Branca de Neve


Minha cabeça queima
Meu sangue ferve
Porque quando eu te vi
Entendi a natureza do desafio

Abandonar promessas
Aceitar a realidade
Sofrer a dor necessária
Mergulhar no abismo

Eu vi nos seus olhos desatentos
A imagem que escondi de mim mesmo
Que eu não transformei água em vinho
Não sou senhor do destino

E o meu sangue ferveu
Minha barriga esfriou
Meus olhos foram arrastados
Por curvas entre obstáculos

Até que, em meio ao abismo
Vi seus olhos atentos
Eu observei o seu sangue ferver
Por nossa contradição

E será que no fim do desafio,
Terei alívio, alegria?
Diga, ó branca de neve
Viveremos felizes para sempre?

Sobre o Pensamento Mítico e o Complexo



Introdução

O presente texto possui a pretensão de ser uma síntese do tema abordado pelo Professor Nilton, que pediu aos alunos que criassem uma relação ao conceito(obscuro) de pensamento Mítico em Ernst Cassirer e o prefácio do livro de Edgar Morin: Introdução ao pensamento complexo. Pretende eliminar o engano de que Morin busca resgatar a cosmologia mítica, como ele próprio diz no prefácio:

“A segunda ilusão é confundir complexidade com completude. É verdade, a ambição do pensamento complexo é dar conta das articulações entre os campos disciplinares que são desmembrados pelo pensamento disjuntivo (um dos principais aspectos do pensamento simplificador); este isola o que separa, e oculta tudo o que religa, interage, interfere. Neste sentido o pensamento complexo aspira ao conhecimento multidimensional. Mas ele sabe desde o começo que o conhecimento completo é impossível: um dos axiomas da complexidade é a impossibilidade, mesmo em teoria, de uma onisciência.

Pretende, então, demonstrar que, apesar da semelhança de termos e da mútua contradição com o paradigma reducionista, as duas formas de pensamento são profundamente diferentes.

A diferença básica

Vamos, então, dentro da obra do professor, identificar características relevantes do pensamento mítico. Cassirer disse:

Um Nativo dessas tribos tem capacidade de notar todos os pormenores mais sutis do seu meio; é extremamente sensível a toda e qualquer mudança na posição dos objetos comuns ao seu redor. Até em circunstâncias dificílimas é capaz de encontrar seu caminho. Quando rema ou veleja, segue com a máxima precisão todas as voltas do rio que está subindo ou descendo. Mas depois de um exame mais atento, descobrimos, surpresos, que, a despeito desta facilidade, parece haver uma estranha deficiência em sua apreensão do espaço: se lhe pedirmos que nos dê uma descrição geral, ou delineie o curso do rio, será incapaz de fazê-lo; se lhe pedirmos que trace um mapa do rio e de seus diversos meandros, nem sequer parece entender o pedido.”

O “primitivo” vive numa espécie de comunhão com o meio, de maneira que lhe é impossível descrever o curso do rio. Porque sua percepção é tão profundamente arraigada no que ele mesmo é que ele não a concebe. É como se fosse auto-evidente. O primitivo, em sua concepção de espaço, não está integrando diversos fatores para interpretar e descrever o percurso do rio, como poderia sugerir o pensamento complexo. Ele na verdade não está interpretando e nem descrevendo: ele apenas vive aquele percurso como se fosse parte de si mesmo.

Nesse sentido, podemos conceber a “completude” atribuída ao discurso de mundo¹ do primitivo como inexistente, porque ele nem mesmo possui um paradigma².
Ou seja, se minha interpretação da explicação prolixa³ do professor estiver correta, ele procurou sugerir que o pensamento complexo de Edgar Morin busca retornar à “completude” do pensamento primitivo. Mas não só Edgar nega essa completude como o Pensamento Mítico é mais uma forma emocional e simbiótica do que um pensamento.

Na verdade, na concepção do primitivo, ele e o ambiente são um e não há nenhum tipo de separação e distinção. Ele não concebe essa unidade em termos epistemológicos⁴. Na verdade ele nem reflete sobre as diferenças e sobre a interdependência dos fatores que influenciam o corpo e o meio ambiente. Ele somente atribui ao meio externo os conteúdos da própria mente, e através de projeções⁵, dá significado mítico aos fenômenos que percebe.

Em termos mais simples, o “primitivo” nem mesmo concebe a idéia de completude e incompletude, e, portanto, não podemos dizer que seu pensamento nos remete a isso. O pensamento, como concebido atualmente, não existe na mente do primitivo. Ele vive integrado a tudo que o circunda, sem identificar fatores, buscar explicação ou mesmo enumerar o tempo e o espaço. Não há o que resgatar do pensamento primitivo porque não há pensamento. Há outro tipo de vivência, que não quero sugerir que seja inferior, mas que é emocional e não racional.

Morin sugere uma nova forma de lidarmos com o conhecimento que possuímos hoje, através da complexificação. Ele não busca retornar a qualquer tipo de completude. Aliás, como ficou demonstrado, não há nenhuma completude (ao menos nessa concepção de pensamento mítico) a qual podemos voltar.

No pensamento complexo, por exemplo, poderíamos conceber uma forma mais plural de se interpretar o ser humano. Ao observar um determinado comportamento, perceberíamos quantas horas ele dormiu na noite, como esta o seu organismo em nível nutricional, e como estão seus níveis hormonais, se está sob o efeito de drogas. Depois, buscaríamos o contexto dele: se está muito estressado, se possui hábitos que instigam tal comportamento, se há algum fenômenos externo que contribui para o surgimento do comportamento. Depois disso tudo, ainda poderíamos buscar descobrir o que ele pensa e sente. De que maneira a personalidade dele, sua identidade, interage com todos esses fatores.

