Introdução
Em primeiro lugar, vou confirmar a suspeita de alguns a respeito do texto: trata-se de uma crítica que não coloca algo satisfatório no lugar daquilo que desconstrói. O que se irá propor em contrapartida é vago, com poucas informações reunidas que dêem base. Não pensem que sou daqueles que pensam que o importante é sempre manter o debate. Na verdade, pra mim o debate é fundamental enquanto exercício do intelecto e como forma de aprimoramento do conhecimento, mas é um fenômeno e não uma criação: Não precisamos propiciar o debate, pois ele surge espontaneamente. Nesse sentido, trata-se de um argumento com início meio e fim e, embora seja passível de críticas, possui uma conclusão.
A proposta aqui é demonstrar como a nossa estrutura cognitiva, que permite nossa organização social complexa atual não tem como ter surgido por meio da seleção natural, tendo por base os dados que os próprios evolucionistas e biólogos reuniram a esse respeito. Venho aqui criticar o fato de que é somente pela força que ainda se assume que nossa origem tenha sido o resultado de um processo evolutivo como concebido por Darwin e sua turma. E venho trazer uma alternativa, que certamente será um incômodo para a maioria dos leitores (se é que há leitores pra essa “bodega”). Ao trabalho, então...
Dados relevantes
Segundo fontes recentes (Bussab 2000), nossa espécie passou pelo menos 99% do seu tempo de existência no planeta em organização de caçadores e coletores. Isso significa que, na ausência de agricultura, nós simplesmente não saímos do lugar por milhares de anos. Aliás, essa época é caracterizada como pré-histórica justamente porque não havia linguagem escrita. Como observado por Silva (1998), sociedades de estrutura caçadora-coletora não possuem linguagem escrita, matemática básica ou mesmo capacidade de descrição de suas ações, que são realizadas de um modo classificado como intuitivo.
Embate teórico
Pinker(2010) apresenta hipóteses para explicar o surgimento das nossas faculdades cognitivas superiores nesse contexto:
“Although Darwin insisted that human intelligence could be fully explained by the theory of evolution, the codiscoverer of natural selection, Alfred Russel Wallace, claimed that abstract intelligence was of no use to ancestral humans and could only be explained by intelligent design. Wallace’s apparent paradox can be dissolved with two hypotheses about human cognition.”
[Apesar de Darwin ter insistido que a inteligência poderia ser explicada completamente pela teoria da evolução, o co-descobridor da seleção natural, Alfred Russel Wallace, alegou que a inteligências abstrata não tinha utilidade para os humanos ancestrais e só poderia ser explicada por design inteligente. O aparente paradoxo de Wallace pode ser dissolvido com duas hipóteses sobre a cognição humana.]
Então, o autor apresenta duas hipóteses, que deveriam realmente dissolver o paradoxo de Wallace:
“One is that intelligence is an adaptation to a knowledge-using, socially interdependent lifestyle, the “cognitive niche.” This embraces the ability to overcome the evolutionary fixed defenses of plants and animals by applications of reasoning, including weapons, traps, coordinated driving of game, and detoxification of plants. Such reasoning exploits intuitive theories about different aspects of the world, such as objects, forces, paths, places, states, substances, and other people’s beliefs and desires. The theory explains many zoologically unusual traits in Homo sapiens, including our complex toolkit, wide range of habitats and diets, extended childhoods and long lives, hypersociality, complex mating, division into cultures, and language (which multiplies the benefit of knowledge because know-how is useful not only for its practical benefits but as a trade good with others, enhancing the evolution of cooperation).”
[A inteligência é uma adaptação para um estilo de vida onde há interdependência social por meio do uso de conhecimento, o nicho cognitivo. Isso inclui a habilidade de superar defesas evolutivamente fixadas de plantas e animais pela aplicação da racionalidade, incluindo armamento, armadilhas, manejo de atividade coordenada e desintoxicação de plantas. Tal racionalidade explora teorias intuitivas sobre diferentes aspectos do mundo, como objetos, forças, caminhos, lugares, estados, substâncias e as crenças e desejos de outras pessoas. A teoria explica muitos traços zoologicamente incomuns no homo sapiens, incluindo nosso vasto conjunto de ferramentas, amplo alcance nutricional e de habitats, infância extendida, vida longa, hipersocialidade, pareamento complexo, divisão em culturas e linguagem (o que multiplica o benefício do conhecimento, pois o conhecimento é útil não apenas para termos práticos, mas também como bem de troca com outros, ampliando a capacidade de cooperação).
