Resposta à may

Este post contem comentário meus a um artigo. Se você leu, por algum motivo, a minha resposta e tem curiosidade sobre o texto comentado, entre no meu perfil do blogger e, lá, veja meu e-mail.

Hey...!
Em primeiro lugar, não espere uma super crítica, elaborada de maneira extremamente cuidadosa e seguindo à risca seja que método for. Minhas considerações são de um intuitivo, porque não gosto de me prestar ao serviço de robô intelectual. Vou ser humano, vou entrar em contradição e, em alguns aspectos, posso não fazer sentido algum. Apesar de que, até onde eu vejo, minhas idéias parecem ter uma relação de coerência interna (não se contradizem entre si), o mesmo pode não se aplicar á minha linguagem, porque aqui eu posso me dar ao luxo de não escrever submisso à regrinhas acadêmicas. Você verá que minha crítica parte de uma perspectiva bem diferente e que, portanto, corro o risco de interpretar de maneira dúbia a posição do texto. Espero que me perdoe nesse caso e que tenha a paciência de apontar meus equívocos. Então chega de blá blá blá.
Em várias partes do texto eu notei que se fazem críticas ao dogmatismo dos meios de conhecimento técnico, explicitando que há fragmentação e historicidade inclusas nesse conhecimento e que através destas é possível haver uma reflexão mais profunda. E através dessa, o indivíduo pode entender porque está onde está e, assim, construir uma vida crítica em relação a isso.
Para ser o mais claro possível, bem no começo, o texto possui como intenção demonstrar que seria vantajoso para a sociedade se todos os indivíduos tivessem esse tipo de atitude.
No texto, é dito:
“‘nas grades curriculares, são eliminadas quase todas as disciplinas que fazem “pensar”, pois o mercado quer “gente que faz”. As instituições literalmente disputam os “clientes” e estes vão escolher aquelas que são mais atraentes e que, geralmente, não exigem muito em termos de estudo.’”
No entanto, essa parece uma redução. Na verdade o mercado quer gente que saiba inovar para, assim, se manter na competição. Pessoa incapazes de inovar através da reflexão não suportam a competição e precisam abrir mão de suas ambições materialistas.
Na verdade uma coisa marcante nessa idéia de pensar é que ela é bem mais abstrata. O indivíduo refletir sobre sua condição histórica, aqui, é colocado como sendo mais relevante do que o indivíduo conseguir inovar numa oferta de produto ou serviço. Mas porque?
Ora, é aí que chega a minha pesquisa: porque o tipo psicológico dos autores (incluindo você e os citados) é intuitivo. Isso significa, a grosso modo, que é característico que se pressuponha que abstrações, reflexões sobre porque, para que, qual é o sentido são mais relevantes do que como, quando ou onde.
A reflexão filosófica, histórica e a percepção e representação artística, nesse sentido, são coisas valorizadas por esse tipo, para além das coisas práticas da vida. Até aí, está tudo bem. É uma perspectiva sendo apresentada, uma visão tão humana quanto qualquer outra e sem a pretensão de englobar outras em si mesma.
Só que existe outro tipo psicológico. Existe outra maneira de se ver o mundo e lidar com ele, e ela não pode (especialmente enquanto houver escassez) deixar de ser vital. Essa é a visão pragmática, tão criticada nesse texto.
Dentro dessas premissas o ser humano reflete criticamente sobre sua vida sob diferentes perspectivas? pouco provável.
Cria e/ou aprecia a arte (não o entretenimento)? também é pouco provável.
Possui, em si, ainda aquele rastro de humanidade intuitiva, aquela paixão, imaginação? duvido...
Mas por quê?
Segundo o texto, precisamente o contexto induz as pessoas a serem assim. É apresentado o seguinte trecho falando a esse respeito:
“As disposições subjetivas se encontram no âmbito da disciplina de estudo, vontade, objetivos pessoais e acadêmicos, tenacidade, interesse, formação intelectual, vida cultural, capacidade de autoavaliação e auto-organização de seus processos de estudo. [criatividade?]
As disposições objetivas se constituem dos recursos materiais e financeiros, tempo hábil de estudo, instalações institucionais e outros aspectos que proporcionam contato com a cultura e conhecimentos formais e científicos.”
E bem antes diz coisas como: “a promoção da consciência crítica” ou “A formação, enfim, sugere a apropriação dos saberes historicamente constituídos”.
