Acerca da vacuidade espistemológica do Único Método Verdadeiro

Este post é na verdade um pequeno fragmento do extenso debate que ocorreu na comunidade Psicologia, do orkut:
(http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=75705&tid=5493355023754923606&start=1)

X Disse: “Apenas fenômenos que não podem ser verificados com a metodologia tradicional.”
 
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Que fenômenos são esses? E por que não considera que podem ser verificados pela metodologia tradicional?

É bom notar que a primeira frase foi escrita por mim anteriormente e que ele a estava questionando.


Eu respondi: “falo, por exemplo, das mais diversas manifestações do Inconsciente como o coloca a Psicanálise e a Psicologia Analítia de Jung. Talvez eu não tenha sido feliz no uso do termo fenômeno. O melhor deveria ser fato.

Assim, digamos que há o fenômeno sonho.

Uma avaliação científica provavelmente encontraria nesse sonho uma série de lembranças do que ocorreu no dia ou coisas recentes. Assim, essa análise diria: a causa desse sonho reside nas lembranças dela e é das lembranças que as imagens têm origem. Creio ser isso verificável. Eis o fato explicado pela metodologia científica.

Mas daí tem outra perspectiva, um tanto intuitiva. Aquela segundo a qual o sonho não é meramente um apanhado de lembranças sem qualquer sentido, mas que são lembranças organizadas com um propósito. Esse propósito, creio ser consenso entre todos os psicanalistas e analistas Junguinaos, é revelar ao paciente algo que lhe é Inconsciente. Até onde sei, Freud procurava o sinal de recalque sexual e Adler o sinal da vontade de poder, tudo isso tendo sido reprimido por não ser compatível com a moral.
Para Jung, os conteúdos reprimidos são muitas vezes aceitáveis pela sociedade. Por exemplo, um criminoso pode reprimir da consciência o fato de que ele pode ser amável.
Eis um diferente fato, visto sob outra ótica.

E a teoria continua. Isso é extremamente limitado. Mas qual é o ponto?

É que isso não tem como ser baseado em estatística, já que dificilmente veremos sonhos iguais, e mesmo que entremos em contato com duas descrições idênticas, certamente as associações serão diferentes. Isso quer dizer que cada sonho é tão único, idiossincrático, que não há como fazermos um estudo pra comprovar através de testes incansáveis que os sonhos possuem mensagens: Não existe uma linguagem universal e observável para interpretar sonhos. Porque há tanta diferença em significados que pode-se, basicamente, perceber fatos diferentes em sonhos diferentes. A variedade de significados e conteúdos é grande demais e não há como separarmos apenas alguns para estudá-los separadamente. Ou seja, é uma análise onde a razão não é o fator principal. Muito intuitiva e que não pode ser sistematizada.

Estudos quantitativos, nessa área, tendem a não ter muita utilidade. Assim, o método tradicional classifica essa forma de conhecimento como subjetiva e, portanto, não científica.
Mas é aquilo que falei: a comunidade de Jung no Orkut tem mais membros do que essa, sobre psicologia de um modo geral, e mais ainda tem a comunidade de Psicanálise englobando Lacan e Freud.

Considero uma grande covardia e falta de conhecimento quando dizem que essas formas de conhecimento são placebo simplesmente porque lidam com fatos que não podem ser verificados pelo método tradicional. Esquecem que, como Kuhn e Feyerabend apontam, a ciência não evolui pela insistência num método, mas por rupturas: uma nova cosmologia (que envolve novos fatos e novos métodos) não é uma expansão da antiga, mas com freqüência a contradiz diretamente, sendo ambas incomensuráveis.
Para ser mais claro, ficou demonstrado que essa postura de querer reduzir todos os outros paradigmas ao tradicional não só é uma forma de dogmatismo com o Único Método Verdadeiro como é um entrave para a evolução da ciência. Quem inova na ciência não é quem é disciplinado e aceita todas as regras: é precisamente quem as quebra. Porque a realidade se mostra cada vez mais complexa, e vamos percebendo com o tempo que nossas regras são bem efêmeras. Não há sequer um paradigmas que consiga explicar todos os fenômenos que observa, tampouco outro que pode explicar todos os fenômenos que existem (presumindo que todos os fenômenos que existem sejam uma coisa observável).

Ora, se os paradigmas de Freud, Adler, Fromm, Lacan, Jung, etc. lidam melhor com o fato de que sonhos encerram em si significações idiossincráticas, porque deveríamos reduzi-los ao método tradicional, que claramente não engloba em si esses fatos?

Para reducionistas é mais fácil você dizer que esses paradigmas não passam de “bobagem subjetiva”. É seguro, porque assim continuam com o Único Método Verdadeiro. E negam a existência de qualquer fato que não se adapte à sua visão estreita sobre a realidade.

Veja que não tenho nada contra o método tradicional. Inclusive eu o uso até no meu cotidiano, e você pode imaginar como coisas engraçadas podem sair daí, né? Estilo The big Bang Theory mesmo. Só que para os fatos que mais me chamam a atenção, e que são sim determinantes no comportamento humano (não são de forma alguma os únicos), esse método não é eficaz.

Uma coisa interessante de se notar é que um paradigma não exclui o outro de maneira alguma. O conflito existe só por preconceito de positivistas, que não admitem que há fatos que não tem como ser explorados pela metodologia tradicional, sendo qualquer um deles mero “placebo”. Só existe pela incapacidade, diria, emocional, que alguns indivíduos têm pra “pensar fora da caixa”. Engraçado que placebo também é tabu, mesmo tendo Jung mesmo dado uma idéia legal sobre a psicossomática fora do método tradicional. E basta você entender o paradigma dele e observar a realidade sobre essa ótica pra você ver que o surgimento de doenças psicossomáticas e até mesmo a reação psicossomática contra antígenos não é uma questão de “mero sugestionamento”.”

1 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Legal, legal. Realmente foi muito pertinente a sua decisão de se dedicar ao estudo de filosofia da ciência, a fim de poder melhor criticar o reducionismo ontológico materialista-positivista-cientificista-quantitativista-matematizante.