Um esboço sobre a Dicotomia Feminino/Masculino – Eros/Logos – Anima/Animus

 
 Quando Jung produziu sua obra e introduziu os conceitos de Anima/Animus, que declarou análogos aos de Eros/Logos ou Yin/Yang, a sociedade ainda era muito tomada pela Persona. Noutras palavras, a sociedade ainda era muito presa à tradições comportamentais que definiam estereotipadamente a função da mulher e a função do homem.

A mulher (Anima, Yin, Eros) acolhe e é sentimental. É uma grande mãe e voltada para o externo: Os filhos, o marido, e todo o círculo social. Normalmente não possui força física considerável, não se envolve em conflitos físicos (que não sejam ridículos) e não vive pairando sobre abstrações filosóficas.

O homem(Animus, yang, Logos) É racional e lida com idéias, sejam elas práticas ou abstratas. Além disso é líder, vai para guerras e luta, o que envolve agressividade. Normalmente não possui grande sensibilidade e não se importa profundamente com as relações pessoais.

A mulher sente, o homem pensa. A mulher acolhe, o homem invade. A mulher é úmida e macia, o homem é seco e duro (sim, isso é uma analogia sexual).

E na época de Jung, por mais que a pessoa não fosse perfeitamente adequada à “função” prognosticada pro seu sexo, havia intensa pressão coerciva por parte da sociedade para que o homem tomasse para si a função “adequada”. Havia uma estereotipação coletiva, da qual Jung se serviu para definir os conceitos de Anima e Animus. Anima é o feminino no homem, e Animus o masculino na mulher. Não só isso, mas tais arquétipos são como um portal para o inconsciente.

Ora como na época de Jung o masculino era estereotipado, Jung associou Anima ao feminino do Homem, pois o homem tinha a tendência de não desenvolver a própria “feminilidade”, que permanecia inconsciente, e o mesmo ocorria com a mulher. Mas tal conceito só ocorreu pelo fato de que, naquela época, a cultura ainda tinha essa barreira entre os sexos¹, que foi radicalmente atacada pelo movimento feminista.

Com a mudança na nossa cultura, o homem pode se “feminilizar” e a mulher se “masculinizar”, embora ainda existam resistências. Isso ocasionou algo como um incoerência no sistema de pensamento de Jung, que foi desenvolvido com material empírico de sua época.

Isso porque, na nossa época, o homem passou a poder demonstrar sua feminilidade e a mulher sua masculinidade. Daí decorre que surgiram o que se chama de Macho Beta: um homem que exerce a função que seria, no passado, a da mulher. O Macho beta tende a se unir com uma “Fêmea Alfa”, que agrega em si mais características tidas por masculinas do que femininas. Nesses casos o que ocorre é que a Anima do homem, ou seja, sua imagem feminina interna, é “masculinizada” e a mulher tem sua imagem masculina interna “feminilizada”.

Assim, os conceitos de Anima e Animus de Jung se tornam nebulosos para definir a realidade do nosso “Zeitgeist” e precisa ser revisto.

Há duas saídas conceituais, ambas que realmente alteram a teoria Junguiana original e que tornam a questão coerente.

Antes de falar sobre isso, é bom salientar que, ao postular a existência do feminino no homem e do masculino na mulher, Jung afirma que nossa mente é psicologicamente andrógina.

Uma das soluções propostas é de que o homem possui tanto Anima e Animus em sua constituição psíquica, assim como a mulher. Dessa forma, embora sua característica somática seja masculina, ele pode efetivamente ser Anima e ter um Animus. O mesmo se aplica à mulheres.
Isso trás diversas implicações, dentre as quais a de que poderia haver uma relação entre tal dinâmica e a homossexualidade. Confesso que não me aprofundei com cuidado nessa questão, mas pelo que expus o juízo racional me leva a crer que não há coerência em tal colocação.