O que logo culmina nisso:
“conhecer os pensadores e os pensamentos, integrar-se pela via das apropriações, às questões filosóficas e científicas que se objetivam em obras humanas imprescindíveis para que o sujeito do conhecimento tome consciência do seu tempo histórico, de suas possibilidades e limites. É preciso compreender o movimento e a gênese daquilo que se tem intenção de conhecer e transformar.”
Quando leio promoção da consciência crítica, não penso em outra coisa que não doutrinação. Felizmente quis Deus que esse tipo de doutrinação seja impossível na prática, mas já que estamos brincando de teorizar, porque não refletir sobre o assunto? Já que isso pra mim não passa de brincadeira, então agora é “à vera”.¹
Porque não é citada a criatividade (como disposição subjetiva), que é basicamente o que há de mais importante na produção de conhecimento? Bem, isso porque parece que há certos autores que procuram induzir estudantes a produzirem o “senso crítico” com base em seus próprios pensamentos. Isso fica claro quando lemos teses (inclusive de mestrado e doutorado) onde os alunos citam basicamente os próprios professores. E ainda têm a cara de pau de dizer que estão “promovendo o pensamento crítico!” (lembre-se que não estou falando de você e que está longe de mim a intenção de ser grosseiro. Isso pra mim é brincadeira!)
E porque o conhecimento tem que ser formal? Porque tem que estar nesse formato acadêmico que, com freqüência, faz meu estômago se revirar, de tão robótico que é? Fico pensando sobre o mesmo tópico: será que a intenção desses autores é realmente promover o pensamento crítico? Ou será que buscam apenas promover a si mesmos através de seus alunos e de suas apresentações e teses?
Como Feyerabend disse e citei no e-mail que te enviei (enrolando por preguiça de escrever isso tudo que eu, se fosse você, teria preguiça de ler):
“um físico talvez prefira um artigo mal-escrito e parcialmente incompreensível, cheio de erros, a uma exposição cristalina porque tal artigo é uma extensão natural de sua própria pesquisa, ainda bastante desorganizada, e ele pode ter êxito bem como clareza muito antes de seu rival que jurou jamais ler uma única linha confusa (uma das qualidades da escola de Copenhague era sua habilidade em evitar decisões prematuras).”
Só que isso pode não ser considerado formal e nem mesmo científico. Aliás, a decisão de que tipo de leitura o indivíduo precisa é sempre e completamente estúpida. Não é assim que as coisas funcionam se o indivíduo busca autonomia intelectual. Não mesmo!

Uma das idéias mais interessantes que já tive e que culminou em várias outras, eu a tive assistindo um filme de zumbi! Exatamente um filme de zumbi!
Isso porque o que propicia a nossa criatividade não é a leitura e o conhecimento da visão de um zilhão de teóricos (que, em sua maioria, só estão copiando o pensamento crítico de alguém). Não mesmo. O que nos propicia essa criatividade (em termos de leitura [não creio que a leitura seja o mais importante, mas isso eu falo depois]) é muito mais deixar nossas leituras fluírem conforme nos agradar, sem regras, sem restrições e, especialmente, sem disciplina.
Existe uma relação direta de oposição entre criatividade e disciplina. Um soldado é disciplinado, mas não é criativo. Um artista é criativo, mas não disciplinado. E a produção de conhecimento também é uma forma de arte. Apenas numa linguagem mais feia e racional. Isso, claro, quando me refiro ao conhecimento sobre o ser humano e sua cultura, que é sempre imerso em subjetividade. E dou Graças à Deus por isso, porque se fosse objetivo, seríamos robôs. Tomei gosto pelas infinitas contradições e incoerências dessas áreas do conhecimento.
Então não, “a relação com o conhecimento [não] está diretamente definida por sua postura de estudo e de conhecimento de mundo em função do acesso a cultura escrita fundamentada por suas disposições objetivas e subjetivas.” Como o Feyerabend aponta (procurei no livro essa citação só pra você!) :
“A criação de uma coisa e a criação mais a compreensão plena de uma idéia correta da coisa são com muita freqüência partes de um mesmo processo indivisível e não podem ser separadas sem interromper esse processo. Tal processo não é guiado por um programa bem definido e não pode ser guiado por um programa dessa espécie, pois encerra as condições para a realização de todos os programas possíveis. É, antes, guiado por um vago anseio, por uma ‘paixão’ (Kierkegaard). Essa paixão dá origem a um comportamento específico que cria as circunstâncias e as idéias necessárias para analisar e explicar o processo, para torná-lo ‘racional’.”
