Breves considerações sobre epistemologia e comunicação.


Pretendo, com esse texto, dar uma introdução a um tema extremamente amplo: a construção e o funcionamento de paradigmas racionais e sistemas de valor. Apesar de separar os termos para melhor me expressar, saliento que, na linguagem do pensamento, não existe tal separação: paradigmas influenciam valores e vice-versa.

O conhecimento transcende a informação, porque ele vai para além de só memorizar dados: ele é o resultado de julgamentos racionais e sentimentais acerca de determinada informação. A informação, por outro lado é algo destituído de juízos por si mesmo.
Para desenvolver o raciocínio, vou separar (por didática) dois tipos de pessoa: aquelas que absorvem informação e aquelas que absorvem conhecimento do mundo externo. Claro que não existe uma pessoa que se fixe apenas num pólo, pois isso é completamente impossível na prática em ambos os casos.

Alguns indivíduos, ao absorverem um conhecimento, absorvem também o juízo de valores e das premissas racionais de quem transmite tal conhecimento. Exemplos variam de propaganda à pregações religiosas. Quando um religioso ouve e acata o conhecimento transmitido por seu líder ele passa a se encaixar naquele modelo de pessoa que absorve conhecimento do mundo externo: seus paradigmas e valores vêm de fora e isso caracteriza extroversão. No entanto, como salientei no primeiro parágrafo, não há como ser totalmente passivo o tempo inteiro: se o mesmo líder decidir se opor a tudo o que explicitou até o momento é provável que o mesmo religioso se negue a aceitar a mudança, alegando que o líder perdeu o juízo ou está, de alguma forma, possuído (fora de si).

Outros indivíduos absorvem apenas informação, buscando filtrar os juízos e as premissas usados pelo autor para “purificar” a informação. Isso pode, com efeito, distorcer o pensamento alheio ao adaptá-lo aos próprios paradigmas. Apesar disso, por mais que esse tipo de indivíduo queira se libertar dos juízos do outro, todos os seus julgamentos são fruto dessa informação que ele absorve do mundo externo.

Entre os dois tipos descritos eu poderia criar uma enorme quantidade de sub-variáveis, mas não é minha intenção com esse texto criar uma tipologia psicológica (se fosse eu estaria sendo irresponsável).

Na verdade esse texto não é revolucionário nem para o mundo externo da produção de conhecimento científico e tampouco ao meu blog. Já discuti sobre epistemologia e em diversos posts desse blog. Nada mais escrevo aqui do que a forma de comunicação intelectual que considero mais eficiente.

De início cito uma lembrança de um vídeo que me trouxe algumas reflexões racionais e éticas. Um pálido ponto azul (the pale blue dot) que, se não me engano, é baseado num texto de Carl Sagan.

Falando superficialmente, o que o texto disse foi o seguinte: isso que vemos como imensidão e chamamos de mundo não passa de um pálido ponto azul no meio do universo imenso. Noutras palavras, o texto quis dizer que o nosso mundo não significa nada e que, conseqüentemente, nós também não significamos nada diante da imensidão do universo. Uma mensagem que salienta a necessidade de humildade.

Eu, ao entrar em contato com a informação acerca da dimensão do mundo, pelo contrário, não pensei que não somos nada, mas que somos tudo. Noutras palavras, do ponto de vista ontológico, eu vejo todas as coisas como sendo inseparavelmente conectadas ao ponto de poder dizer que nós somos o universo e vice-versa.

E no final, por mais que tenhamos feito uma viagem de raciocínio diferente, chegamos à conclusões parecidas. Afinal, se todos são um, apenas um indivíduo não pode se considerar como algo à parte (melhor), especial, digno de mais. E a conclusão de Sagan foi parecida: tudo aquilo a que damos valor não é assim tão especial. No final das contas, cada um de nós à sua maneira, estávamos julgando e condenando idealismos e atrocidades cometidas pelo ser humano em nome de algo “especial”.

Nossos pensamentos percorreram caminhos diferentes por causa de uma pequena premissa: ele presumiu que o pálido ponto azul (isso ficou implícito em julgar sua insignificância) é separado do resto do universo e eu que esse ponto é o universo. Noutras palavras, eu vejo tudo como um e ele como uma grande multiplicidade de diferentes e separados fatores.
É claro que as visões, ao menos do meu ponto de vista, são de caráter pessoal: ele olha e ver diversos organismos, eu olho e vejo um só.

Se ele não tivesse emitido seus juízos eu jamais teria pensado a mesma coisa que ele. A pura informação me levaria a conclusões totalmente diferentes, a despeito do fato de que ele acredita que qualquer um que veja tal coisa deva chegar à mesma conclusão que ele.

Daí decorre que nem sempre a mensagem (que existe em forma de pensamento) é traduzida perfeitamente para o agente passivo do processo de comunicação.

Por isso que saliento a importância da exploração de todas as premissas utilizadas na construção de um pensamento bem como a forma através da qual se construirá o conhecimento tendo por base tais premissas (porque uma premissa pode levar a diferentes conclusões). É sempre interessante criar esse itinerário para a expressão do pensamento porque isso facilitará a compreensão (trazendo críticas mais fundamentais e produtivas) como também eliminará a possibilidade de o pensamento ser interpretado como algo imperativo: afinal, assim o leitor tem a possibilidade de questionar fácil e claramente o fundamento do pensamento estando certo de que não está cometendo algum equívoco interpretativo (assim, se torna positivo para ambos os tipos que eu defini). Além disso, dessa maneira uma pessoa que se guia por premissas diferentes e por uma epistemologia diversa pode absorver a informação como o ponto de vista do autor ao invés de simplesmente discordar e não absorver por considerar um mero erro.

Se tal “exploração” das premissas e do método epistemológico não for feita detalhadamente, provavelmente aqueles que não acreditam nas premissas do autor vão começar a discordar do texto no começo e desconstruirão o conhecimento ao invés de agregá-lo e construí-lo.

Depois que tal conflito se inicia com a desconstrução, fica difícil dizer quem distorce o discurso de quem: o autor pode estar distorcendo a crítica e o crítico distorcendo o discurso do autor. Se inicia um “duélogo”.

Um ponto importante e salientado em outros posts é que seja exposto, sem piedade, o caráter metafísico inerente da metafísica escolhida. Do ponto de vista absoluto, sempre há algo no nosso pensamento que é injustificável(de origem psicológica pessoal). Por maior que seja nossa rigidez, o conhecimento é um fluido. Isso se aplica especialmente quando estudamos o ser humano com sua plasticidade. Afinal, não se pode definir um pensamento completamente.

O paradigma ao qual eu fiz alusão sobre a inseparabilidade é um juízo de valor sentimental e traz diversas influências sobre meu pensamento: Ele torna inacetiável o sistema de disputas do capitalismo, já que, segundo tal ponto de partida, eu estaria entrando em conflito comigo mesmo ao conflitar com o outro. Daí decorre que uma visão poilitico-social adequada a esse ponto de partida seria aquela em que ninguém está acima de ninguém (na prática) e que todos cooperam voluntariamente pelo bem coletivo (porque o coletivo coopera para o individual).

No entanto, seria irresponsabilidade substituir o paradigma mecanicista (divisibilidade, simplicidade e estabilidade) por esse de modo absoluto. Isso porque o paradigma citado possui implicações práticas que saltam aos olhos. Por mais que eu acredite que a matéria é, em essência, feita de não-matéria, não há como lidarmos com ela, na prática, partindo de tal premissa (não no presente momento). E esse é um forte argumento sobre a validade do paradigma antigo. Só não é possível, com esse, explicar algo relativo ao convívio humano, porque as premissas simplificadoras simplesmente não dão conta da plasticidade de um pensamento (que não é matéria e nem energia).

