Sobre a escravidão psicológica moderna

Este post contém apenas um pequeno fragmento de minha autoria. Seu conteúdo foi copiado de um grupo Junguiano do qual participo. Dentro do grupo, há um tópico com textos que considerei profundamente interessantes, de maneira que decidi postar todos aqui.

Link original: http://pos-jung.ning.com/forum/topics/controle-dominacao-matrix?xg_source=activity

Post inicial, por Anubys:

No início da era cristã, os gnósticos identificaram e descreveram um complexo sistema que operava simultaneamente nos planos físico, psíquico e social, e cuja finalidade era dupla: de um lado, manter o ser humano em uma condição de dependência dos poderes externos (sejam eles outros seres humanos, as forças determinísticas da natureza ou divindades tirânicas); do outro, drenar a energia excedente da psique, para impedir que a consciência do ser humano se elevasse a um nível incompatível com essa dominação. Esse sistema foi minuciosamente analisado por Valentino, fundador de uma das principais linhagens gnósticas da antigüidade, que deu a ele o nome de sístase

Os gnósticos foram os primeiros a apontar com clareza para o modo como as estruturas de poder da sístase se enraízam no próprio corpo. Mal-interpretada por seus detratores cristãos, essa descoberta deu origem à falsa crença de que os gnósticos fossem dualistas, que pregavam uma separação radical entre o espírito e o corpo, enxergando este último como a fonte de todo o mal.

Não é verdade, e o estreito vínculo entre corpo e poder foi redescoberto no século XX por Wilhelm Reich, que rebatizou a sístase como "couraça muscular" e intitulou o primeiro capítulo de seu Psicologia de Massas do Fascismo de "A Ideologia como Força Material". Reich descobriu também, aprofundando uma idéia lançada originalmente por Freud no início da psicanálise, que o principal aparelho ideológico usado pelo sistema para gravar essas estruturas na própria carne das pessoas (à maneira da Máquina em "Na Colônia Penal", de Kafka) é nada menos que a família.

O passo seguinte, por assim dizer, veio com Foucault, na década de 60. De um lado, Foucault confirmou a alegação gnóstica sobre a universalidade do sistema de dominação, ao mostrar que o poder não se difunde apenas verticalmente, imposto de cima para baixo, mas também horizontalmente, através de uma malha ubíqua de relações sociais (inclusive as familiares), o que faz com que cada um de nós torne-se um agente involuntário do poder, ao mesmo tempo prisioneiro, carcereiro e cárcere.

Do outro, Foucault salientou o caráter histórico da sístase: embora o sistema de dominação, como tal, se perpetue através das gerações, estendendo-se sabe Deus desde quando (talvez desde Adão tremendo de medo aos pés da Árvore do Conhecimento), suas estruturas sofrem mutações periódicas para se adaptar às novas circunstâncias sociais e históricas que inevitavelmente surgem.

Como exemplo dessas mutações, pode-se citar a sexualidade (tema de um estudo clássico de Foucault em três volumes, a História da Sexualidade ). Durante a Era Vitoriana, o sexo foi submetido a um escrutínio feroz por parte das autoridades médicas, sociológicas e políticas, com o objetivo de mantê-lo sob um rigoroso controle, devidamente enquadrado no sistema.

Na época de Reich (e de Freud), essa repressão sexual embora mais complexa do que tanto Freud quanto Reich acreditavam, já que não visava a calar o sexo mas, pelo contrário, a fazê-lo falar, como um prisioneiro sob interrogatório, era um dos traços dominantes da sístase, e se tornou a pedra-de-toque de seus respectivos métodos terapêuticos. Vieram as duas grandes guerras mundiais, que despedaçaram a sociedade vitoriana e uma das conseqüências disso foi a revolução sexual dos anos 60, saudada pela Contracultura e por uma geração de hippies como uma libertação.