O problema aqui reside no fato de que há confusão entre adaptação e evolução. Parece que não conseguem observar que determinado comportamento é adaptativo sem que, por isso, tenha tido origem da seleção natural. Isso porque a própria noção de adaptação surgiu com a de seleção natural. Nesse sentido, ele vai fazendo uma leitura dos hábitos e demonstrando que eles são adaptativos, sem, no entanto, criar uma linha temporal e causal. O problema é que o que se observa em tribos de caçadores e coletores simplesmente não dá base a esse pensamento. A racionalidade mais básica, que poderia ser classificada como pré-operatória ou operatória concreta, é mais do que necessária para a realização das atividades mencionadas pelo autor. Na verdade, é interessante que se observe que as primeiras sociedades não possuíam linguagem escrita e nem matemáticas. O pensamento abstrato se baseia em semântica e cálculos matemáticos. Esse tipo de pensamento, inexistente naquela época, foi classificado por Piaget como Operatório Formal.
Na verdade, essa forma de pensamento surgiu precisamente quando o ser humano se tornou sedentário. O problema é que essa é uma revolução drástica nas nossas estruturas cognitivas e não um simples detalhe no cérebro. É de se esperar, segundo as premissas evolutivas, que esses traços, sob forma de mutação levassem milhares, quiçá milhões de anos. No entanto, não levamos nem 10 mil anos e cá estamos na era digital.
Nossa escrita e nossas noções numéricas surgiram quando houve demanda e quando nossa infância pode ser mais prolongada: quando nos tornamos sedentários, há mais ou menos sete mil anos atrás! Essa demanda e essa infância prolongada, devo salientar, só existiam para os nobres.
The second hypothesis is that humans possess an ability of metaphorical abstraction, which allows them to co-opt faculties that originally evolved for physical problem-solving and social coordination, apply them to abstract subject matter, and combine them productively. These abilities can help explain the emergence of abstract cognition without supernatural or exotic evolutionary forces and are in principle testable by analyses of statistical signs of selection in the human genome.
[A segunda hipótese é que humanos possuem uma habilidade de abstração metafórica, que os permite combinar faculdades que originalmente evoluíram para a resolução de problemas físicos e coordenação social e adaptá-las a assuntos abstratos e subjetivos, combinando-os de maneira produtiva. Essas habilidades podem ajudar a explicar a emergência da cognição abstrata sem forças evolucionárias exóticas ou sobrenaturais e são, em princípio, testáveis pela análise de sinais estatísticos de seleção no genoma humano.]
Ao perceber a fraqueza do argumento, o autor foge pra questões epistemológicas e valorativas do materialismo, no qual hipóteses alternativas, só por serem alternativas, seriam exóticas ou sobrenaturais. E esse sobrenatural seria basicamente o que se assume como sendo natural, dentro de um paradigma específico. Nesse sentido, busca uma explicação que possa ser testada nos métodos aceitos pelos evolucionistas.
O que ele diz, basicamente, é que nossas estruturas mentais responsáveis pela cognição abstrata são o resultado de uma complicada combinação de outras habilidades. Combinação esta que precisa ter surgido ao acaso, pelos motivos que vou apresentar abaixo:
Segundo Terra:
“resultados de pesquisas têm indicado que adultos "pouco-letrados/escolarizados" apresentam modo de funcionamento cognitivo "balizado pelas informações provenientes de dados perceptuais, do contexto concreto e da experiência pessoal" (Oliveira, 2001a:148). De acordo com os pressupostos da teoria de Piaget, tais adultos estariam, portanto, no estágio operatório-concreto, ou seja, não teriam alcançado, ainda, o estágio final do desenvolvimento que caracteriza o funcionamento do adulto (lógico-formal).”
Ora, o que a autora mostra aqui é que os indivíduos que não recebem estimulação para chegar até a fase operatória formal, simplesmente não adquirem esse modo de funcionamento cognitivo. Isso significa dizer que essa função é muito mais uma construção social, o resultado da estimulação, do que propriamente uma característica genética da nossa estrutura. Nesse sentido, quando somos devidamente estimulados e temos a infâncias mais prolongada, essas funções se desenvolvem, e fica bem clara a razão pela qual somente a elite dominada a linguagem escrita no início da história: porque só essa camada da sociedade recebia devida estimulação. Em todas as fases e aspectos do nosso desenvolvimento, a estimulação é mais essencial do que nossa carga genética.