Assim, a relação com o conhecimento é muito mais uma questão de refletir, de estar antenado(a) para esse vago anseio, do que para passar horas e mais horas debaixo de livros numa biblioteca buscando a coisa certa a se pensar. Não falo mal dos livros e de seus autores. Afinal, eu mesmo já escrevi dois livros, continuo escrevendo e lendo livros (a maioria deles teóricos, filosóficos, científicos). Apenas o que digo é que não é assim, não é com a leitura, que o senso crítico se forma. Com a leitura exacerbada, se forma a disciplina. E disciplina no meio intelectual é sinônimo de esterilidade.
Não existem obras humanas imprescindíveis. Não existe sequer um livro nesse mundo que deveria ser lido e estudado por todos os indivíduos. E felizmente, isso nunca será possível, por maior que seja o investimento financeiro e o lobby em relação às outras formas de se pensar.
Daí decorre que, na verdade, tais pensamentos parecem demonstrar basicamente aquela cristalização metodológica que eles criticam. Uma atitude é colocada no pedestal, promovendo a esterilidade intelectual e a chamando de crítica.
Assim, de um modo geral, a diferença entre o indivíduo pragmático e o que vive lendo e estudando um zilhão de livros “obrigatórios” é pequena em nível pessoal. Na prática, no entanto, o pragmático produz, enquanto que o teórico não faz absolutamente nada além de se promover com sua pseudo-intelectualidade. Em nível econômico, um é útil e o outro é inútil.
Não quero, com isso, atacar a própria noção de produção acadêmica. Pelo contrário. Apenas digo que é estéril a concepção apresentada sobre como isso deveria ser feito, e que mesmo aqueles que consideram o pensar crítico importante não poderiam tolerar por muito tempo esse tipo de doutrinação (castração) do intelecto. Você mesma, aliás, se voltou para a arte, contra toda essa besteirada. Isso me lembra uma voz que Jung ouviu, dizendo que a psicologia na verdade é uma arte. Eu extrapolo até para o conhecimento filosófico: isso pra mim é arte. Só assim que pensar, refletir e pesquisar pode realmente ser gratificante. O que existe fora disso é auto-afirmação e bobagem.
Romão (meu lulu na... não vou nem rimar) disse:
“a ciência não significa adequação perfeita dos juízos à realidade, nem é um conhecimento absolutamente certo a orientar uma ação isenta de riscos, mas uma correção progressiva das distorções introduzidas pelo entendimento humano na abordagem da realidade, tanto em função de sua ontologia quanto de sua ideologia.”
Quando eu vejo alguém escrever uma coisa dessas só uma palavra (neologismo?) surge na minha cabeça: whatahell!?
Assim, só lembrando que a ciência também é uma forma de entendimento humano, e que, cientificamente, um zilhão de atrocidades foram cometidas, como o darwinismo social. Parece que é sacanagem quando dizem que a ciência corrige alguma coisa. É só mais uma forma de ver as coisas, só mais um método. Não há como provar que a ciência corrige distorções: em última análise, ela pode muito bem estar introduzindo novas distorções. Não é o melhor e nem o mais interessante (pelo menos na linha racionalista) do que outras formas de se perceber o mundo.
Eu agora me pergunto se você ainda está lendo essa bobagem. Mas enfim, já que me propus a escrever, então pelo menos cumpro minha palavra. Talvez eu publique no meu blog, pra que seja publicamente ignorado. Mas enfim...
Chego agora numa parte que exalta o conhecimento escrito... E eis aqui algo que me deixou ligeiramente indignado:
“[A] ubiqüidade da cultura escrita permite percebê-la como um modo de organização social em que a produção e a circulação do conhecimento, dos costumes e dos valores se fazem por meio de e em função de seu uso.”
(...)
“O ato de ler e de escrever transcende as formas simplesmente de ensino a que se dispõe a escola”
(...)
“O ato de ler e escrever assume um papel fundamental em relação ao pensamento. O indivíduo, ao lidar com a língua e a escrita, toma consciência do mundo e da linguagem e encontra condições favoráveis para monitorar a atividade intelectual.”
Aqui eu planejava encontrar um trecho de um livro com textos de Schopenhauer chamado Sobre o ofício de escritor. No entanto, à despeito dos meus obstinados dois minutos de procura, não achei o bendito. De qualquer maneira, lembro da idéia, então a expresso fingindo ser minha.
