Uma noite triste

 
 
Ah, quantas idéias estavam na minha mente! Eu estava eufórico, tinha que contar a alguém. Só poderia expor tais descobertas a um amigo e a ela. Ele, no entanto, estava excessivamente ocupado pelo fim de semana com uma viagem. Terminei meu trabalho mais cedo e, pela primeira vez, segui o hábito dos outros de sair uma hora mais cedo nesse dia. Se perguntarem, fui ao médico.
Peguei o carro e a rua não estava engarrafada. Talvez porque eu saí antes do horário do rush. Eu normalmente saio as 6 pra chegar em casa as 6. Nesse dia, saí às 4 e cheguei ás 4:30.
Passei na padaria, comprei uns doces que ela gosta, mas nunca come pra não engordar. Naquele momento minha mente já estava mais calma, mas eu sempre fui de me acalmar fácil. Enquanto falo de algo assim, minha euforia retorna. É normal.
Entrei em casa, como sempre, em silêncio. Fui ajudado por um vizinho nos fundos de casa com um funk no último volume e o vizinho do lado, como que reagindo, com heavy metal. Pensei em sair daquela casa, já que ambos os sons deviam estar incomodando ela profundamente.
Cheguei na cozinha e vi ela nos fundos. Fiz silêncio pra dar um susto nela, mas aí percebi o Jean ali. Eu soube que no dia do meu casamento com ela esse sujeito tentou se matar. Preferi não interferir, dar a ele a chance de falar o que sente. Afinal, talvez fosse bom pra ele.

- Jean, eu não te disse que acabou? – disse ela

Fiquei curioso, porque, segundo eu soube, nada nunca havia começado.

- Eu li livros de auto-ajuda e nem eles me ajudaram. Na verdade um me deprimiu ainda mais com aquele papo de que certas pessoas estão destinadas a se unir. Eu fui no psicólogo e ele disse pra eu deixar sair o que eu sentia. Só to fazendo isso. Eu te amo.

Houve um período de pelo menos 30 segundos de silêncio. Não pude ouvir nada por causa da música.

- Eu estou casada. Você sabe muito bem que com esse seu vício de bebida não tinha como.
- Vício? Eu parei de beber depois que aquele crente me salvou. Nunca mais bebi nada alcoolico.
- Que bom, fico feliz por você.
- Para com essa atuação piegas que eu sei o que você sente.
- haha. Você é a única pessoa que eu conheço que diz “piegas”.

Eu vi com os meus próprios olhos um beijo. Imóvel, firme e silencioso no começo. Eles se entrosaram, logo estavam abraçados. Derrubei um copo por acidente ou talvez um ato falho para aquilo acabar. Ouviram, mas rapidamente voltaram um ao outro. Estavam como que liberando uma besta retida já a muito tempo.
Eu fiquei sem ação. Não sabia se corria, se ficava, se gritava, se calava. Acabou que assisti em silêncio até o ponto em que ele a levantou na máquina de lavar e se enfiou entre as pernas dela. Ainda hoje sou apegado demais para conseguir assistir a uma cena dessas.
Fui até o quarto e fiquei chorando por alguns minutos. Eu não sabia o que fazer. Não era leviandade, não era só sexo. A mentira era muito maior. Eu pensava que o coração dela era meu, mas nunca foi. Ela provavelmente só me considerou mais adequado por eu ser um bom amigo. Não sei.
Mas a polícia chegou lá e a música parou. Dava pra ouvir o suspiro dela sem a música. Nunca pareceu sentir tanto prazer assim comigo. Eles dizem que o orgasmo da mulher é muito relacionado à paixão que ela sente. Talvez seja isso ou eu só seja ruim de cama mesmo.
Eu arrumei minhas coisas de qualquer jeito. Nunca fui de querer muita coisa e foi ela que comprou quase tudo na casa. Só levei meu computador, as roupas e os principais livros. Eu tinha que levar minha idéia adiante, aquilo era importante. Mas agora eu me pergunto como eu consegui pensar nisso naquela situação. Eu chorava carregando as pilhas de livros. Acho que enrolei pra encher o carro com as minhas coisas na esperança de ser interrompido. Foi uma esperança idiota: só ouvi eles transando até terminar.
Sentei na mesa do computador pra escrever uma carta de despedida. Escrevi algumas bobagens sem sentido e fui amassando e colocando no bolso.
No final, acabou saindo só uma palavra e em inglês, como se no fundo eu esperasse que ela não entendesse de princípio.
Farewell: vá bem, fique em paz, Adeus.
Minha aliança ficou junto com o pedaço de papel e minha cópia da chave da casa.
Quando eu saí o carro demorou pra ligar. Tinha que trocar a bateria ou algo assim. Isso acabou interrompendo os gemidos e eu vi. Eu juro que vi ela coberta com um lençol e com o cabelo bagunçado me olhando pelo retrovisor enquanto eu saia.

- Essa sim, meu amigo, foi uma noite triste. – Disse eu no bar pro velho

Ergui o copo e enchi novamente com vodka.

E bebi até cair com o velho surdo...

0 comentários: