Uma dúvida sobre o conflito entre Monogamia e Poligamia

O presente post foi criado como um tópico na comunidade de Carl Jung, no Orkut. Por questões de compreensão mais clara, terei que colocar o debate dentro do próprio post. Se alguém se prestar a comentar isso aqui no blog, também ficarei grato... Como o leitor atento poderá perceber, essa está longe de ser uma questão sobre a qual eu tirei alguma conclusão. Se e quando isso acontecer, ela virá noutro post. E tem apenas como objetivo manter o bruto do debate, que está bem produtivo.


Estive pensando sobre as atitudes descritos por Jung em Tipos Psicológicos, especificamente depois de ler a seguinte passagem:

“Biologicamente falando, a relação entre sujeito e objeto é sempre uma relação de adaptação. Cada relação dessas pressupõe efeitos modificativos de um sobre o outro. Essas modificações constituem a adaptação. As atitudes típicas para com o objeto são, portanto, processos de adaptação. A natureza conhece dois caminhos fundamentais diferentes de adaptação que tornam possível a sobrevivência dos organismos: um caminho é a enorme proliferação, mas com relativamente pouca força defensiva e curta duração; o outro é a dotação do indivíduo com inúmeros meios de autoconservação, mas com relativamente pequena proliferação. parece-me que este contraste biológico não é apenas análogo, mas o fundamento geral de nossos dois modos psicológicos de adaptação.”

(Tipos Psicológicos, Vol VI segunda edição, Editora Vozes, parágrafo 624 - página 317)

Até onde pude ver nesse trecho, Jung parece ter aberto um enorme espaço para implicações nas relações humanas, especificamente nas relações reprodutivas e, portanto, amorosas. Imaginei que isso poderia ser visto no nosso contexto (que considera a bigamia um crime) segundo casos bem típicos: algumas pessoas facilmente se envolvem e relações vitalíceas enquanto outras vivem pulando de relação em relação sem envolvimento demasiadamente profundo. Ficou, então, demonstrado para mim que essa descrição de Jung se aplica na interpretação de porque há tais diferenças típicas.

No entanto, continuei pensando e fui levado à outras considerações, lembrando de uma passagem no início do livro(prólogo, parágrafo 4):

“Mas todo o indivíduo possui os dois mecanismos, tanto o da introversão como o da extroversão; e apenas a relativa preponderância de um ou de outro define o tipo.”

E depois, no parágrafo 73(da tentativa de conciliação de Abelardo):

“Toda expressão lógico-intelectual, por mais perfeita que seja, retira da impressão objetiva sua vitalidade e imediatidade. Ela tem que fazer assim para poder chegar a uma formulação. Com isso se perde, no entanto, o que parece ser o mais essencial para a atitude extrovertida: a relação com o objeto real. Não há, portanto, nenhuma possibilidade de encontrar, através de uma ou de outra atitude, uma formula de conciliação satisfatória. (...) Para a solução, é preciso um terceiro ponto de vista, intermediário.

Confesso que, nessa parte, ficou confuso em que trechos ele fala sobre a diferenciação de Sensação e Intuição e quando fala de Extroversão e Introversão. Parece que nessa parte ele associa Intuição à Introversão e Sensação a Extroversão. Mas isso eu deixo de lado pois não vem ao caso.

Então, reformulando, a Extroversão e a introversão são formas típicas de manifestação que podem ser vistas até entre os animais. É algo como um par de opostos natural: tartarugas deixam milhares de ovos na praia e Baleias carregam um filhote por meses na barriga, que demora anos para amadurecer e exige muita dedicação e proteção.

E, segundo a teoria de Jung, o ser humano não possui apenas uma dessas atitudes, mas ambas. As duas se manifestam na sociedade e até mesmo num indivíduo. Apesar de nosso mecanismo biológico exigir dedicação natural para a proliferação, nossa atitude psicológica com é tão variável quanto é grande a diferença de reprodução entre tartarugas e baleias.