Mas, como Marcuse alertava em Eros e Civilização, a liberação sexual fazia parte, na verdade, de uma estratégia do sistema, a que ele chamou de dessublimação repressiva, depois de interrogado, torturado e virado do avesso, o prisioneiro passou a colaborar com a sístase, que continua muito bem, obrigado, mesmo em tempos de sexualidade aparentemente livre.

Qualquer dúvida quanto a isso, é só ver o constante apelo da publicidade ao sexo como motivação para o consumismo. Quem olha para essa deslumbrante mulher seminua, orgulhosamente adaptada depois de um século de lavagem cerebral, jamais adivinharia seu passado de revolucionária. Sexualidade, teu nome é Patty Hearst.

E agora, que a revolução informática conectou o mundo todo, gerou acesso instantâneo à informação e, durante um breve período, ameaçou chacoalhar as estruturas de dominação (numa promessa, infelizmente, não cumprida, mas que, mesmo assim, gerou seus frutos), tudo indica que o estado de sístase está prestes a sofrer uma nova mutação.

É o que indica o artigo de Hara Estroff Marano. Corroídos pela ansiedade. Editora da revista Psychology Today (em cujo site, pode ser lida gratuitamente a versão original do artigo, sob o título de "A Nation of Whimps"), Marano considera que a tendência da atual geração de pais americanos a superproteger os seus filhos pode ter graves conseqüências quando eles se tornarem adultos:

Bem-vindo à infância inteiramente higienizada e protegida, sem joelhos esfolados ou uma ou outra nota "C" no boletim. "As crianças precisam sentir-se em falta de vez em quando", diz o psicólogo infantil David Elkind, professor na Universidade Tufts [Massachusetts, EUA]. "Aprendemos por meio da experiência, incluindo as experiências negativas. Por meio do fracasso, aprendemos a enfrentar as dificuldades." Mas cometer enganos, mesmo no playground, é algo que anda totalmente fora de moda. Apesar do fato de tentativa e erro serem os verdadeiros "pais" do sucesso, os pais estão se dando muito trabalho para remover os erros dessa equação. Ninguém duvida da existência de forças econômicas importantes que estão impelindo os pais a investir tão pesado na produção de seus filhos, desde a mais tenra idade. Mas tirar do desenvolvimento das crianças todo o desconforto, as decepções e até mesmo a brincadeira, especialmente quando isso é acompanhado de uma pressão crescente de exigência de sucesso, revela ser um erro de rumo de mais ou menos 180 graus. Quando enfrentam poucos desafios próprios, as crianças não conseguem criar suas adaptações criativas próprias às vicissitudes normais da vida. Não apenas isso as torna avessas ao risco, como as faz psicologicamente frágeis, corroídas pela ansiedade.

Parece uma reedição do velho debate que atravessa a pedagogia, sobre se os bons pais devem ser permissivos ou controladores, e em certo sentido não deixa de ser. Por outro lado, também não deixa de ser sintomático que os adultos produzidos por essa "infância higienizada" pareçam feitos sob medida para uma sociedade de controle: "Nesse processo elas perdem o senso de identidade, de sentido e de realização", escreve Marano, "sem falar em suas chances de alcançar a felicidade 'real'. Além disso, não aprendem a ter perseverança, que não é apenas uma virtude moral, mas uma habilidade necessária à vida."
Na ausência de um senso de identidade solidamente enraizado em si próprias, as crianças passam a depender de uma autoridade externa que lhes diga quem são, o que devem fazer e qual o sentido de suas vidas.