Assim, com esses fatores e muitos outros, faríamos uma leitura complexa do que está acontecendo sem tentar reduzir o comportamento a um desses fatores. Não se pode pensar numa explicação simples dentro do pensamento de Morin, pois a realidade em si, segundo ele, é complexa e não pode ser reduzida por nossas pretensões. No entanto, esse pensamento não pode ser visto como uma volta ao “Pensamento Mítico”, pois esse nem mesmo é uma forma de pensar: é uma forma de perceber o mundo e se relacionar com ele que não envolve o pensamento abstrato.

Conclusão

Tendo por base a “completude” do pensamento mítico exposto pelo professor, não podemos relacioná-la ao pensamento complexo de Morin, que não presume completude, mas “o reconhecimento de um princípio de incompletude e incerteza.”

Além disso, como ficou demonstrado, o pensamento primitivo não presume a completude, pois isso é um conceito abstrato de pensamento que nem existe na visão deles. Na verdade o primitivo vive em unidade e harmonia com o meio ambiente e nem sequer começa a conceber explicações e esquemas representativos da realidade.
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1)      1) Um discurso de mundo é o conjunto de paradigmas através dos quais nós damos significado aos fenômenos que observamos. Ele também determina que fenômenos podemos perceber. É como um filtro de relevância: através dele declaramos o que é relevante e o que não é.
2)    2) Um paradigma é uma idéia fundamental, que dá sentido ao pensamento posterior. Para pensarmos sobre um mandamento divino, por exemplo, precisamos do paradigma que afirma que Deus existe. Sem esse paradigma, não há como pensar num pensamento divino, pois este presume a existência de uma divindade.
3)    3)Um texto ou uma fala prolixa se caracteriza pelo uso de conexões pouco comuns de palavras, frases excessivamente longas e muitas linhas de raciocínio se sobrepondo sem que possamos chegar a alguma conclusão sobre qualquer uma delas, tampouco estabelecer relação entre elas. Um prolixo é definido popularmente como sendo um “enche lingüiça” que fica falando por séculos e no final não disse nada.
4)    4)Epistemologia é a teoria do conhecimento. O campo do conhecimento que busca descobrir o que é o conhecimento e a partir de que método nós podemos adquiri-lo. O método científico é uma abordagem epistemológica da realidade, assim como o pensamento religioso.
5)    5) O termo projeção é utilizado na linguagem Junguiana. Significa que o indivíduo projeta algo da mente dele num objeto externo. Quando o primitivo diz que uma pedra é sagrada pelo fato de um raio ter caído nela, esse “sagrado” é uma projeção da mente dele.

Sobre o amor e suas lições

Certa vez, havia um grupo muito animado. Estavam numa sala de aula comentando sobre uma viagem. Volta e meia alguém fazia uma piada e todos riam, menos um dos alunos. Ele ficava ali no canto esquerdo da sala, lá no fundo. Parecia nem estar lá...

- Nossa, mas eu Amo viajar. Dá uma sensação de liberdade... – disse uma das alunas
- Pois é. Ninguém te conhece, você pode fazer o que quiser! Eu da última vez que viajei... – respondeu outro colega.

Esse foi um fragmento que ele ouviu, retomando posteriormente à sua introspecção. Foi interrompido logo depois por risadas violentas. Provavelmente o cara fez alguma merda.
Alguém discordou, e disse que o amor por viagens não pode ser legítimo. Disse que em viagens você busca coisas que só pode encontrar dentro de si. Que lugares são só lugares e nada mais.
Em pouco tempo a turma estava debatendo sobre o que torna legítimo, real, algum tipo de amor. Alguns falaram da sensação no corpo. Frio na barriga, atenção focada, inquietação. Outros falaram de ideais, de inspiração, de uma forma de conexão mais... espiritual.
Embora um considerasse o lado do outro, o embate se prolongou por uns 15 minutos, até que o professor decidiu interferir.

- Hey, você aí atrás. Participe conosco. Está tão quieto hoje...
- Alguém falou comigo? - respondeu o aluno

A turma riu.

- Ta no mundo da lua, ele. Chapadão! Disse um dos alunos
- Eu falei – respondeu o professor – estávamos aqui discutindo sobre o que torna o amor legítimo. Tem alguma opinião?
- Tenho sim.
- Então compartilhe conosco.
- O amor pra ser verdadeiro precisa ser como a fênix.
- Aquela ave de fogo? - perguntou uma das alunas.
- É, essa mesmo. A das cinzas.
- Pode explicar com mais detalhes por que? - disse o professor
- É que a fênix não é efêmera. Ela é imortal. Não importa se foi o mundo lá fora que a destruiu ou se foi o próprio calor dela. Em sua essência, ela nunca morre. Sempre se renova das cinzas, sempre continua. Não há tempo, não há adversidades. Não existe, para a fênix nenhum obstáculo. A fênix, diferente de outras aves, carrega muito peso. É poderosa, resistente. Se o amor que queima dentro de nós não for como uma fênix, então ele não é amor. Ele é apego, é projeção, quem sabe paixão. Não amor. Se nosso amor não renasce, se ele não é poderoso o bastante para suportar as adversidades. Então não é verdadeiro. Não é nada. Nada além de imaturidades, bobagens de um espírito que vive de mentir para si mesmo.

A turma ficou em silêncio. Alguns concordaram balançando a cabeça, outros viraram o rosto pro teto. Depois de uns dois minutos, alguém fez um comentário:

- É, definitivamente eu amo conhaque!

E todos começaram a rir. Diferentemente de antes, o aluno do canto também riu. A aula continuou, porque papo de viagem e amor não cai na prova...