O encontro com Perséfone

- Atenção, homens, pois hoje veremos mais um rio de sangue. – disse o gigante sem nome
- Ele está certo! – gritou Emanuel – estou sedento!

Os homens gritaram, alguns ainda de posse das mulheres da última batalha. Há dois dias haviam dizimado um feudo. Não queimaram nenhuma casa, embora apenas meia dúzia de pessoas tenha conseguido se esconder e sobreviver. Colocaram uma estaca na terra com o crânio do senhor daquelas terras e a declararam maldita.

- Iremos eu, meu irmão e mais cinqüenta homens. Quero comigo somente os cães mais sedentos, as bestas mais insaciáveis. O resto pode continuar bebendo e usufruindo as mulheres. Se mais de cinqüenta quiserem, se matem pelo direito, pois nenhum a mais me seguirá. Vamos lutar contra 300 soldados e toda a criatura que possuir vida naquele castelo.

Os homens gritaram e se acumularam em torno de Emanuel. Alguns se mataram, e no final se formou a tropa, alinhada. Todos eles sorriam, seus olharem brilhando diante do sol nascente. Todos estavam montados em sues cavalos.

- Não temos o dia inteiro! Vamos! – gritou o gigante sem nome

Os dois irmãos correram a pé, à frente da tropa. Sua velocidade de corrida era maior do que a de um cavalo, então a reduziram para os homens não os perderam de vista. Emanuel sentiu um frio na espinha. Algo como um presságio. Ele seguia um sonho, que compartilhou com seu irmão. Ambos viram, na noite anterior, que deveriam perseguir a estrela que ficava acima da torre daquele castelo. Difícil ver outros casos em que dois irmãos compartilham tantos sonhos assim. Correram por quatro horas até avistarem o castelo.

- Deixem seus cavalos aqui, homens. Agora marchamos a pé – disse o gigante sem nome
- Pego a direita, irmão? - disse Emanuel
- Sim, como preferir. Mas subimos à torre juntos.

Emanuel rosnou com empolgação e os homens gritaram logo em seguida.

- Vamos, seus cães. Em nome da morte! – Berrou Emanuel

E todos correram em direção ao castelo, demorando mais vinte minutos para chegarem perto da zona de alcançe dos arcos da muralha. A corneta de alerta soou e o portão se fechou. Arqueiros lotaram a parte superior do muro. Um cavaleiro saiu do castelo para negociar a rendição.

- Não queremos problemas com o imperador. Nosso rei não desafia sua autoridade. Podem levar nosso ouro e nossos animais. – disse o Arauto
- Não estamos a serviço do imperador, tampouco queremos sua propriedade. Nós viemos atrás de sangue. Somos 50 e desafiamos vocês a luta.
O homem se espantou. Pálido, deu as costas à Emanuel e voltou para o interior do castelo, onde o Rei o esperava. Sem perder a compostura, o Rei convocou seus soldados e fez um inflamado discurso, do qual só se pode ouvir um grito: “até a morte!”
Pelo menos 500 soldados saíram pelos portões, dos quais 200 possuíam montaria. Emanuel sorriu, tendo em vista que tal quantidade de soldados era proibida pelo imperador. Eram conspiradores, o que justificava a carnificina. Não teriam problemas com Frederico.

- Não deixem nenhum homem, velho ou criança vivos! As mulheres, quem quiser as tome para si!

Ele gritou e os homens avançaram, debaixo das flechas dos arqueiros. Dos cinqüenta, dois foram atingidos, enquanto que os outros conseguiram se esquivar ou se defender com seus escudos. As tropas do castelo avançaram e os dois irmãos saltaram, cada um do seu lado. Emanuel com sua Espada da Morte, e o Gigante apenas com seu gigantesco escudo.
O Gigante lançou um cavaleiro a dois metros do cavalo quando caiu, dando em seguida um giro que matou alguns e afastou outros, que se esquivaram. Quando Emanuel caiu, cortando três homens ao meio, ele berrou, ao que seu irmão o acompanhou.
Os inimigos mal atacavam, paralisados de medo dos irmãos, enquanto a tropa de cavaleiros negros se chocou com a formação de infantaria na linha de frente.
Não muito diferente de outras batalhas, essa durou pouco tempo. O gigante matava uns com o impacto do escudo e outros simplesmente os pegando e mordendo, como preferia. O exército logo de dissipou, e foi perseguido até certo ponto. A maioria dos soldados foi dizimada.
Os arqueiros voltaram a atirar, derrubando dez dos cavaleiros negros antes que eles fizessem a formação de proteção com o escudo.

- Esperem o nosso comando! – berrou Emanuel enquanto corria na direção da muralha.

Os dois irmãos saltaram em direção aos muros e caíram próximos ao topo, escalando o resto. Os poucos arqueiros que não estava amedrontados e conseguiram atirar acertaram algumas flechas neles em pleno ar, o que pareceu não ser de grande incômodo. No topo, rapidamente avançaram partindo em pedaços os arqueiros. Alguns se jogavam do muro em direção á morte certa, por puro medo dos gigantes. Ouvia-se gritos dentro do castelo.

- Os Demônios! Os Demônios!