E no afã de proteger seus filhos de todos os problemas, mostrando-se sempre disponíveis para resolver prontamente qualquer dificuldade que surja, os pais, imbuídos das melhores intenções, mas eles mesmos vítimas de sua programação inconsciente, só fazem perpetuar essa condição de dependência, que já começa a mostrar seus reflexos fora do âmbito familiar: "Na estufa em que se transformou o processo de criação das crianças, o brincar é algo que praticamente desapareceu. Mais de 40 mil escolas americanas não têm mais recreio. E o pouco tempo que ainda resta para brincar foi corrompido. Os esportes organizados dos quais muitas crianças participam são administrados por adultos. As dificuldades que surgem ali não são resolvidas pelas crianças, e sim por decreto de árbitros adultos."
Obviamente, quando essas crianças crescerem, os pais não vão estar sempre por perto para lhes dizer o que fazer. Ganha um doce quem for capaz de adivinhar o que é que entrará no lugar dos pais ausentes como fonte de autoridade.

Um superego externo. - Na produção dessa dependência perpétua, o celular ocupa um lugar de destaque, o que o torna, ao mesmo tempo, uma imagem exemplar da forma como o estado de sístase é capaz de absorver qualquer elemento que surja e convertê-lo em um instrumento para sua própria manutenção.

Criado originalmente com a finalidade de facilitar a comunicação, o celular logo se transformou em uma ferramenta de controle que funciona nos dois sentidos: se o filho, criança ou adolescente, tem um celular, os pais sempre poderão encontrá-lo, a qualquer hora ou em qualquer lugar e, em troca, ele também terá acesso ilimitado aos pais para que eles lhe digam como agir.

"Pense-se no celular como o cordão umbilical eterno", diz Marano, que contrasta essa situação com o modelo clássico de crescimento: "Um dos modos pelos quais nos tornamos adultos é internalizando uma imagem de nossos pai e mãe e dos valores e conselhos que eles nos passaram em nossa infância. Então, sempre que nos defrontamos com incertezas ou dificuldades, recorremos a essa imagem internalizada. Nós nos tornamos, de certa maneira, todos os adultos sábios que já tivemos o privilégio de conhecer." O psicólogo infantil David Anderegg complementa: "O celular impede os jovens de descobrirem por conta própria o que fazer. Eles não chegam a internalizar nenhuma imagem. A única coisa que internalizaram é o comando 'ligue para papai ou mamãe'."

Obviamente, a internalização da imagem paterna, que tanto Marano quanto Anderegg parecem ver como uma condição saudável que está sendo destruída pela nova situação, é tudo menos saudável. Em linguagem psicanalítica, o que eles estão descrevendo é a formação do superego, que Freud descreveu como a colonização da psique pelos padrões e valores impostos pela sociedade.
Em outras palavras, o superego é, ele próprio, um dispositivo de controle implantado nas mentes das pessoas. Mesmo se o diagnóstico deles quanto aos efeitos psicológicos do celular estiver correto, não estamos passando de uma situação de liberdade para uma situação de dependência, e sim de uma situação de dependência internalizada para uma dependência externa.

Dependência é dependência, só mudam as suas formas de atuação. O superego, que antes era uma instância puramente intrapsíquica, passa a ser projetado no ambiente externo que, num certo sentido, torna-se ele mesmo superegóico, fazendo eco às palavras do (às vezes reacionário, às vezes visionário) filósofo francês Jean Baudrillard: "Tudo aquilo que é interior (rede, funções, órgãos, circuitos conscientes ou inconscientes) será exteriorizado na forma de próteses, que constituirão ao redor do corpo um corpus ideal satelizado, do qual o próprio corpo tornar-se-á satélite. Todo o núcleo será desnucleizado e projetado no espaço satélite."

Os Cem Olhos de Argos - Deleuze referiu-se a esse espaço-satélite que, hoje vemos com clareza, é um satélite de vigilância e espionagem como sendo a nova sociedade de controle que começou a emergir na segunda metade do século XX, e que é a nova face assumida pelo estado de sístase denunciado e combatido pelo gnosticismo.