Para fora do contexto, poderíamos classificar uma relação tribal de poligamia:

No regime de matrimônio por grupos, ou talvez antes, já se formavam uniões por pares, de duração mais ou menos longa; o homem tinha uma mulher principal (ainda não se pode dizer que fosse uma favorita) entre suas numerosas esposas, e era para ela o esposo principal entre todos os outros. Esta circunstância contribuiu bastante para a confusão produzida na mente dos missionários, que vêem no matrimônio por grupos ora uma comunidade promíscua das mulheres, ora um adultério arbitrário.” (Friedrich Engels, 1891)

Lendo isso, vi que essa forma de relação é, em essência, extrovertida, embora, em seu âmago, exista algo de introversão: porque há uma (e um) principal. E vendo nossa forma, vejo precisamente o contrário: temos relações monogâmicas, mas que se quebram tão facilmente que é possível ao indivíduo ter relações com diversas pessoas. Assim, em ambos os contextos, as duas atitudes são manifestas (e não pode ser de outra maneira), mas cada um favorece um tipo psicológico diferente.

Pode-se dizer, portanto, que são casos parciais os de ambos os contextos. No regime “primitivo”, o matrimônio por grupos é mais extrovertido, e no nosso, o casamento monogâmico é mais introvertido: apesar de que no caso do primitivo há uma (um) conjugue principal e que, no nosso contexto, a traição seja extremamente freqüente.

Jung, por exemplo, teve um caso vitalício com Toni Wolff, que Jung considerou como uma “segunda esposa”. Isso sem falar nos possíveis casos com Sabina Spielrein e Maria Moltzer. Inclusive, até onde sei, a relação de Jung co Wolff foi essencial para o processo de individuação dos dois, mesmo contrariando o estabelecimento cultural monogâmico (apesar de que com o consentimento de Emma).

Considerando esses pontos e a explicação sobre o processo de individuação, onde fica claro que todas as funções e atitudes psicológicas estão envolvidas no processo, minha duvida surgiu:

Nesse caso, as relações íntimas de “individuados” não é monogâmica e nem grupal: Então como é?

Se for como o caso de Jung, então como pode um indivíduo alcançar a individuação numa sociedade que certamente recrimina tais hábitos?

Aceito (e busco) qualquer tipo de correção no presente texto e também a indicação de artigos e livros vindos de qualquer autor sobre esse tema, mas prefiro ler comentários feitos diretamente pelo pessoal daqui.



_______________________________________________________________
A partir daqui começa o debate da comunidade do orkut. O indicativo de quem fala o que é o nome seguido de dois pontos e logo depois um texto entre aspas. Quando as aspas se fecham, uma linha divisa o fim da fala de um dos participantes e o início de outro, com o nome, dois pontos, etc.
________________________________________________________

Charles:

“Nesse caso, as relações íntimas de “individuados” não é monogâmica e nem grupal: Então como é?

Essa é uma expressão que afirma existir seres individuados... Mas será que existem? Eu diria que é uma proposição mais idealista. Quando afirma que as relações de individuados não é monogâmica e nem grupal, é como se afirmasse que não é nem introvertida nem extrovertida... É como se o equilíbrio no individuado fosse total. Mas não é. O individuado é um indivíduo no mundo e não fora dele. Assim, ele considerará o meio em que vive, assim como sua própria pessoa, pois a individuação não exclui o outro, mas inclusive, é instigada por ele. Como indivíduo ainda mais exclusivo que qualquer outro, é difícil prevermos o comportamento de um "individuado", pois ele leva em conta a totalidade de seu ser e das situações porque passa, e faz justiça a elas. Mas veja bem: todas essas são considerações ideais. Se considerarmos Jung como um "individuado", já que ele disse que realizou o inconsciente em sua vida, seu comportamento teria sido previsível? Ele foi monogâmico ou grupal? Ele traiu a esposa, mas outro "individuado" a teria traído? Não sei...

Se for como o caso de Jung, então como pode um indivíduo alcançar a individuação numa sociedade que certamente recrimina tais hábitos?

Em termos de individuação, eu diria que a recriminação pode servir tanto de estímulo quanto de desencorajamento. Se você ler o livro de Hillmann - "O código do ser", compreenderá o que quero dizer. Dei uma pesquisada e aqui na comunidade há tópicos a respeito:

- O código do ser
_______________________________________________________________
Eu:

“Charles,

Eu li esse livro. Baixei, inclusive, do seu 4shared e editei. Diminuí consideravelmente a quantidade de páginas, mas ele perdeu a proporção com o original por isso. Se quiser te envio, só passar o e-mail por depoimento.

Enfim, de que trecho desse livro você fala? Da determinação platônica da poligamia, que poderia ser para alguns e não para outros?

Não lembro se há algo específico sobre esse assunto.