Outra solução, precisamente aquela que me convenceu, é que o limite entre masculino e feminino é relativamente arbitrário. Assim sendo, a Anima do homem pode conter conteúdos que são tidos como masculinos e o Animus da mulher pode conter características femininas.
Na verdade, Anima/Animus é como um(a) porteiro(a) do inconsciente. Daí decorre que se, num homem é o lado masculino que está reprimido, então é para isso que o Porteiro o levará e vice-versa.
Noutras palavras, outro conceito deve ser usado para substituir o de Anima e Animus, porque os limites entre as funções psicológicas dos sexos se tornaram mais frouxos.

Aliás, tal questão entra em profunda contradição com o problema dos tipos: Atribuir à Anima certos caracteres “femininos” implicaria dizer que homens não podem ter o tipo extroversão com sentimento², por exemplo, e que esse é um tipo exclusivamente da mulher. Na realidade vemos que não é assim que acontece, embora seja raro.

Deixo claro, nesse texto, que não estou abordando a opção sexual e nem nada relacionado a isso: a questão aqui tratada é meramente abstrata, embora possa envolver material empírico, e não aborda tais questões, mas apenas a efemeridade dos conceitos de masculino e feminino psíquico no nosso tempo. Até porque um homem homossexual pode muito bem se enquadrar na definição de masculino e o mesmo se aplica à mulher.

Com o valor equivalente entre as funções atribuídas à mulher e àquelas atribuídas aos homens, é útil salientar que todas essas qualidades deveriam ser desenvolvidas por quem tem interesse em levar uma vida plena do ponto de vista psicológico. Eros e logos, ou, segundo a minha definição, Liberdade e Amor.

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1) Poderíamos especular sobre o motivo de que na grande maioria das sociedades a função da mulher é o que é por duas perspectivas, que quero explorar nesse texto (que não tem pretensão de exatidão nem mesmo dentro dos autores citados, quanto mais do ponto de vista metafísico e psicológico).
A primeira perspectiva é pragmática, e, embora eu não me familiarize com ela, possui sentido do ponto de vista racional e merece menção: Por sua função determinada nas sociedades, a mulher teria formado uma estrutura física(maior resistência nas pernas para sustentar peso de bebê no colo e na barriga) e psicológica por seleção natural: simplesmente foi uma vantagem evolutiva pra mulher assumir tal postura e característica, e por isso que se convencionou assim.
No caso do homem dentro dessa teoria, sua função e condicionou a executar funções que exigiram mais força e raciocínio lógico, então ele desenvolveu tais características por pressão seletiva.
Outra perspectiva, que me agrada psicologicamente, é a de que, do ponto de vista somático e psicológico, ambos os sexos já estavam condicionados a tais funções, e que, como nas civilizações primitivas os indivíduos possuíam (e possuem em tribos isoladas) pouca ou nenhuma consciência individual, a tendência era simplesmente assumir a função que seu corpo tornava mais fácil. Daí decorre que isso moldou a nossa cultura.
Colocando parte da primeira perspectiva em adendo, poderíamos dizer que isso acabou gerando uma pressão seletiva contra os que não se adequavam à função atribuída ao próprio sexo. No entanto, nossa cultura atual transcendeu tais paradigmas, o que coloca em cheque a intensidade com que a pressão seletiva moldou o comportamento de homens e mulheres. Aliás, coloca em cheque até a idéia de que houve pressão seletiva significativa.

2) Estou me referindo à tipologia introduzida por Jung em seu livro Tipo psicológicos. O tipo em questão é focado para o mundo de fora e orientado por sentimentos. Falando numa linguagem prática, se trata de uma pessoa que preza os valores trazidos do mundo de fora e que tem a tendência se usar tais valores sentimentais antes da razão. Geralmente são valores apaziguadores do tipo “tudo mundo está certo”, onde a consideração pelas pessoas é superior a qualquer argumento. Esse tipo era mais comum em mulheres na época de Jung, mas, com o tempo e a mudança na nossa cultura, se tornou também muito freqüente em homens.

3 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Finalmente você resolveu escrever sobre isso, afinal essa dicotomia é recorrentemente usada por você em suas interpretações da realidade. O que você acha da abordagem da neurociência, que reduz essa dicotomia à morfologia cerebral? Dizem que o hemisfério esquerdo é o masculino, lógico e racional, enquanto o direito é o feminino, intuitivo e sentimental.

