Acerca do Multiverso Social e sua implicações práticas (pessoais e coletivas)

Introdução

A natureza dessa idéia é adaptativa. Não se trata bem de uma concepção explicativa, pois as explicações em si, imagino, parecerão óbvias. O que concebi não passa de uma racionalização acerca da organização social, o que me permitiu uma maior capacidade de interagir com outras pessoas. Não só esse pensamento é uma muleta de auxílio ao relacionamento com o próximo, mas também apresenta o que chamo de espectro da personalidade individual: não chego nem perto de dizer o que uma pessoa é em si, mas falo sobre as manifestações e isso possui implicações práticas muito maiores do que definições abstratas.
Como eu asseverei antes e volto a deixar claro, esse texto não é pra ser levado a sério, a não ser que o leitor realmente ache algo de útil nele: na verdade, imagino que a grande maioria dos textos dessa natureza devam ser tratados assim, sejam do autor que for, e é lamentável que isso não aconteça.
Falarei a seguir de duas faces do que chamo de multiverso social, definindo o efeito da globalização sobre ambas, além de me usar como exemplo pessoal. Se o leitor quiser saber algo sobre mim, provavelmente encontrará a informação que busca nesse texto (embora, com minha visão narcisista projetada no outro, eu não seja capaz de imaginar um motivo plausível para alguém querer uma coisa dessas) tanto no seu conteúdo como na forma como lido com os dados e construo o pensamento.
Que não se assustem com o fato de que citarei alguns dos meus autores preferidos: estou exercitando minhas faculdades não-narcisistas.

Sobre o multiverso espacial

Em suma, para dar uma definição teórica, um multiverso espacial é um senso comum de algum lugar. Sociedades do passado possuíam um multiverso espacial muito mais forte e determinante do que as contemporâneas, embora alguns lugares (especialmente os pequenos) tenham esse multiverso intacto até o presente momento.
Pra colocar de maneira clara, o multiverso espacial é a tendência de certos pensamentos e hábitos se repetirem em qualquer parte do mundo. Em cada parte do mundo (ou mesmo de uma cidade) se forma um universo isolado, e quando dois universos espaciais diferentes se encontram, há estranhamento. Isso aconteceu, mais radicalmente, quando os indígenas entraram em contato com os invasores europeus, ou quando um jogador de futebol pobre brasileiro se viu na Europa. Os lugares, bem como as classes sociais, criam diferentes universos que dificilmente se misturam: antes, é mais fácil um sobrepor o outro.
Quando me refiro à classes sociais como parte do multiverso social, quero falar abstrata e praticamente: não só cada classe ocupa um “lugar” na sociedade, como também, de um modo geral, vivem em regiões diferentes e não se misturam com freqüência.
É uma tendência de pessoas que não possuem a própria personalidade individual definida se guiarem por universos espaciais. Numa linguagem simples, o indivíduo se identifica com o senso comum de seu bairro, de sua classe social, de sua turma na faculdade. Ele não faz mais do que se identificar com a forma rudimentar de pensamento que parece surgir em meio a grupos, como uma mentalidade grupal.
Tal capacidade já foi crucial, como uma questão de sobrevivência, especialmente em tempos remotos em que o indivíduo precisava estar ligado ao grupo para sobreviver. Para os primitivos, é completamente natural que todo o seu universo seja sua tribo, que sua visão religiosa e praticamente tudo o que ele é seja determinado pelo grupo. Jung relatou, por exemplo, o tratamento que certas tribos davam ao sol era tão comum para os nativos que eles riam dele por não entender o óbvio (que você tem que cuspir na mão quando o sol nasce, por exemplo). Os primitivos viviam num universo, e Jung noutro. Provavelmente eles não entenderiam, por exemplo, qual era o motivo de termos tantos edifícios com tanto espaço e ainda assim deixarmos nossos companheiros dormirem nas ruas.
Em termos capitalistas, podemos ver americanos intrigados com o fato de que, ao menos aqui no rio de janeiro, lanchonetes tenham frutas amostra e façam sucos naturais na hora, pois isso não é comum por lá, ou talvez um brasileiro ache estranho que não sirvam guaraná por lá. No entanto, tanto o americano acha normal nunca beber guaraná quanto o carioca acha comum que sucos naturais sejam preparados diretamente da fruta.
Claro que, como sou do tipo intuitivo, não poderei de colocar influências desses universos no nosso pensamento.
Temos, por exemplo, o pensamento americano com uma forte tendência ao pragmatismo, com quantificações e medidas exatas, enquanto que o pensamento alemão se comporta de maneira diversa: Freud baniu Reich do meio psicanalítico pelo fato de que ele quis quantificar a Libido, tranformando-a no que chamou mais tarde de “Orgone energy”.
Não tenho a intenção, aqui, de me aprofundar nessa questão. Não só por não dispor de dados para tal, mas também porque isso foge do escopo desse texto. Provavelmente ainda se passarão uns cinco anos antes que eu volte a me aprofundar nessa questão.
Os universos espaciais não se limitam a determinar juízos racionais. Na verdade, observei que geralmente são juízos de valor que mais são influenciados por esses universos: existem mais coisas que um grupo gosta ou despreza do que coisas que o grupo considera sensatas e racionais. Isso precisamente porque os grupos não formam um pensamento muito profundo, devido à necessidade de aceitação dos indivíduos, que bloqueia a criatividade individual.
Na organização de universos espaciais, o indivíduo que quiser realmente se integrar só terá três alternativas: ele pode efetivamente suprimir a individualidade, se tornando parte do grupo, fingir que suprimiu a própria individualidade e lidar com o desconforto e o risco da desonestidade ou assumir quem realmente é e ser excluído.
Os indivíduos que não possuem qualquer consciência de sua própria identidade não precisam se preocupar, pois o grupo tratará de mantê-los assim. Os que têm uma vaga idéia podem se apegar a convicções e esquecer da individualidade (que simplesmente não se desenvolve em pessoas demasiadamente convictas, pois a personalidade total sempre terá algo que contradiz alguma convicção). Aqueles que percebem quem são e não podem se esquecer, no entanto, permanecerão desajustados e excluídos. Perceber quem somos não é um ontológico, mas apenas as manifestações claras. Como demonstrarei mais a frente, há formas de falarmos de nós mesmos sem dar uma definição final (conservando, assim, nossa ignorância sobre o que somos em essência [se é que isso existe]) e de esse discursos ter implicações práticas sobre como podemos lidar com o mundo e sobre como os outros nos entenderão. Para isso, preciso ir adiante na questão do multiverso psicológico.