Teríamos, então, que esquecer qualquer classificação genérica e deixar esse ponto para um plano essencialmente pessoal, sem que seja possível um mínimo de "tipificação"?”
_______________________________________________________________
Trismegistos:

“Silas;

Acho que é possível uma “tipificação”, só que muito mais branda. Penso que a forma como você assimilou a questão é que está um pouquinho equivocada, veja bem:

As relações mono e poligâmicas não são determinadas pelos tipos e os tipos, por sua vez, à questão da proliferação, como se fossem seu fundamento orgânico. O que Jung quis dizer com “fundamento geral” é apenas esse “traço energético”, essa potência, que segue uma “tendência a” adaptação de uma forma ou de outra, essa é a raiz da fenomenologia dos tipos, mais é bem mais complexa do que uma questão puramente biológica ou padrões de comportamento sexual.

Toda a ênfase está na possibilidade de “oscilação” dessa energia, de como a adaptabilidade pode ser levada a cabo de maneiras opostas (e aqui temos o “problema” dos opostos). É isso que Jung põe no “fundamento geral”, entende?
Quando falamos em aspectos culturais das relações amorosas falamos, num ponto de vista amplificado, das estruturas de parentesco de uma sociedade, algo tão elementar de qualquer organização social que não podemos reduzir aos aspectos tipológicos, somente tentar identificar pequenos pontos em que essa dinâmica ocorre no âmbito dessas relações.

Podemos identificar, por exemplo, um tipo de sociedade que dá mais ênfase a uma ou outra atitude de uma maneira mais ou menos clara, daí compreender uma nuance no sujeito de tipo oposto. Aqui concordo com o que o Charles disse, isso pode encorajá-lo ou dificultar o processo de individuação. Aqui caímos no plano da subjetividade particular, e as coisas se tornam tanto mais claras (pela fala do sujeito) quanto mais complexas.

É difícil teorizar, já que entre “introversão” e “extroversão” (que é pura teoria), ou seja, nas possibilidades opostas dessa fenomenologia, existem milhões de graus intermediários. Por isso só podemos dizer “mais para introvertido”, “mais para extrovertido”, “Meu Deus, ele é um extrovertido unilateral!” etc,etc ... Lembrando sempre que ainda temos a questão da “marca” subjetiva.

Você traz a questão do “individuado”, por isso a argumentação não pode fugir do “sujeito”, no que ele tem de mais particular como, por exemplo, sua tipologia. Na resposta às suas perguntas eu concordo com o Charles também, depois eu acrescento alguma coisa.
Eu entendi bem sua linha de raciocínio, é muito interessante, se você amadurecer mais essa idéia com certeza ficará mais ainda.

Se eu puder ajudar, estou aí.

Abraços.”
_______________________________________________________________

Eu:

 

“trismegistos

 

Você disse : “As relações mono e poligâmicas não são determinadas pelos tipos e os tipos, por sua vez, à questão da proliferação, como se fossem seu fundamento orgânico.”

Na verdade o que penso sobre isso é mais abstrato. Não estou cometendo a ofensa comum de redução ao biológico. Apenas disse que Jung amplificou as atitudes psicológicas de modo que elas possam também classificar a forma de reprodução dos animais. Ou seja, é um princípio natural e abstrato que se manifesta tanto no nosso psiquismo quando na natureza de um modo geral. Na verdade, por conta do tempo de gestação e dos cuidados que precisamos ter com nossos filhos, se eu fosse levar isso pro puramente biológico, provavelmente o argumento daria maior ênfase à monogamia, que permite maior concentração do pai no bebê.

Você disse: “Quando falamos em aspectos culturais das relações amorosas falamos, num ponto de vista amplificado, das estruturas de parentesco de uma sociedade, algo tão elementar de qualquer organização social que não podemos reduzir aos aspectos tipológicos, somente tentar identificar pequenos pontos em que essa dinâmica ocorre no âmbito dessas relações.”

Pois esse é um ponto que me deixa pensativo. A tipificação de Jung, até onde sei, pode ser transposta para as idéias (sendo assim, podemos avaliar premissas e até metodologias correspondentes a um tipo ou outro), para o reino animal e para grupos de indivíduos. Não sei você, mas parece que em tudo eu vejo essa dicotomia extroversão X introversão. Daí, como coloquei, há traços de monogamia e poligamia nas duas sociedades, mas cada uma tende para um lado. E agora que chega o ponto: não seria, porventura, um ser humano harmonizado precisamente aquele que pode, dentro do seu contexto, manifestar as mais diversas formas de relacionamento? E não é o relacionamento introvertido mais profundo e o extrovertido mais amplo?
O que quero dizer é que poderíamos tipificar as próprias relações: a relação poligâmica seria extrovertida, e a monogâmica introvertida. Isso implica dizer que pessoas introvertidas se adaptariam melhor numa relação monogâmica, e as extrovertidas numa poligâmica.