Gostaria que você comentasse sobre como essas características podem levar a mulher a uma passividade e a uma subserviência enormes, que chegam a ser ridículas quando observadas do ponto de vista masculino.

Com relação à homossexualidade, talvez seja interessante que você estude (se ainda não estudou) as diferenças entre os seguintes conceitos: sexo biológico, identidade sexual, papéis sexuais, orientação do desejo sexual. Esses conceitos são inclusive necessários para esclarecer a diferença entre homossexualidade, transexualidade e travestismo.

Silas disse...

Tratar do papel da morfologia cerebral é uma questão delicada. Sempre fico entre interpretar o cérebro como efeito ou como causa. O que observamos é realmente que pessoas com uma atividade mais feminina, sejam homens ou mulheres, demonstram ter o lado correspondente mais desenvolvido ou ativo, e o contrário também se aplica.

Acho que há uma tendência somática e cerebral sim no que diz respeito a essa questão: afinal, pelo que sei, a maioria das mulheres são mais sentimentais e a maioria dos homens mais racionais. Isso já é até motivo de comédia na cultura popular.

No entanto, reduzir tudo a eventos neurológicos transforma o ser humano em mero fenômeno, e disso não me agrado muito. Digo isso por conta da minha preferência pela psicologia de Jung, que se adéqua perfeitamente às recentes descobertas neurológicas. No caso de um homem possuir apenas o lado “masculino”, então seu lado feminino ficará relegado a permanecer no Inconsciente. Noutras palavras, a atividade de tal aspecto dele irá funcionar de maneira arcaica devido à concentração de atividade neurológica (ou energia psíquica) dedicada apenas à outra função.

Quando, no entanto, o indivíduo equilibra sua “atividade cerebral” para todas as áreas do cérebro, então ele estará vivendo uma vida plena do ponto de vista humano. Na verdade, toda a psicologia de Jung investiga a forma com que a mente dobra o indivíduo à fim de induzi-lo a desenvolver todos os aspectos possíveis. Segundo Jung, nossa mente é algo que se desenvolve como o corpo, mas que demora muito mais tempo e está sujeita a ser interrompida pela cultura e outras coisas externas. Toda a psicologia de Jung gira em torno disso: O processo de individuação.

Eu vi um juízo de valor implícito no sue comentário sobre as mulheres e lanço sobre isso uma provação: Tratar com desprezo tais caracteres femininos não é o mesmo que tratar com desprezo seus próprios traços mentais femininos?

Se você for parar pra pensar, aquela carta da “Martha” poderia muito bem ser uma representação do seu próprio lado feminino, revoltado com o desprezo que recebe. Muitas vezes um “arquétipo”, quando mantido fora da consciência, se torna autônomo e se manifesta em imaginação ativa, sonhos e delírios.

O que acha?

Duan Conrado Castro disse...

Veja bem, Quando eu falei de subserviência estava me referindo ao que eu observo no trabalho. Eu percebo que as mulheres são mais fáceis de “explorar”, pois elas não olham tanto para seus próprios direitos, e ainda tomam para si a responsabilidade alheia. Tudo isso pode chegar a um nível que para mim é tão ridículo que me fazem confirmar a falta de fé no ser humano. Tenho uma colega de trabalho cujo comportamento é tão lamentável que ela esnoba os direitos básicos que os trabalhadores conquistaram (por exemplo:o direito de almoçar uma hora por dia – ela queria trabalhar sem almoçar –, o direito de não trabalhar mais de 8 horas por dia (no caso dos bancários), o direito de não levar trabalho para casa – ela reclama porque o chefe não deixou ela fazer isso!). Em resumo, ela é uma escrava voluntária, é uma máquina de trabalhar e nada mais. E o pior: ela nem tem filhos...e ainda ajuda o marido com o trabalho...eu fico me perguntando: PARA ONDE VAI O DINHEIRO QUE ELA GANHA? Será que ela dá tudo para a igreja? Eu não duvido não...