O ato de pensar é diferente do de ler e, com freqüência, está oposto a este. É mais importante para um indivíduo refletir sobre o que ele leu cuidadosamente do que simplesmente continuar lendo. Porque a reflexão é ativa e a leitura é passiva. Se o volume de leitura é grande demais, o conteúdo é absorvido através de memória mecânica, não é atribuído a ele nenhum valor, nenhum tipo de juízo. Morre o senso crítico. Claro que na ausência de leitura o indivíduo viverá fechado num ovo, se esperança de transcender seu próprio egocentrismo. Mas isso não quer dizer que a leitura seja o último biscoito do pacote.
A transmissão dos costumes e valores há muito não se faz pela escrita. Pelo contrário, a TV e o Cinema tomaram essa função para si com grande facilidade. Podemos escrever a tese mais límpida coerente e louvável: ela nunca terá mais influência que um filme Avatar ou Crepúsculo (abominação).
Diferentemente do citado, creio que as potencialidades de representação e ensino de uma aula são muito maiores do que as da escrita e da leitura para a maioria das pessoas.
Em primeiro lugar porque uma coisa escrita não responde às suas contestações e nem às suas duvidas. Ela não tem consideração sobre sua forma de se expressar e entender, então não vai tentar te explicar com outras palavras. Isso seria resolvido com o contato virtual, onde você poderia ler e ao mesmo tempo interagir.
Só que aí é necessária uma ferramenta eficiente de comunicação e equipamentos bem eficientes. Seria basicamente uma aula à distância.
Pra mim o abismo em potencial da aula presencial e um livro é a afetividade. É o professor envolver os alunos, demonstrar a eles que se importa, que os ama, que quer pra eles o melhor. Ser divertido, criativo, cativante. Cite pra mim um texto acadêmico que faça isso e eu vou dar um salto mortal pra trás no mesmo instante: todos os que eu vi são um porre, que só consegui mesmo ler por amizade ao autor ou por apresentar uma perspectiva interessante sobre um tema de pesquisa.
Claro que se a aula é uma caricatura do conhecimento escrito, onde o professor faz os alunos lerem a matéria e fica simplesmente falando e esperando que eles memorizem é inferior ao conhecimento registrado nos livros. Mesmo que, na prática, alguns indivíduos aprendam com maior facilidade ouvindo do que lendo, esse tipo de aula é cansativo, chato. É um pé no saco.
Pensar criticamente, refletir, aprender é criar. O pensamento que não envolve um processo criativo onde o sujeito integra o conhecimento em si mesmo (mesmo que seja para criticá-lo) não é aprender. É memorizar. Para isso seria mais adequado o indivíduo instalar um disco rígido na cabeça e “armazenar” a informação.
Sabe, may, eu sou da opinião de que faríamos muito pela sociedade promovendo autonomia e criatividade. Promovendo, através disso, o desenvolvimento da individualidade dos indivíduos ou, como você verá no livro da Nise, o processo de individuação. Promovendo não o conhecimento como forma de reformar a sociedade, mas de o indivíduo tomar consciência de si mesmo. Porque há um conflito entre uma forma chata de saber, onde o indivíduo apenas memoriza informações por obrigação, e uma forma vazia de entretenimento, que é justamente o momento em que ele esvazia a mente. Em nenhum momento o indivíduo é criativo, em nenhum momento alguém o permite ser criativo, ninguém o instiga a isso. Só vemos um monte senhores da verdade, dizendo que obra são obrigatórias e coisas do gênero.
Pra mim, a pessoa pode ter escrito a maior abobrinha do mundo. Se ao menos ela se deu ao trabalho de pensar essa abobrinha sozinha, com a informação que ela possui integrada na própria mente, isso já é um milagre. Eu, afinal, comecei convencido de que semanas na verdade possuem 8 dias e de que morango é o exato oposto de chocolate! Por sorte eu era calado demais ou não houve ninguém pra me dizer que o que eu pensava é idiota e indigno. Não, eu segui pensando isso até comer o biscoito de doce de leite!
Pra mim não tem diferença se é um robô pragmático ou um robô acadêmico. Ainda assim ele só segue algoritmos, ele só repete padrões. É estéril...!
Nesse ponto eu fui dormir, então talvez fique evidente uma diferença na minha forma de me expressar. Tomara que não piore :p
Não texto, foi dito:
“diante da atual conformação do capitalismo, em que se destacam as inovações tecnológicas, seria grande a necessidade de uma educação ampla, formativa, que transcendesse o tecnicismo e o pragmatismo
(...)