Ao contrário de Baudrillard o qual, como Marano e Anderegg, embora num outro contexto, tende a idealizar os estágios anteriores da sístase como uma espécie de "paraíso perdido", Deleuze não vê a sociedade de controle como pior ou melhor do que as formas prévias que ela vem substituir especialmente a sociedade disciplinar do século XIX, que Foucault estudou em Vigiar e Punir, e de cujo ventre o superego freudiano é o fruto. Ela é apenas uma forma diferente de fazer a mesma coisa, garantir que, quanto mais as coisas mudem, mais elas permaneçam iguais.

A mitologia grega conta a história de Io, uma das incontáveis amantes de Zeus perseguidas pelo ciúme de Hera e que, depois de ser transformada em novilha, foi aprisionada e colocada sob a vigilância implacável do gigante Argos. Em uma das versões da lenda, Argos era um cíclope, dotado de um único olho, e para se submeter a seu olhar monocêntrico, a novilha Io teve de ser amarrada a uma árvore. Segundo outra versão, mais difundida, Argos tinha cem olhos espalhados pelo corpo. Não havia necessidade de prender Io porque, onde quer que ela fosse, os olhos de Argos a seguiam. Curiosamente, a diferença entre as duas variantes do mito é a mesma que existe entre a antiga sociedade disciplinar e a nova sociedade de controle.

As sociedades disciplinares organizam-se sob a forma de uma série de espaços fechados, a família, a escola, o quartel, a fábrica, o hospital para os doentes físicos e o hospício para os doentes mentais, cujo paradigma é a prisão. No decorrer de sua vida, o indivíduo simplesmente passa de uma forma de clausura para outra, sempre submetido a alguma forma de vigilância e disciplina, até ser trancafiado nesse derradeiro espaço fechado que é o cemitério.

O mecanismo funcionou como uma engrenagem perfeitamente azeitada durante aproximadamente duzentos anos, do século XVIII, quando ela começou a se constituir, até mais ou menos a metade do século XX e atingiu seu apogeu no século XIX. Daí para a frente, começou a fazer água, até entrar em uma espécie de colapso, do qual, talvez, a contracultura das décadas de 50 e 60 foi o grande anunciador: Nas palavras de Deleuze:

Estamos em uma crise generalizada de todos os locais de clausura: prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um "interior" em crise, como todos os interiores, escolares, profissionais, etc. Os ministros competentes não deixaram de anunciar reformas supostamente necessárias. Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que estas instituições estarão extintas, a um prazo mais ou menos curto. Trata-se apenas de administrar sua agonia e de ocupar as pessoas até a instalação das novas forças que estão batendo à porta.

Essas novas forças são as da Sociedade de Controle, termo que Deleuze pegou emprestado de William Burroughs, e que são organizadas sob moldes profundamente diferentes dos da sociedade disciplinar.
O paradigma não é mais fornecido pela prisão e a fábrica, mas pela empresa e pelo comércio. O espaço deixa de ser rigidamente demarcado, as fronteiras tornam-se fluidas, permeáveis, e a vigilância monocêntrica, concreta, torna-se desnecessária, substituída por uma vigilância ubíqüa e virtual: "Não é preciso a ficção científica para conceber um mecanismo de controle que assinale a cada instante a posição de um elemento em um lugar aberto, animal em uma reserva, homem em uma empresa (coleira eletrônica)."

É fácil perceber no uso do celular como instrumento de controle um dos avatares da coleira eletrônica mencionada por Deleuze. Não é o único, e talvez em breve deixe de ser o mais importante. A proliferação de câmeras de segurança, acompanhadas ou não da hipócrita advertência de que "sorria, você está sendo filmado", é outro sintoma da crescente onipresença dos cem olhos de Argos.
Acuada pelo medo e a insegurança crescente, a população passa a encarar essa onipresença com alívio, como uma proteção ilusória contra a criminalidade urbana, e pode-se perguntar, como Arthur Dapieve, se a função da criminalidade não será exatamente essa, fazer com que a sociedade se submeta ao controle por livre e espontânea vontade ou seja, uma vontade que não é verdadeiramente livre, nem espontânea e muito menos vontade.