Creio que tal forma de expor um pensamento o torne mais inteligível e ordenado, sendo essa uma forma aceitável de expormos nosso pensamento através dessa linguagem deficiente.

A divergência entre Freud e Jung





O texto fala por si próprio...


JUNG, Carl Gustav. Freud e a Psicanálise. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 1998, 3ª edição, volume IV das Obras Completas.



NOTA: Os números em colchetes referem-se à numeração original dos parágrafos e serve como referência para citação bibliográfica.



[768] Sobre a diferença entre os pontos de vista de Freud e os meus, deveria, na verdade, escrever alguém que estivesse fora do circuito das idéias que se chamam "Freud" e "Jung". Não sei se mereço que me confiem aquela objetividade que me sobreleva, imparcialmente, acima de minhas próprias idéias. Será que alguém consegue isso? Duvido. Mas se alguém aparentemente conseguir esta façanha digna de um Barão de Münchhausen, então aposto que as idéias não são, em última análise, as suas.

[769] É verdade que idéias amplamente aceitas já não constituem propriedade do autor; ele se toma, antes, um serviçal de suas idéias. Idéias impressionantes, chamadas de idéias verdadeiras, têm algo de peculiar. Elas brotam da intemporalidade, de um sempre estar presente, de uma raiz primitiva materna e psíquica, a partir da qual se desenvolve o espírito efêmero da pessoa individual como a planta que floresce, frutifica, dá sementes e morre. As idéias brotam de algo maior do que da pessoa humana singular. Não as fazemos, elas nos fazem.

[770] Por um lado, idéias são confissão fatal que trazem à luz não apenas o melhor de nós, mas também nossas mais recônditas insuficiências e misérias pessoais. Idéias exclusivamente sobre psicologia! Donde mais poderiam provir que não do mais subjetivo? A experiência do objeto pode escudar-nos da parcialidade subjetiva? Toda experiência não é ela, ao menos em sua metade, de caráter subjetivo? O subjetivo, por sua vez, também é um dado objetivo, um pedaço do mundo. Tudo o que dele provém resulta, em última análise, da composição do mundo, como o mais raro e estranho ser vivente é sustentado e nutrido também pela terra, comum a todos nós. São precisamente as idéias subjetivas que estão mais próximas da natureza e da essência e, por isso, pode-se dizer que são as mais verdadeiras. Mas, "o que é a verdade?”

[771] No tocante à psicologia, acho melhor renunciar à idéia de que estejamos hoje em condições de fazer afirmações "verdadeiras" ou "corretas" sobre a essência da psique. O melhor que conseguimos fazer são expressões verdadeiras. Entendo por expressões verdadeiras uma confissão e uma apresentação detalhada do que se observa subjetivamente. Alguém colocará ênfase especial na forma do que encontrou e se arvorará em autor do seu achado, outro dará mais importância à observação e falará daquilo que se manifesta, valorizando sua atitude receptiva. A verdade estará provavelmente entre ambos: a verdadeira expressão é a que dá forma à observação.

[772] Tudo se resolve neste receber e neste proceder, e o psicólogo de hoje, por mais ambiciosa que seja sua pretensão, só disso pode vangloriar-se. Nossa psicologia é uma confissão de alguns poucos, formulada de modo mais ou menos feliz; e na medida que eles integram mais ou menos um tipo, sua confissão pode ser aceita por muitos outros como descrição bastante válida. Podemos concluir também que àqueles que apresentam outro tipo, mas que pertencem ao gênero das pessoas humanas, aplica-se também esta confissão, ainda que em menor proporção. O que Freud tem a dizer sobre a importância da sexualidade, do prazer infantil e de seu conflito com o "princípio da realidade" é, em primeiro lugar, a mais verdadeira expressão de sua psicologia pessoal. É uma formulação feliz daquilo que observou subjetivamente. Não sou um opositor de Freud, ainda que a visão míope dele próprio e de sua escola insistam em qualificar-me dessa forma. Nenhum psiquiatra experimentado pode negar ter vivenciado dúzias de casos cuja psicologia condiz com a de Freud em todos os aspectos essenciais. Por isso Freud contribuiu, exatamente com sua confissão mais subjetiva, para o nascimento de uma grande verdade humana. Ele mesmo é o exemplo clássico de sua psicologia e dedicou sua vida e trabalho à realização dessa tarefa.

[773] Nosso modo de ser condiciona nosso modo de ver. Outras pessoas tendo outra psicologia vêem e exprimem outras coisas e de outro modo. Isto o demonstrou logo um dos primeiros discípulos de Freud: Alfred Adler. Ele apresentava o mesmo material empírico de um ponto de vista bem diferente, e sua maneira de ver é, no mínimo, tão convincente quanto a de Freud, porque também Adler representa um tipo de psicologia que encontramos com freqüência. Sei que os seguidores de ambas as escolas me consideram, sem mais, no caminho errado, mas a história e os pensadores imparciais me darão razão. Não posso deixar de criticar as duas escolas por interpretarem as pessoas demasiadamente pelo lado patológico e por seus defeitos. Exemplo convincente disso é a impossibilidade de Freud de entender a vivência religiosa1.

[774] Eu prefiro entender as pessoas a partir de sua saúde e gostaria de libertar os doentes daquela psicologia que Freud coloca em cada página de suas obras. Não consigo ver onde Freud consegue ir além de sua própria psicologia e como poderá aliviar o doente de um sofrimento do qual o próprio médico padece. Sua psicologia é a psicologia de um estado neurótico de determinado cunho e, por isso, Freud é verdadeiro e válido, mesmo quando diz uma inverdade, pois também isto faz parte do quadro geral e traz a verdade de uma confissão. Mas não é uma psicologia sã — e isto é sintoma de morbidade — baseada numa cosmovisão acrítica e inconsciente, capaz de estreitar muito o horizonte da visão e da experiência. Foi um grande erro de Freud ter ignorado a filosofia. Jamais critica suas suposições, nunca questiona suas premissas psíquicas. Em minhas preleções anteriores deixei claro que isto é uma necessidade; a crítica de seus próprios fundamentos não teria permitido que expusesse de modo tão ingênuo sua psicologia original2. Em todos os casos teria experimentado as dificuldades que eu encontro. Nunca recusei a bebida agridoce da filosofia crítica, mas procurei sempre, ao menos por precaução, tomar pequenas doses. Muito pouco, dirão meus adversários. Quase demais, diz minha sensibilidade. A autocrítica envenena facilmente o precioso bem da ingenuidade, aquele dom indispensável a qualquer ser criado. De qualquer modo, a crítica filosófica me ajudou a perceber que toda psicologia — inclusive a minha — tem o caráter de uma confissão subjetiva. Tenho que refrear meu poder de crítica para que não destrua minha criatividade. Sei muito bem que toda palavra que pronuncio traz consigo algo de mim mesmo — do meu eu especial e único, com sua história particular e seu mundo todo próprio. Mesmo ao lidar com dados empíricos, estou falando necessariamente de mim mesmo. Mas, aceitando isto como algo inevitável, posso colaborar para o conhecimento do homem pelo homem — uma causa à qual Freud também quis servir e serviu, apesar de tudo. O conhecimento não reside apenas na verdade, mas também no erro.

[775] O reconhecimento do caráter subjetivo da psicologia que cada um produz é talvez o ponto que mais me separa de Freud.