O multiverso psicológico em implicações pessoais

Como o introvertido que sou, naturalmente falarei de como essa forma de pensamento pode, de maneira rápida e prática, nos dizer algo sobre quem somos e nos trazer material para reflexão posterior, bem como pode nos ajudar a criar uma imagem que corresponda mais completamente ao que sentimos ser (sentir não equivale a saber).
Para isso, me usarei como exemplo, definindo meu próprio multiverso psicológico e seus universos.
Faço parte de universos que englobam música, literatura, pensamento, jogos eletrônicos e religião. Alguns possuem menor relevância do que outros, e vou tentar deixar claro nos exemplos abaixo ao definir cada uma dessas e suas ramificações.

Em música, tenho a tendência de gostar de heavy metal e seus variantes mais pesados, grunge, e diversos formas de rock agressivo. Também me agradam músicas mais brandas, como Norah Jones ou BB King. Em termos pessoais, isso parece pra mim como um sinal de dicotomia simples: há um lado selvagem e agressivo, enquanto que outro é mais calmo, até mesmo passivo. Nesse caso, são sentimentos que se refletem na sensação que a música me passa: Obvio que a mesma música que percebo pode passar outra sensação a outra pessoa que gosta delas, e ter outros sentimentos associados às sensações. Por isso que isso só serve pro indivíduo, de si pra si: porque uma pessoa pode gostar da mesma música que eu por razões diferentes e associar sentimentos bem diferentes á música. Embora eu coloque tanto relativismo, parece que todos percebem que uma música é agressiva ou outra é triste. Isso é fácil de perceber, mas é reducionismo dizer que uma pessoa ouve uma música agressiva por ser agressiva, ou uma triste porque é triste. De um modo geral, o gosto musical pode servir como ponte na formação de grupos, mas não são, de um modo geral, duradouros senão entre músicos profissionais.

Em literatura, me agradam poesias, contos e romances. No entanto, há uma relação direta entre o gosto literário e o músico: há uma dimensão sombria, agressiva, e outra “cor de rosa” (como diz um amigo meu). No entanto, como sou escritor, há uma mistura efetiva de tudo o que sou dentro da criação artística: isso não acontece na música porque eu não crio, apena ouço. Poderia acontecer se eu fosse músico. Muito do que eu disse na parte da definição de música também se aplica à literatura, embora sejam expressões diferentes. Naturalmente ambas lidam com sentimentos e sensações, embora a literatura possa ter mais implicações intelectuais do que a música (a não ser em poesias).
A maior diferença, no entanto, é que a literatura possui maior relevância pra mim, já que tenho o hábito de escrever e sentir as minhas próprias criações. Através da criação artística, aliás, é como se o que eu sou fosse sendo revelado por uma via que não a racional, e a criação vai, junto com outras forças, revelando a mim mesmo que eu sou, embora muitas coisas sejam impossíveis de se exprimir em meios racionais.