No extremo oposto, o sucesso dos reality shows cumpre o papel pedagógico de ensinar as pessoas não apenas a aceitar como de fato a desejar essa exposição constante às lentes das câmeras, e o título de um dos primeiros e até hoje mais bem-sucedidos programas nesse formato encerra menos uma ironia do que uma admissão cínica, não dos produtores mas do próprio sistema, quanto às intenções que presidiram ao seu surgimento.

E não deixa de ser significativo que os chips de localização, desenvolvidos inicialmente com o objetivo de serem implantados nos criminosos, comecem a aparecer no mercado como um produto a ser adquirido pelo respeitável cidadão, permitindo que a polícia saiba a qualquer momento onde ele pode ser encontrado em caso de seqüestro. O chip de localização é um símbolo perfeito da passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de controle e aponta para o fato de que ainda somos todos prisioneiros, mas de uma prisão desprovida de muros concretos e portões intransponíveis. Nossa liberdade de ir e vir é assegurada apenas na medida em que levamos a nossa prisão conosco.

Criando o cidadão de amanhã. - De posse desses dados quanto ao contexto geral, podemos voltar ao problema específico levantado por Marano em seu artigo. Filhos de uma civilização em transição, nascidos sob a égide do esfacelamento da sociedade disciplinar, precisamos ser coagidos pelo medo à criminalidade ou adulados pela promessa de nossos quinze minutos de fama para que aceitemos o novo regime imposto pela sociedade de controle.

Nossos moldes não se encaixam muito bem no novo esquema geral das coisas, e é por isso que o sistema tem de recorrer a engodos e ardis para que nos adaptemos. Outro caso completamente diferente é o dessa geração que preocupa Marano e os psicólogos infantis que ela cita:
John Portmann acha que os efeitos da superproteção são ainda mais perniciosos que eles enfraquecem toda a tessitura da sociedade. Ele vê os jovens se tornando cada vez mais fracos, cada vez mais ansiosos por pertencer ao rebanho maior, demasiado ansiosos por se enturmar afirmando-se menos em sala de aula, pouco dispostos a discordar de seus pares, com medo de questionar a autoridade, mais dispostos a satisfazer as expectativas dos que estão situados um pouco acima deles na escala de poder.

Portmann só erra quanto ao pressuposto de que os efeitos da superproteção "enfraquecem a tessitura da sociedade" uma afirmação otimista demais, que ignora completamente a dinâmica do estado de sístase.

Ansiosos, submissos e desprovidos de livre-iniciativa, os adultos de amanhã são os cidadãos ideais de uma sociedade de controle que já começa a cravar suas garras no hoje. Quando essas crianças crescerem, descobrirão provavelmente sem esboçar qualquer reação quanto a isso que foram feitas à imagem e semelhança do novo rosto assumido pelo eterno deus do sistema.

Resposta de Juçana:

Bela análise do momento atual, pouco ou nada teria a ser acrescentado para tornar o quadro geral da humanidade mais completo, nos meandros históricos, político e psicológicos e também nessa estranha relação do homem contemporâneo entre o que é aparente e o que é oculto, entre o que ele quer, o que ele faz e o que obtém. Concordo inclusive com o diagnóstico, mas teria algo a discordar do prognóstico...

Por mais que o homem seja estes descaminhos todos e esteja, digamos, em estado de sístase permanente, ainda assim eu vejo nas crianças de hoje uma identidade desapegada dos papéis antigos, como poucas gerações anteriores tiveram oportunidade, ou mesmo liberdade, de experimentar. A geração dos novos que estão chegando, têm realmente uma maneira diferente de estar no mundo. Muitas causas contribuem para essa relativa - e frágil - "liberdade", mas, por mais paradoxal que possa parecer, acho que é justamente a sociedade do controle a que propicia o espaço ou fornece motivação para que esse novo homem, que "está vindo", possa construir uma identidade desapegada do "controle central". Pois quando todos são vigiados, quando o controle é levado às raias do absurdo, o controle em si mesmo cai por terra e outra coisa nasce em seu lugar e bem poderíamos chamar essa coisa de "liberdade". É quase uma enantiodromia junguiana, ou sístole aristotélica, ou libido freudiana vagando entre eros e tanatos. O homem é esse vagar entre, e não podemos desconsiderar as consequências deste permanente estado de contradição, como uma condição para sua existência.