Uma coisa que me deixa meio confuso sobre o processo de individuação é isso: que todos nós tomamos consciência da Persona; confrontamos e integramos a Sombra; integramos Anima/Animus (alcançando, assim, uma espécie de condição psicologicamente andrógina original, como aquela apresentada em O Banquete); e daí chegamos no Self (que é um conceito meio nebuloso pra mim). E, até onde sei, individuar-se implica a vivência das mais diversas faculdades humanas, que incluem as atitudes e as funções psicológicas. Não podemos esperar, por exemplo, que nos individuemos sem desenvolver o sentimento ou sem o pensamento. Da mesma maneira, sem desenvolver a extroversão e a introversão, porque o próprio processo nos mantém numa constante alternância tipológica, mesmo mantendo o tipo primordial mais ou menos fixo.

Ora, se a relação introvertida é monogâmica e a extrovertida é poligâmica e nosso tipo se alterna durante a vida, isso quer dizer que temos “períodos poligâmicos”. Pra isso não ficar demasiadamente abstrato, basta recorrer aos fenômenos que essa exposição explica: a constante infidelidade e o fato de que nossas relações, na ausência de coerções sociais, geralmente não duram a vida inteira (O que, de certa forma, é uma poligamia parcial). E também em relações poligâmicas, que exista uma primeira esposa, uma principal, a mais amada entre as esposas (como a relação entre Jacó, Raquel e Lea, da bíblia). Outra coisa interessante, embora não tão significativa, é que postei esse texto no meu blog e, como sempre faço, anunciei no meu perfil: a quantidade de cliques foi pelo menos três vezes maior do que meus contos mais populares (as pessoas geralmente não entram no blog, mas nesse caso houve mais interesse do que o normal :p).
A mim parece que nosso contexto social vive uma contradição: porque dá tanta ênfase às relações amorosas, mas estabelece regras que tornam a maioria dessas relações impossíveis e dolorosas, porque, à despeito do regulamento social, nossa mente continua buscando sua manifestação plena e harmônica, e isso contraria nossos paradigmas.
Talvez isso não seja um pensamento na língua Junguiana, mas me parece que nosso tipo psicológico diz apenas como funcionamos, e não quem somos. Não posso dizer que sou um introvertido-racional com intuição. Isso é como eu funciono (e nem tenho certeza). Quem eu sou, isso se define por outros termos. Nem sei quais.

A nossa cultura parece estar se tornando mais... declaradamente múltipla: mesmo diante das imposições, mórmons e muçulmanos continuam realizando esse tipo de relação, e as informações cruzam pela internet de maneira que, conforme o tempo passa, vai ficando mais difícil o indivíduo viver preso apenas em sua cultura local. Assim, conforme o tempo passa isso vai se tornando mais uma manifestação do indivíduo do que do contexto coletivo, já que praticamente tudo o que ele pode imaginar tem alguém defendendo por aí (até coprofagia!).

_______________________________________________________________
Marlon:

“chê, há MUITAS questões neste tópico, o que torna difícil responder... mas, sobre alguns pontos:
-- sobre a tipologia: às vezes acho que vocês levam demasiado a sério essa "classificação". a tipologia de Jung é um "compasso psicológico", como diz o Meier. talvez seja útil ter em mente que Jung (as citações a seguir são de diversos materiais de Jung citados por Shamdasani [2005], Jung and the making of modern Psychology)não propôs uma caracterologia, mas sim uma tipologia: "My intentions and interests are also in no way directed to characterology, but in complete contrast, to typology. But not in the sense that I have established types in order to classify people with, but to have a schema with which I can order psychological material (...) Hence my typology aims, not at characterizing personalities, but at classifying the empirical material in relatively simple and clear categories, just as it is presented to a practising psychologist and therapist." (p. 86) - e especialmente esta frase: "The theory of types, he [Jung] stated, was a theoretical function “without muscle or flesh, and if you identify with it you identify with a corpse”. por último, acho que estás vendo como equivalentes fatores que não o são (extroversão e poligamia, intro e mono).