[776] Outro ponto que nos diferencia parece-me o fato de que eu me esforço por não ter pressuposições inconscientes e, por isso, não-críticas sobre o mundo em geral. Eu disse "eu me esforço", pois quem está absolutamente certo de não ter pressuposições inconscientes? Esforço-me por evitar, ao menos, os preconceitos mais grosseiros e, por isso, estou inclinado a reconhecer todos os deuses possíveis, supondo que eles atuam na psique humana. Não duvido de que os instintos naturais se desdobrem grandemente no campo psíquico, quer seja o eros, quer a vontade de poder; não duvido também de que esses instintos entrem em colisão com o espírito, pois sempre estão colidindo com algo, e por que esse algo não pode ser chamado "espírito"? Assim como não sei o que é o espírito em si, da mesma forma não sei o que são "instintos". Ambos são misteriosos para mim; e não posso explicá-los como se um fosse equívoco do outro. Não é nenhum equívoco que a terra só tenha uma lua. Na natureza não há equívocos; estes só existem no campo daquilo que o homem chama "inteligência". Instinto e espírito estão além da minha inteligência; são conceitos que consideramos desconhecidos, mas que são tremendamente operantes.

[777] Minha atitude é, portanto, positiva com relação a todas as religiões. No seu conteúdo doutrinário reconheço aquelas imagens que encontrei nos sonhos e fantasias de meus pacientes. Em sua moral vejo as mesmas ou semelhantes tentativas que fazem meus pacientes, por intuição ou inspiração próprias, para encontrar o caminho certo de lidar com as forças psíquicas. O sagrado comércio, os rituais, as iniciações e a ascese são de grande interesse para mim como técnicas alternativas e formais de testemunhar o caminho certo. Também é positiva minha atitude para com a biologia e para com o empirismo das ciências naturais em geral; nelas vejo uma tentativa hercúlea de entender o íntimo da psique partindo de fora. Num movimento inverso, considero também a gnose religiosa um empreendimento gigantesco do espírito humano que tenta extrair um conhecimento do mundo a partir do interior. Na minha concepção do mundo há um grande exterior e um grande interior; entre esses pólos está o homem que se volta ora para um, ora para outro e, de acordo com seu temperamento e disposição, toma um ou outro como verdade absoluta e, conseqüentemente, nega e/ou sacrifica um pelo outro.

[778] Esta imagem é uma pressuposição — mas naturalmente uma pressuposição da qual não gostaria de abrir mão, pois é muito valiosa para mim como hipótese. Eu a considero heurística e empiricamente demonstrada para mim e confirmada pelo consenso dos povos (consensus gentium). Esta hipótese que certamente brotou de dentro de mim mesmo, ainda que eu julgue tê-la extraído da experiência, foi a responsável por minha teoria dos tipos e minha reconciliação com pontos de vista tão divergentes como, por exemplo, os de FREUD.

[779] Em tudo o que acontece no mundo, vejo o jogo dos opostos e dessa concepção derivo minha idéia de energia psíquica. Acho que a energia psíquica envolve o jogo dos opostos de modo semelhante como a energia física envolve uma diferença de potencial, isto é, a existência de opostos como calor-frio, alto-baixo etc. Freud começou por considerar como única força propulsora psíquica a sexualidade e, somente após minha ruptura com ele, levou também outros fatores em consideração. Eu, porém, reuni os diversos impulsos ou forças psíquicas — todos constituídos mais ou menos ad hoc — sob o conceito de energia a fim de eliminar a arbitrariedade quase inevitável de uma psicologia que lida exclusivamente com a força. Portanto, já não falo de forças ou de impulsos individuais, mas de "intensidades de valores" 3. Com isso não pretendo negar a importância da sexualidade na vida psíquica, conforme Freud me acusa de fazê-lo. O que pretendo é colocar limites à terminologia avassaladora do sexo que vicia toda discussão da psique humana e, também, colocar a própria sexualidade em seu lugar.

[780] O bom senso dirá sempre que a sexualidade é apenas um dos instintos biológicos, apenas uma das funções psicológicas, ainda que muito abrangente e importante. Mas o que acontecerá se, por exemplo, não conseguirmos mais comer? Sem dúvida está muito conturbada, hoje, a esfera psíquica da sexualidade; é semelhante à situação de um dente que dói e parece que toda a constituição psíquica é pura dor de dente. A espécie de sexualidade que Freud descreve é aquela obsessão sexual inequívoca que se encontra sempre que um paciente chegou ao ponto de ter que ser aliciado ou forçado para fora de uma situação ou atitude errôneas, uma espécie de sexualidade represada que volta às proporções normais logo que esteja desimpedido o caminho para sua expansão. Na maioria das vezes é o atolamento nos ressentimentos familiares e as delongas emocionais do "romance familiar" que levam ao represamento da energia vital, e é este represamento que infalivelmente se manifesta sob a forma da sexualidade, que chamamos infantil. Trata-se de uma sexualidade impropriamente dita, de uma descarga de tensões que estariam mais bem estabelecidas em outro campo existencial. O que adianta, pois, ficar navegando neste terreno totalmente inundado? É muito mais importante — ao menos é isto que parece à minha compreensão retilínea — abrir canais de descarga, isto é, encontrar uma nova atitude ou novo modo de vida que forneça um declive conveniente para a energia encurralada. Caso contrário, teremos um círculo vicioso, e é isto que me parece a psicologia de Freud. Falta-lhe qualquer possibilidade de contornar o ciclo inexorável dos eventos biológicos. Desesperados, temos que bradar com Paulo: "Homem miserável que sou, quem me salvará do corpo dessa morte?" E o nosso homem espiritual se apresentará, meneando a cabeça, e dirá com Fausto: "Você está consciente de apenas um impulso", ou seja, do laço carnal que leva de volta ao pai e à mãe ou para adiante, para os filhos que nasceram de nossa carne, um "incesto" com o passado e um "incesto" com o futuro, o pecado original da perpetuarão do "romance familiar". Nada nos liberta disso, a não ser o espírito que é o outro pólo do acontecer no mundo; não são os filhos da carne, mas os "filhos de Deus" que experimentarão a liberdade. Na tragédia de Ernst Barlach, O dia mortal, diz o demônio materno ao final do romance familiar: "Estranho é apenas que o homem não queira aprender que seu pai é Deus". E é isto que Freud nunca quis aprender e contra o que voltam todos os seus adeptos ou, ao menos, não encontram para isso a chave. A teologia não vem ao encontro do pesquisador porque ela exige fé, e esta é um carisma autêntico e verdadeiro que ninguém pode fabricar. Nós modernos estamos predestinados a viver novamente o espírito, isto é, a fazer uma experiência primitiva. Esta é a única possibilidade de romper o círculo vicioso dos eventos biológicos.

[781] Este ponto de vista é a terceira característica que diferencia minhas concepções das de Freud. E por isso me acusam de misticismo. Contudo, não sou responsável pelo fato de o homem espontaneamente ter desenvolvido, sempre e em toda parte, uma função religiosa e que, por isso, a psique humana está imbuída e trançada de sentimentos e idéias religiosos desde os tempos imemoriais. Quem não enxerga este aspecto da psique humana é cego, e quem quiser recusá-lo ou explicá-lo racionalmente não tem senso de realidade. Ou será que, por exemplo, o complexo de pai que perpassa toda a escola de Freud, desde seu fundador até o último membro, trouxe alguma libertação notável dessa fatalidade do romance familiar? Este complexo de pai, com sua rigidez e hipersensibilidade fanáticas, é uma função religiosa mal compreendida, um misticismo que se apoderou do biológico e do familiar. Com seu conceito de "superego", Freud tenta introduzir furtivamente sua antiga imagem de Jeová na teoria psicológica. Essas coisas, a gente as diz bem claramente. Prefiro dar às coisas os nomes que sempre tiveram.