Isso significa, basicamente, que foi na ocasião do desenvolvimento da agricultura, na mesopotâmia, que adquirimos uma estrutura social que permitiu o desenvolvimento dessas habilidades, e que antes disso esse tipo de habilidade não era observada.
Ora, se encontrarmos na nossa carga genética um traço que indica terem sido essas estruturas cognitivas selecionadas, teremos um paradoxo. Porque, num ambiente em que não havia estimulação, tais características jamais se manifestariam. Portanto, na medida em que não ajudavam em nada o indivíduo, não deveriam ser mais selecionadas do que qualquer característica. Nesse sentido, não existe a possibilidade de tais estruturas terem sido selecionadas, pois 7 mil anos é um período muito curto e antes essas características não tinham como se manifestar. Nossa espécie parecia estar pronta a desenvolver essas faculdades, assim que fossem apresentadas as condições, a despeito de essas características poderem ser selecionadas ou não.
O problema e que, porque essas características não podem ter sido selecionadas, então não se pode explicar nossa cognição abstrata por meio da teoria da evolução. E se algo não pode ser explicado por essa teoria, deve-se colocar um ainda antes do não, pois ela é tida como infalível.
Eu, no entanto, não estou (ainda) no meio acadêmico para sofrer lobby, então me presto a confrontar essa teoria sem medo. Para mim, não se trata de acumularmos mais e mais informação acerca da teoria evolucionista e, assim, conseguirmos explicar esse fenômeno com alguma racionalização tecnológica. O que vejo é que precisamos de uma revolução paradigmática, bem no sentido de Thomas Kuhn. Precisamos rever todo o assento no qual nossas teorias atuais se firma. Para isso, farei minha viagem pessoa, nalguns parágrafos, e creio que o bom leitor verá que meu objetivo é fazer um exercício de um paradigma alternativo e não propor um novo.
Poderíamos supor que não tivemos origem por meio de seleção natural, mas de construção inteligente. Que fomos realmente programados por uma forma de inteligência que nos precedeu. Sem ir longe a especulações metafísicas, podemos presumir que foram vários os programadores de diversas espécies em épocas distintas. Mais além, que possivelmente não se comunicaram diretamente.
Isso explicaria as semelhanças genéticas, morfológicas e comportamentais entre as espécies numa noção parecida com a de Script, em programação. Uma espécie que já está pronta, com sua carga genética, é um programa plástico que se molda segundo as demandas do meio. A complexidade do programa varia de acordo com a plasticidade da espécie: quanto mais automatizado e previsível o comportamento e a morfologia do animal, mais simples é o projeto. E vice-versa.
Na medida em que se programa, é notável que quando maior a complexidade do programa, maior a chance de erros e maior é o trabalho. Por isso mesmo, o mais lógico a se fazer é usar fragmentos prontos e comprovadamente funcionais de programas anteriores em programas novos. Diferente da programação digital, a genética não varia em sua linguagem, sendo as bases nitrogenadas as mesmas num humano e num vírus. Por isso, há a possibilidade de acúmulo de códigos e a conseqüente sucessividade de projetos. Assim, ficam explicadas todas as semelhanças entre as espécies por uma hipótese alternativa.
Seria possível falar mais do assunto, mas nesse caso o foco seria perdido. Voltando ao problema original, a questão fica facilmente passível de explicação. Fomos programados, a partir de outra(s) espécie(s) com uma estrutura cerebral capaz de fazer as conexões cognitivas entre as diferentes funções, como sugeriu Pinker. No entanto, somente a sete mil anos atrás conseguimos manifestar essa estrutura mais plenamente, na medida em que moldamos o meio ambiente para que possibilitasse o desenvolvimento dessas características.
Se Deus existe, se foi alguma divindade que nos construiu ou qualquer hipótese análoga são questões que não me dizem respeito e que considero irrelevantes. O que observo, no entanto, é que a teoria evolucionista é menos eficaz em explicar o fenômeno do que a minha, sendo que eu tenho pouquíssima informação acumulada de estudos para embasar isso. Isso mostra como as falhas dessa teoria estão na cara, são óbvias. Que essa teoria tem que cair.