Em pensamento, tenho interesse por Psicologia, Filosofia (especialmente filosofia da ciência), Sociologia, e pensamento “esotérico”. Seria muita ingenuidade pensar que, num texto que não trata desse assunto especificamente, eu poderia explicar satisfatoriamente a razão dessas preferências (e nem possuo uma explicação terminada). Deixo, no entanto, nomes que me agradam: Jung, Fromm, Schopenhauer, Feyerabend, Marx, Proudhon, Kardec, Goswami, Lao Tse, etc.
Meu pensamento parece se direcionar à duas direções, e esse texto mesmo é um reflexo de ambas: Uma à compreensão do indivíduo, recorrendo a conceitos psicológicos e místicos,e outro à compreensão da sociedade em si. A primeira pra descobrir quem sou, e a segunda pra me relacionar melhor com o próximo. A despeito do meu esforço, a primeira sempre acaba sendo prioridade.
O pensamento filosófico é, por um lado, uma forma de libertar o intelecto das amarras e esquecer de regras e limites na imaginação, e por outro pra pensar o pensar: Pra expandir o conceito de realidade na medida do psicologicamente possível (porque desejos e tendências influenciam o pensamento) e tentar entender como se processou esse pensamento (porque [por algum motivo] esse é o meu maior objeto de estudo no momento).
Minha criatividade literária e intelectual se misturam em prioridade, mas a tendência é a intelectual sobrepor a sentimental: me considero melhor como filósofo do que como poeta, embora aprecie a poesia tanto quanto a filosofia¹.

Os jogos eletrônicos me atraem desde a infância. Depois que ganhei um Master System 3 com Sonic percebi que bonecos e carrinhos não eram divertidos de verdade. O vídeo game não era tão inanimado: possuía interatividade e um universo a ser descoberto. Qual não foi minha satisfação quando reuni todas as esmeraldas e percebi que aquilo limpava a terra.
Pensando sobre essa questão, as vezes vejo essa tendência como uma fraqueza ou um vício, mas nem sempre. Na verdade, percebi que meu segundo livro e sua futura continuação ficariam perfeitos se expressos em forma de jogo. Criando um jogo, eu usaria a criatividade intelectual pare conceber mecanismo a serem programados e a sentimental para dar vida literária ao roteiro (porque me aborrecem os jogos sem roteiro, sem personagens dignos de menção ou estória decente). Obvio que a criatividade intelectual seria um tanto matemática, talvez até mesmo física, e minhas aspirações psicológica e filosoficas teriam poucas utilidade nesse meio. Sendo essas aspirações as minhas preferidas, e sendo o meio intelectual o mais atraente, provavelmente a vontade de criar um jogo, mesmo unida às aspirações literárias, não terá força para se tornar prioridade, embora não precise ser prioridade pra ser executada.

Como um intuitivo, jamais poderei escapar das questões religiosas. Na verdade, me chamem de esquizofrênico, tenho o hábito de conversar com o Daimon. Pode ser um espírito, uma personalidade número 2 (Jung), um anjo da guarda ou o nome que quiserem dar. O que sei é que nos momentos de mudança, aqueles em que fico desorientado, Daimon intervém e me traz certas epifanias que basicamente definem todo o curso da minha vida. Eu ousaria dizer, aliás, que eu (enquanto Ego) executo ao invés de planejar: Não sou, de maneira alguma, o senhor do meu próprio destino. Poderia ser, mas há algo como uma potencialidade uma Semente de Carvalho(Hillman) que pede tão insistentemente para ser seguida que eu não consigo ver nada tão sedutor, tão atraente, como ouvir e seguir essa voz interna: não, não aceito argumentos de que isso é um condicionamento externo proveniente de educação religiosa ou que seja simplesmente loucura.
Tenho tendências espíritas, taoistas, Budistas e até mesmo Cristãs², mas, no final das contas, eu tenho uma visão religiosa própria, que, por ser todas essas juntas com detalhes de outras filosofias, não é nenhuma delas especificamente.
Este é, de longe, o aspecto mais relevante da minha vida, embora minhas atitudes demonstrem maior tendência para o intelectualismo: até mesmo o intelectualismo foi determinado por essa “força oculta”. Por isso que se me pedirem pra usar apenas uma palavra pra me definir de maneira inteligível, direi que sou um místico.