[782] A roda da história não deve ser tocada para trás e o passo do homem para o espiritual, que já começou com os ritos de iniciação primitivos, não deve ser negado. É óbvio que a ciência não só pode, mas deve selecionar campos de atuação com hipóteses bem definidas; mas a psique é uma totalidade superior à consciência, é a mãe e pressuposição da consciência e, por isso, a ciência é apenas uma de suas funções que jamais esgotará a plenitude de sua vida. O psicoterapeuta não deve refugiar-se no ângulo patológico e recusar terminantemente a idéia de que a psique doente é uma psique humana que, apesar de sua doença, participa do todo da vida psíquica da humanidade. Ele tem que admitir, inclusive, que o eu está doente porque foi cortado do todo e porque perdeu sua conexão com a humanidade e com o espírito. O eu é realmente o "lugar do medo", como diz acertadamente Freud 4, mas só enquanto isto não se referir ao pai ou à mãe. Freud sucumbe diante da pergunta de Nicodemos: "Pode alguém voltar ao ventre da mãe e nascer de novo?" A história se repete — se for permitido comparar grandes com pequenas coisas — na briga doméstica da psicologia moderna.

[783] Desde séculos incontáveis, os ritos de iniciação falam do nascimento a partir do espírito, e estranhamente o homem esquece sempre de novo como entender a geração divina. Isto não demonstra uma força especial do espírito, mas as conseqüências da incompreensão manifestam-se como perturbações neuróticas, amargura, estreitamento e avidez. É fácil expulsar o espírito, mas na sopa falta o sal, "o sal da terra". O espírito comprova sua força no fato de a doutrina essencial das antigas iniciações ter sido transmitida de geração em geração. Sempre houve pessoas que entenderam o que significava ser Deus o seu pai. O equilíbrio entre carne e espírito é conservado nesta esfera.

[784] A oposição entre Freud e eu repousa essencialmente na diferença de pressupostos básicos. Pressupostos são inevitáveis e porque são inevitáveis não se deve dar a impressão de que não os tenhamos. Por isso eu trouxe à luz, sobretudo, os aspectos fundamentais; a partir deles é possível entender melhor as várias diferenças, inclusive em seus detalhes, entre a concepção de Freud e a minha.

1 Die Zukunft einer Illusion.
2 Cf. Freud, Die Traumdeutung.
3 Cf.Über psychische Energetik und das Wesen der Traume (Obras Completas, VIII, 1967).
4 Das Ich und das Es.

A batalha(aliança) contra(com) Mefistófeles




- O muro foi ultrapassado. Agora você deve acertar a testa do morto vivo. - Disse a Deusa flutuando com os pés sobre nuvens

Havia um zumbi amarrado num altar. Sua cabeça se movia freneticamente. Queria se soltar a todo o custo. Seu aspecto era ao mesmo tempo deplorável e agressivo. Era careca e sua pele estava apodrecendo.
Parei diante dele para esmurrar sua testa, mas ele não parava de se mover. Tentava morder minha mão.
Em reação a isso, me concentrei olhando nos olhos dele. Consegui fazê-lo parar com a força do meu pensamento e ele começou a em fitar confuso.
Dei um passo para trás e esmurrei sua testa com toda força, ao que se abriu um buraco do qual saiu um anel. Ele parecia ser feito duma mistura de ossos com metal. Havia um pequeno crânio do que parecia uma mistura de bode e homem. Tinha dentes de sabre e chifres, mas a forma geral era humana. Da boca aberta saia um chama, da qual eu pude intuir que surgia o poder das trevas.
O anel me apaixonou profundamente. Eu queria o poder maligno nele contido. Era como se ele fosse uma parte minha a muito perdida e que eu reencontrava.

Ao tomar posse do anel e colocá-lo no anelar direito, o chão se abriu em chamas e fui levado ao inferno. Nada ali me assustava, porque eu reconhecia meu poder demoníaco. Mefistófeles, um demônios que tinha pelo menos três vezes o meu tamanho, veio até mim.

- Porque você me invoca? - perguntou ele
- Não te invoquei em momento algum.
- Então porque usa o meu anel? é louco? Devolva-o imediatamente!
- Não devolverei. Quero esse anel e hei de ficar com ele.

Mefistófeles, então, avançou contra mim buscando tomar de volta seu anel, porque não aceitava tal aliança, ao que pulei e acertei sua testa com um soco. Ele não foi destruído pelo soco, mas eu fui levado de volta para diante do altar do morto vivo.

- Você colocou o anel, então?

A Deusa fez uma pergunta retórica. Ela parecia orgulhosa de mim, e isso me agradou profundamente. Foi um prazer imenso poder agradar a ela e a mim mesmo de uma só vez.

E assim ficou selada a aliança entre o reino das trevas e o mundano. Meu dedo queimava com o anel, meu coração queimava de poder. Sim, o poder do conflto que se tornou aliança. Do mal que vem pra bem. Do princípio negro que vem completar minha existência.

Sobre a dualidade da ética

Eis aí um tema discutido incansavelmente. Sobre o que é a Moral e sobre qual é seu fundamento. O primeiro post do meu blog trata desse tema, mas agora ele só serve como histórico: minha opinião mudou tão radicalmente(ou nem tanto) que achei necessário refazer todo o discurso, tornando-o mais completo.


Duvido, honestamente, que alguém que esteja lendo isso tenha visto o outro post, mas vou comentar minha mudanças de opinião dentro de um capítulo nesse mesmo texto. Será simples: é só pular essa parte e continuar até o próximo subtítulo: Sobre a nova visão. O novo insight será exposto como novo.

Sobre as mudanças no paradigma

“Falo mesmo pelo meu próprio código de ética, que na parte relacionada a sentimentos é muito restrito justamente porque, comigo, os sentimentos que são fortes o bastante para me mover são direcionados a poucas pessoas, sobrando para as outras a ajuda motivada pelo código.”

Nesse caso a falta de fundamento mais profundo me impeliu a exprimir a idéia de forma incompleta. Enquanto introvertido, é natural que apenas poucos fiquem próximos, pois para isso seria necessário que entrassem no meu mundo. Daí decorre que apenas com a força da consciência eu conseguia agir de forma ética para aquelas pessoas que não “existem” no meu mundo. Não é bem por não me importar com elas, mas sim pelo fato de que, como disse, é como se ela não existissem.
“Um sujeito egoísta tende a agregar perto de si outros igualmente egoístas. Assim, ele consegue sucesso e dinheiro, mas todos os que o envolvem só querem isso. Para esses, a companhia dele não é importante, mas o dinheiro e o sucesso sim. Daí decorre que indivíduos que não cooperam, voluntariamente não conseguem fixar laços afetivos. Colocam amores e amizades abaixo de desejos por dinheiro e poder e acabam descobrindo tarde demais quais são as coisas mais valiosas.”

Eis aí um erro. Uma pessoa não precisa ser materialista para ser egoísta e não precisa ser egoísta para ser materialista. Pelo contrário, pessoas egoístas agregam em torno de si aquelas que podem ser sugadas: justamente as altruístas. Algo parecido com a relação entro eco e Narciso. Existem vampiros psíquicos que não estão, em absoluto, interessados em bens materiais, mas apenas em sugar energia. Pessoas egoístas não atraem esses vampiros e, portanto, nesse ponto, estão protegidas e o egoísmo não é completamente negativo a curto prazo.

Comecei a explorar o universo extrovertido da ética, e justamente porque ele era o menos desenvolvido, tive mais atenção no que dizia:

“E não é só no sentido mais intimo que a moral (baseada na ética) trás benefícios ao indivíduo, pois é obvio para quem observa o mundo de modo mais amplo que o companheirismo e a ética é tudo o que precisamos para um verdadeiro progresso. (...) Sendo assim, a moral baseada na premissa de que nós devemos pensar sempre no bem coletivo, nunca o negligenciando por causa de benefícios desnecessários e também nunca fazendo nada contra a sociedade, pois ela é a mãe de todos e dela que todos recebem o que têm.”