“O reconhecimento do caráter histórico, dinâmico, inacabado e provisório do conhecimento, estendendo essa compreensão da mutabilidade e historicidade para a análise da sociedade e da própria humanidade. (MACHADO, 1995, p. 84)”
Aqui parece haver um juízo pragmático implícito. À saber, que a educação ampla e formativa seja de utilidade para o desenvolvimento tecnológico, auxiliando no avanço da ciência. Para isso, seria necessário tomar consciência da verdadeira “fragilidade” do conhecimento, para que a ciência e a tecnologia possam se desenvolver de maneira apropriada, sem cristalização paradigmática. Só que há um pequeno problema: o avanço da tecnologia ocorre com rupturas. Novos princípios físicos, por exemplo, fundamentam novas formas de tecnologias, mas esses princípios não surgem da extrapolação de uma teoria mais antiga, tampouco da observação de novos fatos. Antes, uma teoria antiga é literalmente demolida para ser substituída por outra, que trará novas implicações tecnológicas. E, de um modo geral, essa mudança se faz pratica apenas lentamente: no início, tecnologias surgem com a combinação prática dos dois princípios, até que um substitua completamente o outro.
Só que há um problema todos os paradigmas possuem implicações técnicas e tecnológicas próprias. Um indivíduo com os paradigmas físicos da época em que Nikola Tesla não tinha inventado a corrente alternada (que usamos hoje em dia) usava a corrente contínua e fazia a sociedade funcionar com esse princípio. Naquela época, de nada adiantaria reconhecer que esse ou aquele paradigma é frágil em nível histórico e/ou ontológico: para ele trazer luz pra casa das pessoas, era o paradigma daquela época que ele usava.
Não adiantaria para um empresário, por exemplo, conhecer o contexto histórico da economia e ter lido O capital, de Marx. O que ele precisa saber, onde ele precisa inovar, são coisas que existem no nosso Zeitgeist² de agora. Não é relevante para quem vai produzir saber uma coisa assim. A relevância desse conhecimento está mais na hora de entender o contexto local para a implementação de políticas públicas. Mas para a educação de todas as pessoas isso está longe de ser necessário: é bom que aqueles que vão precisar desse conhecimento o possuam, e vantajoso que quem possua interesse também o possua. Nossa sociedade é dinâmica demais para se afirmar que existe algum tipo de conhecimento teórico que todos deviam ter, algum livro que todos deveriam ler. Nem todas as pessoas querem analisar a realidade, e é lícito que elas façam o que bem entenderem...
“A assunção da educação geral como um bem intrínseco e não como algo que se determina em função de seus fins. A verdade mais nobre seria a procura do conhecimento enquanto tal, de modo que a Universidade se caracterizaria como lugar da procura da verdade e, só depois, como o lugar de sua aplicação; as faculdades profissionais só têm razão se submetidas ao cultivo da ciência.” (PEREIRA, 2008, p. 70).
É aquilo que falei. Procurar a verdade é bonito, mas não enche barriga. É bonito, mas fútil, porque há tanta multiplicidade paradigmática que não vejo como alguém pode realmente acreditar que há uma verdade. Existem universidades que formam trabalhadores e outras que formam cientistas e pensadores. E, até onde sei, há um equilíbrio entre oferta e procura desses cargos. Que a educação como bem intrínseco seja apresentada por professores (como com freqüência o é) e que os alunos decidam se isso é verdadeiro ou não.
“A compreensão da formação profissional incorporando a perspectiva de cidadão instruído, culto e ético. A educação completa ofereceria mais que conhecimentos e habilidades pragmáticos, contribuindo para que o indivíduo seja ativo e reflexivo. O princípio básico dos estudos de educação geral encorajaria a participação na vida social como pessoa livre, instruída e culta (PEREIRA, 2008, p.70).”
Ficou vago. Na prática, o que isso significaria? se todos nós lêssemos a constituição, conhecêssemos a lógica da luta entre as classes. O que isso mudaria na nossa vida? a mim parece que não há consciência que seja mais poderosa do que as exigências do mercado. A mobilização popular, por mais que seja bela, é economicamente desastrosa. Vivemos num mundo de escassez e precisamos de um mercado. E o mercado demanda esse tipo de educação. Isso é feio e desagradável, mas fazer o que? (não é uma pergunta retórica)...