Depois de toda a sessão de confissão, cabe chegar ao ponto de adaptação social, tendo por base essa informação e outras relevantes que serão apresentadas a seguir.

O multiverso psicológico em implicações sociais

O multiverso psicológico, mais intensamente com a expansão dos meios de comunicação e com a globalização, está se tornando mais influente do que o espacial. Trata-se da formação de grupos baseada em preferências ao invés de localidade. Em grande metrópoles isso aparece de maneira mais clara.
Há dois documentários interessantes sobre o universo psicológico do Heavy metal³ que demonstram, de maneira interessante, a maneira como isso acontece.
A um músico experiente, numa entrevista, foi perguntado se ele percebia diferenças nos públicos de diferentes países.
Ele relatou que, no Japão, tocou num show em que os expectadores tiveram que ficar sentados por conta de regras rígidas típicas da cultura japonesa, o que demonstra o efeito do multiverso espacial, mas também asseverou: “Kids are Just kids. No matter where they come from” ( Jovens são só jovens. Não importa de onde vêm). Em todos os cantos, os shows de heavy metal parecem repetir certos padrões: Gente pulando e gritando, roda punk no meio da platéia... E não é só o show, mas também hábitos diários, tipo de roupa, cortes de cabelo. Na verdade, é freqüente que em diversos lugares se formem grupos de “metaleiros”, que não se organizaram por pressão da sociedade local, mas, ao contrário, à despeito da pressão contrária.
Percebi isso claramente quando ia ao Show do Matanza com colegas, todos vestidos de preto alguns com correntes e garrafas de cachaça nas mãos. Um grupo de moleques desafiando a cultura local em detrimento de outra global na qual podiam manifestar mais efetivamente a própria individualidade: porque pra ir nesse show, você tem que ser desse universo.
Esses grupos se formam, tanto física quanto virtualmente (internet) de maneira espontânea em relação a todo o tipo de universo que posso imaginar.
Há grupos de literatura, debate e pesquisa intelectual, religião (ou, no meu caso, especulação mística), música e até mesmo grupos que se reúnem pelo gosto comum por certos tipos de jogo(como o RPG). Na verdade a quantidade de universos psicológicos é tão grande que eu nem ousaria falar sobre todas elas, mas o ponto é que dificilmente encontraremos alguém que realmente vive nos mesmos universos, mas certamente encontraremos quem faça parte de algum dos nossos universos.
Em suma, para uma vivência coletiva saudável, eu me envolvo num grupo de escritores (Bar do escritor), embora não tão assiduamente, em grupos de discussão racional, de especulação mística, e até de grupos em shows de heavy metal ou de amigos de infância com os quais jogo (Worlf of Warcraft, atualmente).
Assim, mesmo sendo desajustado no conceito de grupo tradicional (o especial), ainda assim consigo me encaixar em subgrupos, que fogem completamente á compreensão tradicional e só se estabeleceram por causa dos novos meios de comunicação. Na verdade, creio que tudo isso, nesse século, possibilitará um maior desenvolvimento da individualidade humana, sendo um passo histórico nunca dado devido ás pressões locais que não tinham nada para contrapor sua força tirânica. Muito prazer, esse sou eu e é assim que me adaptei ao mundo. Espero que isso possa ser útil para alguém...
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1)    Explico o fenômeno segundo os tipos psicológicos de Jung, já que sou intuitivo com função auxiliar pensamento: o sentimento vem logo depois do pensamento, tanto em prioridade quanto em desenvolvimento.
2)    A despeito do fato de que eu passei anos odiando essa religião, partes dela foram integradas profundamente na minha cosmologia e me agradam profundamente.
3)    Metal: a headbanger’s journey e Global Metal. Ambos podem ser encontrados na interner, tanto em blogs quanto em servidores P2P (pirate bay, mininova, etc.).

1 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Eu li. A propósito, você fala em “invasores europeus” mas chama os ESTADUNIDENSES de americanos. Não percebe que assim eles roubam o continente com a palavra? Escrevi sobre isso no cap 55 do meu blog.

http://outsidercaos.blogspot.com/2009/03/lv-acerca-do-ensaio-prostituta-devassa.html


http://pt.wikipedia.org/wiki/Estadunidenses#Controv.C3.A9rsia

http://pt.wikipedia.org/wiki/Uso_da_palavra_americano/a

Pretendo falar sobre grupos e a inadequação do outsider em algum próximo capítulo do meu blog. É claro que minha visão será mais amadora que a sua, dada a pouca atenção que e dedico ao estudo psicológico.

Aliás, se eu tivesse que me definir com apenas uma palavra, ela seria outsider.