Cheguei no ponto essencial nessa frase, embroa eu não o tenha explorado tão profundamente quanto pretendo fazer agora nessa parte:
“Assim, deve-se refletir num principio moral pessoal que beneficie a sociedade e o individuo. O meu código é muito longo na minha mente, com diversas clausulas, mas pode ser facilmente abstraído dos seus princípios básicos. Todos os itens funcionam para o pessoa e para o coletivo (com variação obvia de intensidade) e devem ser igualmente buscados para si e para os outros. Conhecimento, Liberdade, justiça e Amor.”

Os quatro princípios sempre foram fundamentais, mas eu hoje os separo em apenas dois: os introvertidos e os extrovertidos. Conhecimento e liberdade não podem ser transmitidos com tanta intensidade quanto amor e justiça. Afinal, eis aí a grande falha do nosso sistema de ensino: O ser humano não pode ter sua liberdade violada ao ponto de alguém dizer a ele o que é interessante que ele aprenda. O próprio conhecimento, já que é imposto, não é absorvido. Depois de algum tempo, a maioria das pessoas simplesmente esquece daquilo que aprendeu no colégio. Daí decorra que o conhecimento é muito mais um despertar: se pessoa está realmente interessada, então esse conhecimento se integrará nela. Caso contrário, ele só será uma memória efêmera e desconectada da totalidade paradigmatica. Daí decorre que a busca de conhecimento é muito para voltada para o íntimo do que para o coletivo, de forma que passar conhecimentos para fora não é tão fácil. Passar liberdade adiante é quase utopia. Afinal, grande parte das prisões dos homens são criadas por eles mesmos. Reconhecendo isso ou não, o fato de que o outro diz para ele se libertar é inútil. Somente o indivíduo pode libertar-se de si mesmo e ele não pode delegar essa responsabilidade a ninguém. Os outros princípios precisam ser mais claramente explorados e vou fazer isso no capítulo seguinte.

“‘Minha religião é o amor’ é uma frase que da uma base perfeita à moral sentimental destituída de fundamentos ontológicos que, por sua natureza quimérica, são frágeis.”

Minha visão sobre a metafísica e foi revista e totalmente alterada em reflexões recentes, então esse é um ponto que eu simplesmente me forço a remover. Os sentiemntos formam a metafísica da pessoa, então essas ontologias SÃO os sentimentos, de forma que não devem ser negligenciadas. Apenas seria útil que elas não carregassem consigo uma carga grande demais de convicção.

A explicação subseqüente no texto acerca dos tipos psicologicos nem merece comentário: a descarto.

Sobre a nova visão

Em primeiro lugar, vamos à etimologia. Moral vem de Mores, do latim, que quer dizer comportamento, conduta, costumes. Quando falamos num código moral, estamos procurando definir um código de conduta que deveria ser seguido pelos indivíduos a fim de dar ordem ao mundo.
Essa definição amplamente aceita embarca apenas um universo: o externo. E, no entanto, existe outro universo, que é o interno. Apesar de estarem intimamente ligados, sendo inseparáveis, os dois universos possuem regras completamente diferentes, de forma que quando o indivíduo toma o funcionamento de um como premissa para lidar com o outro surgem duas formas aberrantes de comportamento.
A primeira é mais conhecida, porque vivenciamos na nossa sociedade cristã: a moral externa se impondo à interna. Com essa distorção, pretendendo que uma parte englobe o todo, se criou um código moral totalmente doentio, pois ele simplesmente contradiz a existência humana. Seguir tais códigos no mundo interno presume negar a si mesmo. No momento em que o indivíduo “decide” que deve ser do bem e lutar contra o mal, ele nega uma realidade: o mal existe dentro dele. Por mais que ele se esforce, não há como simplesmente reprimir uma parte de si mesmo e se santificar por meio de uma convicção. Por mais que não queiram acreditar nisso, nossa consciência não tem poder absoluto sobre o que somos. Nada mais fazemos do que decidir seguir as orientações do íntimo ou não.
Isso sem falar sobre regras que não são mais válidas, como a abstinência sexual. Sem me aprofundar, é bom lemrbar que no momento em que tal “mandamento” foi criado não existiam camisinhas. Hoje em dia, mesmo nas implicações práticas, essa regra moral é inútil e prejudicial, pois coloca repressões no pensamento e no sentimento das pessoas, castrando seu desenvolvimento.
De um modo geral, isso é fruto da nossa visão de que o que é natural não é bom. De que deve ser renovado, purificado, santificado. De que “isto não poderia ter acontecido”.
Mas o mundo interno simplesmente não pode aceitar tal pensamento, e é por isso que deve ser difícil para um introvertido lidar com essa cultura: afinal, ele sabe que tudo o que ele é contradiz seu ideal.
É justamente por isso que o ideal é uma farsa: porque ele pretende forçar o homem a ser algo que ele não é. Essas regras, reconheço, forame são úteis, mas estão ultrapassadas e precisam ser profundamente revistas. Em relação a isso nesse mesmo texto pretendo apresentar uma proposta que está longe de ser só minha.
Por outro lado, também existe a moral interna. Essa serve como reguladora de outro universo. Um universo que se guia pro regras diferentes: naturais. Quem já conhece tal universo deve saber que não há como molda-lo com regras. Que ele contém opostos racionalmente impossíveis de serem reconciliados. Na verdade, nesse universo existe tudo aquilo que desprezamos em nós mesmos ou , em caso de projeções, nos “outros”.
É um mundo “incoerente”. Cheio de símbolos, totalmente fora de controle. Você não pode controla-lo com artifícios ou força de vontade. Pelo contrário, é mais sensato aprender com esse mundo do que tentar simplesmente submete-lo.
Nesse mundo não há separação entre o bem e o mal, e por isso coisas aparentemente impossíveis serão vistas. Por exemplo, num fragmento de uma grande fantasia que tenho, dois primos representam o ódio e o amor. Apesar de serem tão contrastantes, eles são amigos íntimos.
Pareceria racional, no mundo externo, que os dois fossem oponentes, mas no mundo interno não há essa separação nítida entre o bom e o mau, o certo e o errado. Por lá, o bem é liberdade, onde nenhuma das partes é reprimida por conta do mundo de fora e o mal é a escravidão, seja por processos internos que querem dominar todo o universo ou por influencia do mundo externo. Da mesma forma que, se você ferir o código moral de fora, as pessoas protestarão contra seu comportamento, se você ferir o de dentro o seu íntimo se revoltará contra você de diversas maneiras. Dentre elas posso citar doenças psicossomáticas, surtos depressivos e complexos poderosos.
Não há motivo para se supor que o mundo externo é mais importante que o interno e vice-versa: são complementares e completamente interdependentes.
Aliás, é interessante notar como, por meio de sonhos e fantasias, o próprio mundo interno nos pede para termos atenção com a existência externa. Por mais que isso seja com pouca freqüência, o externo também faz isso.
As exigências do mundo interno são simples: desperte para o que você realmente é. Encontre aquele valioso conhecimento dentro de si mesmo. A Gnose...
Mas a tentativa de viver segundo as regras desse mundo interno no externo se mostra, no mínimo, engraçada.
Afinal, teríamos que viver numa caverna, apenas com uma cobra e uma águia, tal como o Zaratustra, ou vivermos isolado num mosteiro em reflexão profunda.
E isso quer dizer que deveríamos negligenciar o mundo externo em detrimento do interno.
Mas o espírito tampouco suporta tal situação a não ser que esteja cegado por alguma convicção. Até Zaratustra me apóia:

“Pois bem: já estou tão enfastiado da minha sabedoria, como a abelha que acumulasse demasiado mel. Necessito mãos que se estendam para mim.”