É aquilo que eu falei: se 40% da humanidade fosse precisamente como eu, passando todo esse tempo lendo e estudando coisas teóricas, nossa população nunca poderia ter se tornado tão grande. Porque nossa população é muito grande e não é necessário que tantos indivíduos produzam conhecimento dessa natureza. Temos nossa demanda e nossa oferta. Um desequilíbrio aqui seria economicamente desastroso. Aliás, se todos fossem intelectuais, nossa espécie desapareceria. O pragmatismo não é uma praga. É desumano, feio, irritante, mas completamente necessário á nossa sobrevivência.
Eu mesmo lendo isso (se é que chegaria a ler tudo) ficaria irritado. Tal nível de pragmatismo me dá nos nervos, precisamente porque não está na minha natureza, no meu modo operante, aceitar coisas assim. E a humanidade, apesar de que em grau pequeno, ainda necessita de alimento para o espírito. Ainda é crucial pararmos para ouvir uma música, lermos um romance, assistirmos um filme (que não seja clichê de Hollywood). No fim do dia, o ser humano ainda quer filosofia, ainda quer arte, ainda quer sua humanidade. E, segundo minha visão, isso é mais freqüente hoje do que antigamente, especialmente por conta da Internet e da diminuição da escassez.
De fato, a indústria cultural produz merda diariamente. E de fato cria produtos que mais esvaziam a mente do indivíduo do que o fazem refletir. E realmente eu consideraria preferível que programas que instigam que fazem o indivíduo pensar, tomassem frente. Mas a verdade é que não há demanda. Esse não é o nosso Zeitgeist. Pessoas comuns gostam de coisas banais e comuns, e não seremos nós a moldar suas mentes. Sim, o mundo está uma merda, vemos coisas revoltantes acontecendo todos os dias. Coisas que não fazem sentido³. Só que é isso que temos...! E felizmente, para nós, há espaço para manifestarmos nossa arte e o nosso pensamento, não?
Nossa função aqui é conservar o espírito humano e deixá-lo sempre disponível a quem quiser procurá-lo. Tenho para mim que conforme a escassez for diminuindo através do avanço tecnológico, os trabalhadores sairão do setor de produção (que produzirá mais com custos menores) e passarão para o setor de serviços.
E não é a educação parte desse setor. Na prática, creio que só precisamos viver mais e que a proporção entre o número de professores e alunos mude. Um professor de ensino médio com uma turma de 35, 40 alunos, simplesmente não tem como transmitir o conhecimento de maneira dinâmica: o tamanho do grupo inibe qualquer manifestação individualizada.
Por enquanto, as coisas permanecerão como estão. Creio que é possível que vejamos essa mudança começar no nosso tempo de vida. Daqui a uns 50 anos, quando a biotecnologia estiver mais desenvolvida, teremos uma diminuição dramática na escassez. Aí a produção será mais barata e teremos que nos preocupar cada vez menos com a sobrevivência, tendo mais tempo para a reflexão.
Isso me leva à parte mais mística das minhas opiniões, que talvez pareça ridícula ou revoltante.
Estamos num período de transição na nossa sociedade, onde valores como o conhecimento, a liberdade e o amor estão se tornando mais... Psicologicamente imperativos. Temos o Movimento Zeitgeist⁴. Inclusive escrevi um texto⁵ a respeito disso, onde expus que nosso psiquismo está se alterando em nível coletivo, especialmente por conta das mudanças climáticas. Aconselho que você dê uma olhada nesse material quando tiver tempo. Nossa civilização está se emancipando e somos parte disso.
Estou honestamente de saco cheio. Considerarei um milagre se você chegar a ler isso. Se nos correspondermos, no entanto, você verá que esse texto dá uma introduzida (mesmo que mais ou menos incoerente) à minha forma de pensar, de maneira que se você ler mais alguma coisa, será muito mais fácil assimilar.
Anyways, chega dessa bobagem intelectual por hoje...
1)      Não sei se dizem isso por aí, mas por aqui isso significa que um jogo de bolinha de gude valia a bolinha. Se você é acertado jogando à vera, você perde sua bolinha.
2)      O espírito do tempo, o conjunto de conhecimentos de uma determinada época.
4)      Movimento que surgiu depois do lançamento de dois documentários na Internet por Peter Joseph:
Esses vídeos foram apresentados num festival artístico e depois postados na internet. Incrivelmente, logo nos primeiro meses eles tiveram dez milhões de vizualizações e ficaram muito populares sem nunca ter sido publicado na TV.

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