Eu percebo que tudo o que o homem pensa, constrói, imagina, sente, de algum modo existe e se faz real para ele, e não há como o homem não lançar mão daquilo que para ele é ou se faz real, seja um pensamento, um sentimento ou até mesmo um objeto. Porém, se homem fosse apenas esse vetor, do que ele "constrói", há muito nós não estaríamos mais aqui nesse planeta. Existe igualmente uma outra força contrária e sem nome, seria o contra-objeto, o contra-conhecimento ou o contra-sentimento, ou qualquer coisa que poderíamos chamar de "o antídoto".

Ou seja, do mesmo modo que o homem destrói o planeta, de outro ele o preserva - e também se ele não estivesse destruindo o planeta, não haveria necessidade de pensar e de colocar em prática um outro modo de vida sustentável. E do mesmo modo que o homem inventa a bomba H ou artefatos cada vez mais bélicos e destrutivos - e tudo que ele constrói não há meios que o impeça de lançar mão do objeto construído, a não ser o conhecimento do mal que ele provocaria, que é o que efetivamente segura a sua mão na hora de apertar o gatilho e lançar tudo pelos ares. Ainda existe o contrasenso de que a energia nuclear seja mais limpa e o que foi feita para destruir seja, num curto prazo, a alternativa ecológica mais viável para preservar a atmosfera. Assim, concluo, quando o homem é vigiado de fora, é quando ele encontra condições ideais de formular regras interiores independentes. Mas, é claro, o quadro que estou delineando talvez seja uma experiência para poucos, mas quero crer é o começo duma outra realidade e que passa longe por uma sociedade de controle absoluta.

Minha resposta:

Talvez exista um problema nessa argumentação. É bem simples: se estamos mesmo escravizadas, "Ansiosos, submissos e desprovidos de livre-iniciativa", então como é que há uma constante força arquetípica no pensamento de um modo geral contra isso? Lembro da última pergunta que foi feita a Jung na entrevista do “Face to Face”, que inclusive traduzi e postei noutro forum:

Entrevistador: “Na medida em que o mundo se torna mais eficiente tecnicamente, parece cada vez mais necessário que as pessoas se comportem de maneira comum, coletiva. Você acredita que no maior grau de evolução humana, acabemos submersos em algum tipo de consciência coletiva?
.
Jung: “Isso é muito improvável. Penso que haverá uma reação. Uma reação contra essa dissociação comunal. Sabe, o homem não suporta sua nulificação para sempre. Em algum momento haverá uma reação, e eu a vejo chegando. Quando penso nos meus pacientes... Todos eles estão buscando sua própria existência e. Buscam assegurar sua existência contra essa completa atomização que leva ao nada, à ausência de sentido. O homem não pode suportar uma vida sem um propósito, um sentido(meaning).

Eu vejo reações em toda a parte: Neo-pentencostais pregam libertação contra vícios e criminalidade; conspiracionistas pregam a libertação contra o sistema dos maçons, illuminati, sionistas, etc.; os mais místicos pregam a libertação contra os "reptilianos" ou "dragões", os ativistas "verdes" buscam libertar o homem da destruição do meio ambiente, os Junguianos(e não só eles) buscam propiciar a individuação, que liberta o homem de ser algo que ele não é; os Socialista buscam libertar o homem da opressão da burguesia, que supostamente mantém a escassez para perpetuar o sistema.

