Sobre o Zeitgeist como um fenômeno


Porque eu vou postar esse texto em dois lugares, deixo logo claro que me refiro ao documentário Zeitgeist: The Movie e ao Addendum, publicados respectivamente em 2007 e 2008.
Já não é a primeira vez que escrevo sobre esse documentário. Quem não lê as coisas que escrevo talvez não conheça o nível de narcisismo que o que eu escrevo tem. Comentar as idéias de outras pessoas é uma coisa que raramente eu faço, muitas vezes porque isso exigiria investigação meticulosa, marcar meus livros (não gosto muito disso) e também uma boa carga de esforço para a qual geralmente não tenho motivação.
Assim, se eu chego a escrever sobre as idéias de alguém, isso quer dizer que o autor é muito admirado. Tenho, no meu blog, um marcador para Jung, por exemplo.
No entanto, cá estou aqui começando a escrever novamente sobre o Zeitgeist. Na verdade, encontrei inconsistências nesse documentário, especialmente sobre a forma como torna mágico o poder do método científico e também sobre o tratamento irresponsável que dá as religiões. Em meu narcisismo, não há motivos plausíveis para eu estar escrevendo isso.
O curioso aqui é que vou escrever precisamente sobre o motivo de eu estar escrevendo, que saltou à minha mente enquanto eu lia uma citação de Stuart Mill:

“Mas esse Estado de coisas é necessariamente transitório: algum corpo particular de doutrina finalmente arregimenta a maioria em torno de si; organiza instituições sociais e modos de ação em conformidade consigo mesmo; a educação incute esse novo credo à nova geração sem os processos mentais que conduziram a ele; e ele, gradualmente, adquire exatamente o mesmo poder de opressão por longo tempo exercido pelos credos cujo lugar tomou.”