(preâmbulo de Zaratustra)

Recolher-se sobre si mesmo indefinidamente causa um vazio no ser humano, porque é da nossa natureza a necessidade de conexão com os outros. E se formos longe demais, podemos perder o contato com o outro por completo, o que significa um severo dano á nossa psique. É como meu “velocista”:

“A musculatura da perna é forte
Ele avança determinado
Cruzarei a linha de chegada
Diz ele em seu coração

(...)

Tenta enfrentar seu medo
Enquanto corre devagar
Pobre coitado
Só tem uma perna...”

Não se pode seguir apenas a moral de um dos universos e o preço é existir como O velocista: Correndo devagar, pois embora seja forte, é só uma perna.
Para isso deve-se propor, então, um caminho mediano entre um mundo e outro e é justamente aí que o problema começa. Jung disse que há sempre um conflito entre a moralidade de fora e a de dentro. Eis aí uma verdade.

No artigo “A DIMENSÃO ÉTICA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA: INDIVIDUAÇÃO COMO ‘REALIZAÇÃO MORAL’”, Marco Heleno Barreto traz uma ótima explicação a respeito disso e deixou fragmentos da obra Junguiana citados por ele aqui como ilustração da minha visão.

“Embora todo ato de conscientização seja no mínimo um passo adiante no caminho da individuação, ou seja, da ‘totalização’ do indivíduo, a integração da personalidade é inconcebível sem a relação responsável, ou seja, moral das partes entre si, assim como é impossível a constituição de um país sem a inter-relação de seus membros. Portanto, o problema ético se coloca por si, e é primariamente a tarefa do psicólogo encontrar uma resposta ou ajudar seu paciente a encontrá-la”

“A questão [terapêutica] propõe-se do seguinte modo: o que, para este indivíduo, e neste dado momento, surge como um progresso à altura da vida? Isto não pode ser respondido por nenhuma ciência, por nenhuma sabedoria de vida, por nenhuma religião, por nenhum bom conselho, mas só pela consideração absolutamente sem preconceitos da semente de vida psicológica que se expande da cooperação natural do consciente e do inconsciente, por um lado, e do individual e coletivo, por outro.”

“Por outro lado, é imperativo observar que o confronto entre Eu e Si mesmo tem necessariamente como pano de fundo a comunidade ética a que o sujeito solicitado pelo impulso de individuação pertence. Isso entranha duas consequências: a primeira é que o abandono – doloroso, para um sujeito ético – das diretrizes morais comunitárias não significa arbitrariedade ou anomia, mas sim o encontro de uma lei que Jung afirma ser mais severa do que qualquer outra lei: a lei que determina os contornos da própria individualidade (Jarret, 1988). A segunda – que nada mais é do que a outra face da primeira – é que a anuência ao impulso de individuação, representando frequentemente uma transgressão ou uma ultrapassagem dos valores estabelecidos que regem a vida de uma comunidade ética, impõe ao indivíduo a dolorosa experiência de sua própria solidão, consequência inevitável da ruptura da inconsciente adesão ao grupo social. Evidentemente, isso não significa o cancelamento da socialidade que define essencialmente o ser humano, mas a transformação da relação intersubjetiva para o indivíduo: acirra-se a necessidade agudamente sentida de comunicação em profundidade com o outro, e a construção dessa comunicação aparece como uma exigência constitutiva da própria individuação. Jung reiteradamente insiste em que a individuação só pode se dar no mundo e não leva a um isolamento do sujeito, implicando sempre a interação intersubjetiva, a comunicação humana profunda.”


E por Jarret:

“Não devemos entender o indivíduo como voltado para dentro apenas sobre si mesmo; senão a individuação levaria ao completo desaparecimento do indivíduo são. Ele deve reaparecer de novo. […] Não faz sentido voltar-se para dentro – desaparecer – se você não retornar com uma mensagem para as pessoas que estão fora”

Como foi demonstrado com as citações, a organização do mundo interno depende do externo e vice versa. Se assemelha, aliás, a uma passagem do livro A republica de Platão, onde ele estabelece um paralelo entre a ordem do mundo interno dos homens e da sociedade que eles constroem. Nossa sociedade é bem extrovertida e coloca os indivíduos para se voltarem ao seu funcionamento. Apesar disso, como uma contradição, ela é extremamente violenta, injusta e desigual. Sobre isso, não consigo deixar de concluir que é a negligencia com o mundo interno que trás tais conseqüências da mesma maneira que negligenciar o outro torna difícil, senão impossível, a individuação, de maneira que o convívio externo é essencial para o crescimento íntimo.
Deve-se, ao invés de buscar isolamento ou de negar-se em prol do externo, haver um equilíbrio, sem o qual continuaremos vivendo numa sociedade doente constituída por pessoas doentes simplesmente porque se identificam apenas com metade do “biverso” no qual todos vivemos.
Posso imaginar o que essa avalanche de idéias e sentimentos podem estar gerando em vc. Espero que vc as utilize bem, em seu processo de transformação pessoal.

Eu vou lembrar

Daquilo que foi,
E que ainda é.
Que esqueci,
Que tive que esquecer.

Vou lembrar de você,
De nós, de tudo.
E aí haverá simbiose,
Sim, o fim da separação.

O Portão do submundo
Cairá por terra.
Ele mesmo será a ponte,
E me levará a outro domínio.

Aí poderei chegar aí.
No seu universo...

Vou me queimar no teu fogo,
Refrescar-me no teu rio.
Eu vou voar nas tuas nuvens,
Deixar o meu rastro.

Quando isso acontecer,
Eu serei eu
Porque eu hoje sou uma miragem
Um vulto no nevoeiro...

