocou. Era o número dela, mas sem o nome. Eu nem estava lembrado de apagar da minha agenda.
Ela ouviu o toque e percebeu que eu estava escondido no escuro. Foi até lá. Ficou na parte clara. Irônico e verdadeiro, o contraste entre os ambientes.

- Como eu pude te amar? – perguntou ela
- Como pôde? – respondi.
- Porque você fez isso? – perguntou ela com voz de choro
- Não sei.
- Filho da puta, você tava planejando isso desde o começo.
- Não tava. Aconteceu.
- Quer dizer que um dia você simplesmente acordou querendo destruir a minha vida inteira? Aconteceu?
- É.
- Você é tão bom com as palavras. Pensei que pensaria em alguma coisa melhor pra dizer. Eu te deixei entrar na minha casa, seu merda. Você leu a porra do diário. Ninguém nunca leu aquilo além de você. Vai tomar no seu cú. Some da minha vida e não aparece mais. Nunca mais quero te ver. Você é podre e vazio. Vai morrer sozinho e infeliz.

Não falei nada. Deitei no banco novamente e olhei pro céu feio. Eu queria morrer.
Ela saiu. Foi em casa, mas depois voltou.

- Você não tem mais nada pra dizer? – disse ela
- Não. – respondi ao andar até ela.

Ela me deu um tapa na cara e cuspiu em mim. Ficou um tempo parada esperando eu dizer alguma coisa. Limpei o rosto e continuei em silêncio. Olhei pro chão e vi as sandálias dela. Ficavam bonitas nos pés pequenos que ela tinha. Eu que comprei, eram da moda e tudo. Me meti em cheque especial pra comprar. Disse pra ela que tinha sobrando, mas era mentira.
Pelo menos algo meu ela guardou.
Deu as costas pra mim. Entrou em casa e nunca mais a vi. Disseram que ela se mudou pra fazer faculdade fora.

2 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Esse texto tem a mesma temática que o a carta que eu postei horas antes. Isso foi coincidência? Ou você lembrou do passado depois de ler o meu blog?

Silas disse...

Escrevi logo que li o seu texto. Trouxe lembranças sim.