Não estou certo, porque a citação de Mill foi encontrada num livro de outro autor (Contra o método – Feyerabend), se ele criticava essa prática com um ideal a ser contraposto, acusando esse fenômeno de ser um erro que “não deveria acontecer”.
Mas o que me deixou abismado é que isso me fez voltar à minha crítica feita ao Zeitgeist, e me lembrou de um tópico que encontrei ao acaso.
Se você não está lendo isso na comunidade do próprio Zeitgeist, então pode não saber que sou moderador por lá. Há algumas horas atrás eu entrei na pasta lixeira como que ao acaso, e fui para a última página. Posts de janeiro de 2008 estavam lá, e um me chamou a atenção por ser o Zeitgeist sendo anunciado numa revista.
Lembro de ter pensado algo como: realmente, o Zeitgeist é o símbolo do novo Zeitgeist.
Eu estava conversando naquele momento, então não levei essa construção adiante, mas agora isso veio me perseguir, então vou expor a concepção. Bem simples, por sinal.
É comum que se atribua a um vilão antigo o surgimento de uma ideologia. Por exemplo, dizem que foi por culpa de Constantino que o “terrível” Cristianismo “assolou” nossa sociedade. Que se ele não tivesse distorcido o cristianismo ou mesmo se não o tivesse alimentado, nosso mundo estaria “melhor”. Isso eu já li dezenas de vezes na internet, especialmente no Yahoo! Respostas: parece que é uma opinião normal.
No entanto, o que eu percebi nas minhas pesquisas, e nem foram tão rigorosas, foi que o cristianismo funcionou como um fenômeno. Ele simplesmente chegou e se multiplicou, fora do controle daqueles que estavam no poder, e se tornou tão grande que dobrou os homens mais poderosos da época.
Da mesma forma o iluminismo, com o novo e(para a época) empolgante materialismo, trouxe novas possibilidades e levou o pensamento coletivo. A igreja, o Zeitgeist anterior, lutou contra até com propriedade, mas acabou sendo dobrada, da mesma forma que o império romano também foi.
E não foram vilões que fizeram isso acontecer. Simplesmente aconteceu, foi uma transição de mentalidade. Talvez o leitor não esteja familiarizado com meu misticismo, mas eu não posso deixar de ver algo de teleológico nessas transições, principalmente por causa da visão Junguiana sobre o assunto. No entanto, isso fica para outra ocasião.
O caso aqui é que não foi um banco mundial, e nem Harvard que começou o Zeitgeist. Foi Peter Joseph, um músico que trabalha com propagandas (até o que sei) e que nem mesmo se dedica à vida acadêmica.
Ele não disse novas teorias revolucionárias e nem recebeu apoio da mídia Mainstream, e ainda assim a comunidade brasileira sobre seu documentário no Orkut tem quase 9 mil membros!
Será o “Zeitgeist” um sinal, um símbolo para o próximo Zeitgeist?
Não sei dizer, mas idealistas jovens estão se multiplicando, assim como acontece com as novas idéias. Os velhos pensadores não aceitam a idéia, pois não é parte de seu Zeitgeist, mas os que ainda não transformaram seus cérebros em pedra começaram a abraçar esse “movimento” apaixonadamente. E, pasme, isso está acontecendo voluntariamente!
Parece que, da mesma forma que a igreja mantinha livros considerados anátema escondidos, tendo eles a chave para o paradigma iluminista (que endeusou os gregos), também o nosso sistema criou dentro de si a chave para a própria destruição. A comunicação em rede.
Se a internet se mantiver, e não houver monopólio, pessoas voluntariamente continuarão a agir por aí, espalhando informação sem limite metodológico, ideológico, econômico...
E os nossos idealistas, nossos jovens (estou entre eles) estão se apaixonando pelo novo Zeitgeist. É um conjunto de idéias novo, e como todos os novos possuem inconsistências. Precisa se expressar segundo métodos novos, porque não se pode usar os termos do pensamento a ser contestado para contestá-lo: não há como, por exemplo, falar sobre existência além da matéria em premissas materialistas, da mesma maneira que não se pode falar de um novo sistema econômico usando premissas capitalistas.
Assim, criou o termo economia baseada em recursos e um novo e hipotético sistema, que, apesar de possuir muitas falhas, ativou a imaginação da nossa época, tocou tão diretamente o nosso Zeitgeist que, mesmo sem a mídia, ganhou espaço: e não foi em cátedras escondidas, mas em pessoas comuns, não necessariamente envolvidas com debates intelectuais (não estou presumindo que essas pessoas são especiais). É uma ideologia viva!
Assim como qualquer idéia nova em qualquer campo, essa ideologia passará por muita teorização e, então, muitos dados, fatos, informações, serão reunidos e feitos relativamente coerentes. Noutras palavras, o que estou querendo dizer que a reação ao filme não se deve ao gênio de Peter Joseph, mas que ela não passa de um sinal.
Vivemos numa época em que a mídia massifica a população, e todos vivem num estado de excessiva atividade física (lógica vazia, esforço mental e físico) por conta do trabalho e paralisia mental por conta de estratégias sofisticadas de manipulação.
Obvio que o capitalismo é um sistema extremamente flexível em diversos aspectos, e que possui meios muito mais eficazes de coerção do que o império romano ou a Igreja. Enfrentar o controle da mídia é coisa difícil. Mas, à despeito da força da mídia mundial, Chávez tomou o poder, e quando fazem manifestações contra ele, outros se levantam e fazem manifestação à favor. Gostam de demonizar o indivíduo, como se ele fosse algo além de um símbolo. Como se a mobilização do povo fosse apenas fruto de maquinações ditatoriais de um megalomaníaco.
Mas não se trata de manipulação: até porque, a Fox News deveria ter mais conhecimento sobre manipulação de massas do que Chávez, não?
Na verdade ele também é um sinal desse Zeitgeist, pelo que percebi, e o mundo está se movendo enquanto eu escrevo.
Podem destruir a Venezuela, matar os novos vilões subversivos e manipular a mídia o quanto quiserem: não está no poder de alguns homens realmente decidirem a mentalidade geral.
O novo Zeitgeist, com conteúdos ainda não revelados claramente, se multiplicará feito uma praga na pele. Quanto mais obstinação nós temos em coçar, maior é a velocidade com que ela se espalha. Só que não há um remédio para essa “praga”.
Creio que não fui só eu que senti algo como uma sensação de despertar ao assistir ao documentário.
Essa mudança de Zeitgeist não começou na nossa geração e provavelmente não será efetivada nela, mas é inevitável. Segundo o que proponho, estamos efetivamente em uma fase de profunda transição: as práticas de hoje serão consideradas selvageria e, talvez, um século.
E não se trata de racionalidade, não serão os argumentos que moverão essa mudança. É uma força oculta, irracional, envolvida por diversas características consideradas alheias ao meio acadêmico, como postula Feyerabend:

“O ensino e a defesa de padrões jamais consistem meramente em colocá-los diante da mente do estudante e torná-los tão claros quanto possível. Supõe-se que os padrões tenham igualmente a máxima eficácia causal. Isso faz que seja realmente muito difícil distinguir entre força lógica e o efeito material de um argumento.
(...)
A criação de uma coisa e a criação mais a compreensão plena de uma idéia correta da coisa são com muita freqüência partes de um mesmo processo indivisível, e não podem ser separadas sem interromper esse processo. Tal processo não é guiado por um programa bem definido e não pode ser guiado por um programa dessa espécie, pois encerra as condições para a realização de todos os programas possíveis. É, antes, guiado por um vago anseio, por uma ‘Paixão’. Essa paixão dá origem a um comportamento específico que cria as circunstâncias e as idéias para analisar e explicar o processo, para torná-lo ‘racional’.”

Noutras palavras, a transição não se dá de acordo com moldes, mas antes representa a quebra de velhos moldes e a formação de novos. O que vejo é isso acontecendo diante dos nossos olhos, tendo o Zeitgeist como um sinal de um fenômeno.
É precisamente isso que me motivou a escrever novamente sobre esse assunto: porque eu estou vivendo em mim mesmo esse período de transição do Zeitgeist, e eu mesmo fui “despertado” por esse documentário, bem como por pesquisas posteriores, muitas delas motivadas por ele. Eu me sinto, como muitos outros, impelido a me aglomerar sobre esse novo molde e a dar a ele a substância, racionalizar o novo e irracional movimento. Esse novo passo da humanidade.

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