Sobre o fundamento do mal e seu funcionamento

Percebi que há um princípio para o mal que vai além de todas as formas de corrupção. Essas, conforme percebemos, se guiam em determinadas direções em busca de certos objetivos, mas o mal em si não é pessoal. É tão impessoal quanto universal: todos os homens têm essa essência maligna em si.
Esse fator sombrio que reveste os homens é visto e tratado por eles de formas diversas. Para alguns, com o paradigma maniqueísta, esse mal é projetado no mundo externo. Assim, o mal reside no Diabo, no capitalismo, no comunismo, no fascismo, na religião alheia, etc.
É difícil para um religioso que acredita numa figura como a do Diabo assumir que essa “entidade” possua o mesmo direito de perdão. Pelo contrário, o paradigma deles é: “Satanás, debaixo do meu pe”.
Isso ocorre basicamente porque essas pessoas precisam de um objeto externo para direcionarem seu ódio. Precisam, acima de tudo projetar a própria essência maligna num objeto externo, já que seus paradigmas racionais negam o mal e sua consciência não parece estar pronta para confronta-lo.
Não posso deixar de citar o caso de um indivíduo chamado Lindomar, que ficou célebre na internet por ter atacado uma empregada que havia agredido crianças das quais tomava conta. Ora, não há nenhuma diferença entre o ataque de Lindomar e o da empregada a não ser o fato de que, socialmente, Lindomar estava justificado e foi apoiado em massa.
Isso porque quem não tem consciência do mal dentro de si necessita depositar o que há de maligno nalgum vilão e, especialmente, precisa descarregar sua raiva contra esse vilão. Como tais projeções são irrefletidas, é comum que o vilão não seja de fato um vilão.
Outros, por outro lado, se identificam com esses complexos sombrios em suas mais diversas formas, e, motivados por essa identificação sucumbem ao domínio de impulsos incontroláveis e destrutivos.
Dessa forma, se identificam com algum tipo de mal: alguns são assassinos, outros ladrões, outros hipócritas, outros compulsivos por poder. Criam racionalizações para justificarem suas atitudes. Por exemplo, há ladrões compulsivos que alegam a necessidade do roubo, há assassinos que encontram as mais diversas justificativas para dar continuidade aos seus impulsos de assassínio, e assim em diante, todos encontram sua justificativa.
A partir disso fui levado a concluir que os criminosos e aqueles que se sentem indignados com esses são movidos justamente pelos mesmos impulsos: os impulsos sombrios.
Quem rouba de ladrões é ladrão, assim como um matador de assassinos é um criminoso. Se deixarem de tentar justificar seus impulsos com eventos externos perceberão que participam de um conflito em que um alimenta o outro.
Esse é um dos motivos pelos quais a guerra no oriente médio não acaba, e também é um dos motivos pelos quais o bandido odeia e polícia e a polícia o bandido. A polícia está socialmente justificada para publico (ou parte dele) quando ataca bandidos, e esses estão justificados entre si.
O que observei é que o que alimenta esses conflitos não são apenas as circunstancias, mas apenas o fato de que eles querem algo para odiar, algo para destruir. Afinal, por mais que sejam precárias, há escolhas para as pessoas: ela decidem entrar num dos lados da guerra.
Mas o mal em si é impessoal. Ele não visa destruir essa pessoa, essa organização ou mesmo esse mundo¹. É apenas uma força natural que se contrapõe com o bem direta e indiferenciadamente. Tomar consciência de que seu ódio não precisa de um inimigo, mas que na verdade ele existe por si só ajuda o indivíduo e controlar tais impulsos². Temos, na nossa época, diversas ferramentas para deixarmos fluir tais impulsos, tais como jogos eletrônicos, manifestações artísticas diversas e artes marciais. Dessa maneira, podemos matar, roubar, escravizar civilizações e cometer diversas outras atrocidades através do ambiente virtual, e, dependendo do indivíduo, isso pode bastar para aliviar suas tensões malignas, sendo uma via de saída. Isso, por outro lado, também pode despertar o mal do indivíduo, trazendo comportamentos destrutivos: Só depende do indivíduo em si. Eu mesmo, aliás, costumava apreciar um jogo repleto de violência, no qual minhas próprias pulsões agressivas extravazavam. Hoje em dia, tais pulsões saem em contos e poesias como minhas obras de arte, mas poderia sair em pinturas, música, dança, escultura e qualquer tipo de arte.
Só que essa é apenas uma forma de amenizar o problema, pois assim ninguém precisa sofrer com os efeitos práticos do nosso mal. Enquanto não entendemos o significado do nosso mal, não o integramos e continuamos sujeitos a sermos dominados por eles.
Ora, para falarmos do lado sombrio do ser humano não basta a racionalidade (que nos manteria num lugar moralmente cômodo). Não basta observarmos de forma sistemática o comportamento daqueles que apresentam tais condutas. Para termos uma visão mais completa e, acima de tudo, mais humana, precisamos dar lugar à subjetividade, fazendo uma viagem pelo próprio lado negro sem restrições morais maniqueístas. Somente através da consciência vivencial é que poderemos realmente entender o lado negro da existência. Assim, é bom que se tenha em mente que apresentarei certos modelos que não passam de ideais. Eu jamais aceitaria que esses ideais fossem plasmados em outras pessoas, pois o grau de subjetividade do próprio mal é enorme e não pode se enquadrado em padrões. Pretendo dar, no entanto, um fundamento teórico sobre o qual poder-se-á perceber pela intuição o mal se manifestando. Assim poderemos entender pessoas que se encaixam em tais padrões em maior ou menor intensidade, e também aqueles que são possuídos por um tipo de mal que vai para além desses ideais. Com o passar do tempo, espero ter acumulado experiência suficiente para dar uma boa luz e um bom fundamento intuitivo para a percepção do mal e para lidarmos com ele. Nesse momento, no entanto, o que escrevo é elementar: Chega a ser uma brincadeira.
Quero, também, ressaltar que o mal é, por vezes mascarado, mas que seus efeitos são sempre idênticos. Sempre resulta em mentiras, manipulação, assassínios, obsessão pelo poder, etc. Pode ser chamado de justiça, de revolução, de proteção contra ameaças ou de Nova ordem mundial. As facetas do mal não o revelam por inteiro, pois quando identificamos o mal apenas por uma de suas vertentes ele se torna nebuloso.
O mal, em primeiro lugar, não é unilateral. Pelo contrário, não só ele se confronta com o bem, mas também contra si mesmo. Assim, é provável que aqueles que proclamam uma revolução contra o mal sejam igualmente maléficos: todo ditador já foi um salvador.
Sempre que algo que consideramos maligno é combatido com o mau em si, isso quer dizer que o que vem em seguida não difere em nada do que veio antes. É apenas o mal, que vai além de “ismos”, sob uma nova mascara.
Um bom exemplo é a sucessão de presidentes americanos financiados pela wall street, que, um atrás do outro, são a esperança no começo e a desgraça no fim.
Ora, o ódio contra o mal é o próprio mal: só se pode realmente apresentar uma contraposição ao mal com o bem. De outra maneira, o mal se manterá através de sua natureza cíclica e tomando “ismos” como máscara.
As diferentes formas de manifestação do mal não se excluem, de maneira que um só indivíduo pode se encaixar em todos os “tipos”. Para isso, basta que ele tenha passado por uma experiência que tenha despertado o arquétipo em questão (como o de Hermes para ladrões) para que este tenha se tornado complexo.
É ingenuidade pensarmos que o bem simplesmente vence o mal: não podemos ajudar um raivoso ou um ladrão simplesmente dando amor a eles. Alguns nem concebem o que seja amor, outros podem apenas pensar que mentimos. Tratar o mal com o mal, por outro lado, só alimenta este: podemos remediar o mal usando mal, mas não elimina-lo. Logo que o indivíduo se perceber livre de vigia ele deixará sair seu mal, que foi ampliado com punições.
O processo deve ser lento, dando atenção ao tipo psicológico, à história de vida, aos tipos de comportamento (porque são simbólicos) e à receptividade do indivíduo. É provável que resistam, que mintam sobre estarem recuperados dentre outras falcatruas. Encher o peito porque uma pessoa se recuperou será, via de regra, ser apenas uma marionete de um complexo (autônomo) do individuo tratado.