-- concordo com Charles e Trismegistos. algumas coisas que considero importantes: Emma não deu "consentimento" pro Jung (mesmo porque, para um homem como ele, isso seria ridículo); acho que Toni foi o grande amor do Jung (sem dúvida foi sua musa, sua Anima realmente criativa); Jung não tava nem aí pro "estabelecimento cultural'. Jung é UM modelo de individuação; mas não quer dizer que tenhamos que serguir uma imitatio Jungi - por exemplo, para um cara essencialmente monogâmico, isso seria errado.

-- Charles: não considero que Jung tenha "traído" a esposa. ela sabia muito bem de tudo. a Toni inclusive almoçava com Jung e família determinados dias da semana (Emma provavelmente odiava isso...). Compara isso com a moral burguesa hipócrita do Freud (que, encarnada no superego, é obrigatória para o funcionamento "normal" tanto do indivíduo como da sociedade), que teve caso com a cunhada e fez ela abortar...”

_______________________________________________________________
Charles:

“Tipologia x tipificação

Silas, se vc mandar eu agradeço. Tentei baixar um, mas muitas palavras encontram-se truncadas (o seu deve estar melhor).

Com relação ao "Código do Ser", eu me referi somente aos exemplos que ele dá. É incrível, por exemplo, como a oposição a determinados aspectos de uma criança pode fazê-la desenvolvê-lo num grau ainda maior... O que mais achei importante no livro foi a desconstrução que Hillmann faz do aspecto parental. Também o acho essencialista, como o Fernando colocou no tópico sobre o livro

A tipificação só é possível na medida em que as pessoas não são plenamente elas mesmas, na medida em que se aferram a determinadas características em detrimento de outras, em que se tornam unilaterais. A tipologia não pode abarcar - não tem esse poder - de classificar as pessoas que estão sequer trilhando a individuação conscientemente. Isso porque de repente você aplica um teste a ela num momento em que ela está desenvolvendo outra função ou atitude... Se bem que seria também correto perguntar: mas a tipologia inata é a que classifica realmente uma pessoa? A resposta seria tanto mais negativa quanto mais a pessoa se conhecesse. O autoconhecimento liberta a pessoa do destino, da fatalidade da previsibilidade, da massificação.

Como o Marlon disse, Jung usava a tipologia como uma forma de se nortear na psicoterapia e não para classificar as pessoas. Embora ache útil em certo sentido, não gosto da tipologia Myer-Briggs, pois parece passar uma filosofia onde as pessoas se aferram ao seu tipo e não adotam uma perspectiva de autodesenvolvimento. Elas ficam presas no que podem fazer, no que fazem melhor e esquecem sua sombra. É a tipologia voltada à desumanização: "faço o que é mais fácil e mais prático", como uma máquina. Esse tipo de esquema não é nada dinâmico, ao contrário do que Jung fazia. Para você ter uma idéia, Jung sequer usava testes (pelo que sei), ele deduzia um tipo via observação...”

_______________________________________________________________
Eu:

“Marlon

Um dos entrevistados no documentário Matter of the Heart (se não em engano, Van der Post) disse o seguinte:

“Emma Jung said to a close friend of mine just before she died... That she had never ceased to be grateful in her life for Toni Wollf... Because Tone Wolff was able to do for her husband something she could not have done”

E depois uma mulher entrevistada disse:

“I think that what’s remarkable is that… They made it… And I think that they are the ones, Tonni and Emma, they are the ones that made the threesome relation possible… they worked out something between them.”

O vídeo está no google videos:

http://video.google.com/videoplay?docid=-3225765193573569458#

Pra ver do que estou falando, vá para 1:05:25 no vídeo. Talvez você saiba quem é quem lá.

O meu ponto aqui não é a tipificação de pessoas, mas de idéias de hábitos. No Tipos Psicológicos, vemos Jung tipificar os pensamentos realista e nominalista. Tem um trecho bem relevante para esse argumento:

Parágrafo 31:
“Reconhecemos, sem dificuldade, nesta briga, novamente aqueles elementos fundamentais que já encontramos nas disputas mencionadas antes, isto é, o ponto de vista abstrato que rejeita a mistura com o objeto concreto, e o concretista que está voltado para o objeto.(...)”

Parágrafo 32:
“Quero ressaltar que esses argumentos nada pretendem ter dito de decisivo sobre a psicologia individual dos dois personagens. O que conhecemos da pessoa de SCOTO ERÍGENA – apenas o pouco necessário – não é suficiente para fazer diagnóstico seguro de seu tipo.”