O último arqueiro pegou uma adaga e atacou Emanuel. Em seu desespero, tropeçou e caiu. Ele fechou os olhos, esperando ser esmagado, e Emanuel o ergueu com o braço esquerdo. Ele berrou e os soldados avançaram na direção do portão. O homem desmaiou de terror e foi lançado em direção a torre, sua cabeça como a ponta de uma lança. O Gigante abriu os portões e os soldados entraram. Pessoa corriam de um lado para o outro, desorientadas. Aparentemente essa era a única saída disponível.
Pessoas pedindo clemência, outras desmaiadas ou fingindo-se de mortas. Incrível como diferentes táticas surgem para a sobrevivência. Mas um Cão bem treinado não se deixa sensibilizar ou enganar.
Logo o último grito se silenciou, sobrando apenas murmúrios de dentro do castelo trancado.

- Descubram um meio de arrombar a porta e nos encontrem lá dentro. Estuprem a rainha! – Gritou Emanuel

Os dois irmãos saltaram e escalaram as paredes, cada um entrando numa janela. La dentro, alguns soldados o enfrentaram. Era difícil dizer se eram corajosos ou simplesmente suicidas. Pareciam, no entanto, guardar um enorme tesouro, que logo Emanuel pôde contemplar.
Numa espécie de salão principal, ele encontrou um grupos de clérigos, nobres, serviçais e soldados. Pela aparência das vestimentas, parecia que um casamento estava acontecendo. Ele e o irmão saltaram do segundo andar para um lado daquele salão, enquanto que os outros se amontoaram do outro. Todos apavorados, menos alguns soldados, que foram rapidamente massacrados.
Eles avançaram sorrindo e com curiosidade nos olhos. Buscando humilhar o Rei, convocaram a Noiva, sua filha.

- Onde está a Noiva!? - Gritou o Gigante

Ninguém respondeu, e ele logo avançou a começou a matar as pessoas que corriam e se empurravam. Emanuel, no entanto, a avistou. E não pôde acreditar. Era ela, a sua guia dos sonhos. Ela mesma, vestida de branco.
Os homens conseguiram arrombar a porta e se uniram ao Gigante na matança, enquanto Emanuel se apressou em capturar a Noiva. Pegou-a em seus braços e saltou de volta para o segundo andar. A deixou lá e desceu para avisar o irmão. Acabou se distraindo e matou algumas pessoas. Os homens perceberam a noiva e subiram ao terceiro andar para estuprá-la. Ele, prontamente, saltou e volta e matou o primeiro.

- Quem tocar nela morrerá. É minha e do meu irmão. – Disse Emanuel

Os homens recuaram e voltaram ao primeiro andar, onde as mulheres foram agrupadas. Dos cinqüenta iniciais, trinta estavam de pé. Avançaram sobre as mulheres, como de costume, matando algumas e estuprando outras.

- Irmão! Meu irmão! – gritou Emanuel

O gigante subiu rapidamente, pois nunca foi chamado com tanta urgência por Emanuel. Chegando lá, logo se viu hipnotizado pela visão da princesa.

- Perséfone! – exclamou ele
- Que nome é esse? - perguntou Emanuel
- É o nome de nossa mãe! Não se lembra
- Não lembro de nada sobre nossa mãe. Aliás, com freqüência imagino que ele nunca existiu.
- Pois existiu, e cá está renascida!

Os dois ficaram pasmos, olhando para o olhar vazio da moça. Emanuel, invadido por uma estranha emoção, nem se movia. Ele não sabia o que fazer com tal emoção. Parecia tão poderosa quando seu ódio, podendo fazê-lo desvanecer ou aumentá-lo. Aquela estranha força, que ele chamou de Amor em nome de Matias, parecia um espírito livre agindo em seu corpo e sua alma. Aqueles cachos loiros voando com a brisa vinda da janela, aquelas marcas de lágrima secas no rosto. Cada mísero detalhe ele armazenava. Era um Anjo¿ Só poderia ser de origem divina, para paralisá-lo de maneira tão forte. O despedaçava, embora a sensação fosse melhor do que qualquer chacina.

- Hades, o Deus do Submundo, deve ter-nos presenteado por termos mandado tantas almas ao seu encontro. – Disse o gigante. – Os Deuses nos favorecem.
- Não há deus algum nos céus. Há apenas uma Deusa, que habita entre nós. Ela é a deusa da morte e da vida, da destruição e da construção. Ela odeia e ama, acolha e abandona.
- Então talvez tenha sido ela a nos presentear de tal forma. É apropriado que aceitemos tal presente, o honrando com maiores e mais grandiosas chuvas de carne e sangue.

Emanuel concordou e pegou a mulher. Ela não reagia. Parecia estar morta, embora seus pulmões ainda se enchessem de ar. Seu espírito estava noutro lugar, alheio àquela situação. Seus olhos pareciam tão vazios quanto os de condenados esperando a morte. Aquele olhar que toma o ser humano quando a palavra esperança não tem mais nenhum significado.
Eles saíram do castelo, se deparando com a lua. Os homens carregavam mulheres. Eles perderam a noção de tempo, olhando para Perséfone.
A pele dela era tão macia, tão quente... Emanuel esfregava o rosto no braço dela, enquanto observava seu vestido cheio de sangue e lama. O sangue de sua família e a lama de sua terra, todos agora uma coisa do passado.
Surgiu nele uma coisa diferente. Amor, Luxúria. Um impulso por vida.
E assim foi o encontro de Emanuel com Perséfone, e o nascimento do Amor no coração de um cão do submundo...

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