Inclusive seu primeiro parágrafo me lembrou um livro meu, que ainda está em fase de construção (50 páginas, mais ou menos 20% do total). Esse livro possui temática de extra-terrestres(Mito moderno?) e há muitas espécies no universo. Agindo no nosso planeta há basicamente duas. Uma delas, uma civilização de "escravos-soldados", buscam dominar nosso planeta e transformá-lo numa "usina". Só que a energia que eles absorvem é mental (Orgone, Libido, Energia psíquica?). A energia criativa do ser humano. Na medida em que eles sugam a nossa energia criativa, não percebemos nada além do banal e a vida se torna uma escravidão mental. Assim, eles mantém nossa sociedade estagnada em diversos aspectos e ainda usam essa energia em guerras fora daqui. Nossa espécie progride(no sentido de individuação dos indivíduos) num ritmo muito mais lento do que deveria por conta disso.
Além de sugarem nossa energia mental, eles se infiltram em todos os ramos de ação local e assumem cargos altos, para manter a ordem social mais ou menos estável.

No entanto, não para por aí. Há uma civilização "salvadora". Chegou apenas recentemente que também é uma cilização de soldados, mas é livre. O objetivo dessa civilização é permitir que a energia dos habitantes locais possa fluir na direção deles próprios, e a partir do momento em que isso acontecer, os problemas sociais serão eliminados. Porque, como Jung diz, o homem é a maior fonte de problemas do mundo, e também a maior fonte de solução. Enquanto o homem não tomar consciência de si mesmo e continuar projetando sua sombra no próximo, os conflitos continuarão. Inclusive, nesse contexto, a civilização chegou nesse momento por conta de uma espécie de "período de transição", sobre o qual Jung fala em O mito moderno e nessa entrevista(face to face).

Independente da "realidade" de tais pontos, pra mim parecem de natureza arquetípica. Inclusive foi com muita surpresa que li seu primeiro parágrafo, porque o que eu falo no meu livro é muito parecido com o que os gnósticos diziam:

"No início da era cristã, os gnósticos identificaram e descreveram um complexo sistema que operava simultaneamente nos planos físico, psíquico e social, e cuja finalidade era dupla: de um lado, manter o ser humano em uma condição de dependência dos poderes externos (sejam eles outros seres humanos, as forças determinísticas da natureza ou divindades tirânicas); do outro, drenar a energia excedente da psique, para impedir que a consciência do ser humano se elevasse a um nível incompatível com essa dominação."

É exatamente isso que essa civilização faz! E eu nunca tinha lido sobre os gnósticos! Mesmo assim, minha mente parece ter captado isso da mesma forma que eles. A diferença é que eu representei nesses termos, e eles noutros. Aliás, eu soube que os espíritas acreditam em algo análogo, a respeito dos Dragões que vivem no Umbral. Cada um representa a questão segundo os próprios termos, mas questão está sempre aí.

Mas essas representações sempre mostram um salvador. E a nós é dada relativa liberdade entre escolher a liberdade ou a prisão. Entre abrir a mente o ficarmos acorrentados à paradigmas insípidos. Acha que deveríamos baixar a cabeça e lamentar diante da estupidificação? Que é o destino da nossa espécie que todos se tornem zumbis, autômatos?

Não... Eu concordo com a Juçana. Ainda tenho esperança...

1 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Puta que pariu, muito bom! Realmente fiquei perplexo com o texto do Anubys; está muito bem escrito e embasado em diversos pensadores (que eu respeito). E a sua resposta também é bem pertinente sim. Realmente as nossas pesquisas estão se cruzando sim...de certa forma estamos buscando as mesmas respostas, mas com diferentes jogos de linguagem, diferentes referenciais teóricos. O capítulo CXII do meu blog será um mero apêndice do que foi dito aqui (será um mero exemplo adicional de tentativa de descrever a sístase, sem chegar a esboçar alguma possibilidade concreta de emancipação).