Ou seja, ele identificou o conflito em nível ideológico como típico, mas ainda assim não considerou seguro determinar o tipo do pensador. Isso significa que ele admitia que uma pessoa do tipo sensação, por exemplo, poderia ter uma idéia que, em si, é abstrata, intuitiva. Mas as idéias em si, a divergência teológica, o conflito entre realistas e nominalistas, são típicas e tipificáveis. Então não se trata de tipificar as pessoas. Muito pelo contrário. Trata-se de tipificar idéias e hábitos. Assim, se determinada pessoa tem muitos hábitos e idéias de um tipo, esse provavelmente é seu tipo pessoal.

E aí que vem a questão:

Marlon disse: “por último, acho que estás vendo como equivalentes fatores que não o são (extroversão e poligamia, intro e mono)”
Não estou vendo como fatores equivalentes. Talvez eu não tenha entendido bem o que foi dito. Me explica melhor? Mas estou dizendo aquilo que Jung disse:

“um caminho é a enorme proliferação, mas com relativamente pouca força defensiva e curta duração; o outro é a dotação do indivíduo com inúmeros meios de autoconservação, mas com relativamente pequena proliferação.”

Não é característico do introvertido entrar em relações vitalíceas enquanto que o extrovertido entra em muitas relações curtas? Ou, para ser mais leal à idéia original, não é um hábito introvertido possuir relações menos numerosas e mais profundas, e um extrovertido justamente o contrário?

E, nesse caso, não poderíamos levar essas implicações para o nível dos relacionamentos amorosos e dizer que o relacionamentos amorosos? Dizendo, por exemplo, que é uma característica extrovertida que o indivíduo tenha muitas relações de menor profundidade no âmbito amoroso (porque não há como um indivíduo ser tão próximo de mais de uma companheira quanto ele seria com uma esposa única) e também que o exato oposto, a monogamia, é de natureza introvertida?

to have a schema with which I can order psychological material (...) Hence my typology aims, not at characterizing personalities, but at classifying the empirical material

O que você postou aqui parece estar diretamente relacionado ao que eu estou falando. Sobre classificar o material empírico. Só que o material empírico aqui seria os hábitos monogâmico e poligâmico.

E é aqui que o ponto principal chega: se os indivíduos não são enraizados numa atitude, então é plausível que eles se alternem entre hábitos monogâmicos e poligâmicos durante a vida e que, portanto, ambas as formas de relação deveriam estar integradas na cultura para que as relações se manifestassem “plenamente”.

Vejam bem: não estou falando necessariamente do que Jung disse ou deixou de dizer. É mais sobre as implicações filosóficas dessa classificação. O livro Tipos Psicológicos é genial porque ele corre pela cultura: não fica apenas preso na utilidade clínica da tipologia. Ele fornece meios de compreensão de hábitos, costumes e idéias em nível filosófico. Conhecem algum autor que fala sobre isso, mesmo que de passagem, ou contra isso?

Charles

Tentei revisar o arquivo e arrumei diversos erros decorrentes da interpretação do scanner: como “rn” no lugar de “m” por causa da tinta apagada, além de remover a paginação original (o arquivo ficou com 186 páginas) pra ocupar plenamente as páginas e não apenas metade como estava. Daí deve ficar difícil citar referência do livro par quem tem a versão impressa, mas pra ler no computador está bom. Me passa seu e-mail por depoimento (se estiver no seu perfil, depois eu acho e envio) que te mando hoje mesmo.”

_______________________________________________________________
Marlon:

“bá, essa discussão é bastante complexa. acho que não havia entendido o que o Silas queria dizer. agora infelizmente não tenho tempo pra reler todos os comentários e pensar numa resposta... mas uma hora eu respondo.
sobre a Emma e a Toni, se a Emma realmente disse isso... o que eu não duvido... sinal de que foi uma grande mulher. (mas foi realmente um processo, e acho que bem complicado, aceitar e fazer funcionar essa relação entre os 3). vi a parte do video agora, muito interessante (quero ver inteiro uma hora); acho que o senhor é Van der Post, a mulher eu não sei... talvez Barbara Hannah, mas tem sotaque americano, me parece, e Hannah era inglesa...”

1 comentários:

Silas disse...

Link do tópico no orkut:

http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=117923&tid=5490396637409399885&start=1