“Sombra e luz, escuridão e claridade. Essa realidade dupla forma o interior do ser humano, que tenta negar-se a cada dia, enganando-se. A maioria das pessoas quer ser apenas luz. Recusam-se a identificar a sombra que faz parte delas. Religiosos de um modo geral falam de um lado sombrio, diabólico, umbralino, como se esse lado escuro fosse algo externo, ruim, execrável. Até quando negar a realidade íntima? Até quando adiar o conhecimento do mundo interno? Várias tentativas foram realizadas para conscientizar o homem terreno de que as chamadas trevas exteriores são apenas o reflexo do que existe dentro dele. Luz e sombra são aspectos internos do ser e não representam necessariamente um lado ruim e outro bom. A sombra não é pior do que a luz. Apenas faz parte de um equilíbrio universal ainda necessário para a visão do homem terrestre. São dois pólos de uma verdade interna, mais profunda. A sombra representa um aspecto transitório, porém necessário para o ser reavaliar-se ante os apelos da vida e as lutas que o fizeram ser o que é. Essa transitoriedade em qualquer plano da vida é uma etapa de aprendizado, adaptação, revisão dos valores adquiridos em lutas e desafios na grande jornada interna, pessoal, íntima. Portanto, viver esse lado de forma mais plena, conhecer-se mais profundamente, enfrentar-se sem mascarar-se talvez seja um caminho mais excelente — parafraseando o apóstolo Paulo — do que aquele que as religiões do mundo vêm oferecendo e que se reflete em fugas da realidade. Quando é proposta a realização de uma excursão aos domínios das sombras, espera-se que haja coragem para admitir que esse reino obscuro tem sua raiz dentro do próprio ser humano. Ele não existe à parte ou em separado. (...). Esse mundo de trevas e escuridão é algo muito enraizado no ser humano; não é realidade extrahumana, mas intra-humana. Se você evita conhecer-se, rejeitando que é simultaneamente sombra e luz, não há razão para prosseguir nesta jornada de descobrimento interno. Adentrar o umbral ou o astral é se obrigar a penetrar na própria sombra. Conhecer as estruturas internas das falanges do mal é, sobretudo, conhecer a própria capacidade de esparzir escuridão em si e em torno de si. Descer aos domínios das trevas e tomar conhecimento de seus métodos, de suas falanges, de sua força talvez seja uma forma de se revelar — trazer à consciência a própria realidade. Admitir-se, sem culpas e sem máscaras. O passado humano é fixo e dependente de conceitos religiosos deturpados e castradores, que foram amplamente difundidos e ainda estão arraigados no psiquismo, mesmo naqueles que afirmam rechaçar atualmente qualquer crença. Isso faz com que o ser humano, principalmente aquele mais apegado às questões religiosas, negue a verdade de sua sombra.”.

(Legião - um olhar sobre o reino das sombras – Ângelo Inácio (Robson Pinheito))
(http://www.scribd.com/doc/3506214/Legiao-Um-olhar-sobre-o-reino-das-sombras-Angelo-Inacio)

1 – Afinal, se destruísse precisaria criar um novo inimigo, porque, por mais que o odeie, precisa dele.
2 – A não ser, é claro, que ele não tenha um ego forte o bastante para suportar a pressão de admitir o mal. Nesse caso, talvez seja melhor apenas encontrar uma forma de canalizar as projeções para que, do ponto de vista coletivo, causem mais construção do que destruição (como já acontece nos casos em que o indivíduo odeia o mal) ao colocar o mal contra si da forma mais isolada possível.

Gaia e Daemon


- You’re wrong!
- Como posso estar errado se nem ao menos estou certo de nada?
- Está certo sim. Você sabe. Está errado em negar isso.

Estava eu e Gaia num escuto total. A voz de fora clamou por um caminho cercado por flores, e ele surgiu. Gaia começou a flutuar por ele, e eu a acompanhei andando até que também consegui flutuar.

- Porque tão calada, minha Deusa?

Ela nada respondeu e a voz de fora clamou por um portal e ele surgiu. Gaia o abriu e entrou por ele, ao que eu a segui. Lá dentro tudo era escuro até que a voz de fora camou por um jardim, que surgiu. Mandou-nos sentar num banco, que surgiu. Gaia se sentou e recebemos a escolha de deitar. Fomos a um pano forrado na grama e ficamos olhando para o céu.

- Porque tão calada, minha amada?
- Pra que falar mais? Já disse o que tinha que dizer, agora você precisa sentir.

A deusa colocou-se sobre mim com sua boca no meu pescoço. No beijamos, nos abraçamos. Senti o calor, o contato. Uma sensação muito agradável. Nos beijamos suavemente.
A voz de fora clamou que visualizássemos aquilo definido como Anima, ao que Gaia se transformou numa menina. Aquela com a qual me relacionei a algum tempo. Ela se tornou pó e foi embora. Não me tocou em nenhum momento. Tão bela e, no entanto, tão frágil que o vento a carrega. De aparência tão concreta, mas tão desconexa.
Depois disso ela se transformou numa mulher mais velha, com a qual me relacionei. Tão alta. Quase do meu tamanho. Ela se transformou em fumaça e me envolveu como um tornado. Mas não me atormentava: me abraçava. Levou-me até o céu e depois me soltou.
A terceira era uma paixão impossível que tive, que mesmo sendo impossível causou um envolvimento beirando as barreiras éticas, mas nunca as transgredindo. Ela era gigante, e seu rosto, antes tão amistoso e amável, tinha um ar de malícia. Me fitava do alto e eu a fitava. Não havia reação da minha parte em relação a ela assim como as três primeiras.
Depois ela desapareceu e surgiu uma com seus cabelos loiros, ao que, logo em seguida, surgiu outra com os cabelos cacheados. Elas eram uma, e se uniram. Num aspecto meio fantasmagórico, era metade uma e metade outras, mas eu sabia que ambas eram inteiras. Elas se mantinham juntas por serem, ambas, filhas de Gaia.

Então a voz de fora me falou algo que ignorei. Gaia voou até o alto céu, e eu fui capaz de acompanha-la. Voamos rápido, e o terreno do mundo mudava enquanto nos movíamos. Primeiro vi uma floresta densa. Nada se via senão um verde intenso de arvores. Depois o inferno. Era um solo negro e rachado com algumas partes repletas de magma vulcânico. Havia algumas nuvens ali que surgiam e sumiam.
Depois eu vislumbrei uma grande montanha no horizonte e chegamos em calotas de Gelo. Ignorando-as, voamos até o sue limiar e descemos até o mar. Era negro e estava calmo.
Voamos na beira da água e nosso rastro ficava como o de uma lancha na água.
Paramos no meio do mar, entre as calotas e a montanha e a Deusa afundou minha cabeça na água como quem vai afogar, mas eu não me assustei.
- Está fria?
- Não.

Ela afundou minha cabeça na água de novo e me mandou abrir os olhos. Havia luz de cima penetrando a água, embora ela fosse negra. Estava vazia em principio, mas logo se formou um vulto. Esse vulto foi se aproximando e percebi que era uma grande baleia. Ela nadou até mim e ficou parada diante de mim. A fitei, mas nada senti ou pensei.
Gaia me levantou e voamos até a base da montanha, onde havia uma entrada circular. Nos levava a um túnel que daria no fundo da montanha. Gaia permaneceu do lado direito da entrada.

- Você não vem comigo, minha deusa?
- Não. Este é o fim do meu domínio.

Através de uma intuição, uma certeza íntima, eu sabia que isso era verdade, então entrei.
O túnel estava escuro, mas eu sabia exatamente quando mudar de direção. Depois de alguns instantes eu acendi uma luz que ficava na minha cabeça, como de um minerador até que isso se tornou desnecessário porque o caminho passou a apresentar iluminação própria.
Cheguei ao fim numa grande luz. Abri os olhos.
A voz de fora disse algo, mas a tempo que eu havia me tornado incapaz de ouvi-la. Fechei meus olhos e me encontrei em meio a escuridão. Surgiu um tornado envolvido por radio e começou a percorrer uma trilha cíclica. Nessa trilha se formou um circulo luminoso e esse determinava onde era o chão em meio a escuridão. Então os raios passaram a atingir o chão aleatoriamente até que um maior atingiu o centro e surgiu uma chama onde ele caiu. Era Daemon.

- Ela te levou à epistemologia e você não aprendeu nada? Eu sou você e não sou. Às vezes estou contigo e as vezes estou no espaço.

A voz de fora me convocou para voltar ao mundo real, e foi o que fiz.

Você também sente?



Quando te olho,
Sinto uma chama secular
Vejo-te como uma deusa
Amiga, amante, esposa, mãe, irmã.

São diferentes formas de amor
Todas unidas numa só
Que não podem se distinguir
Não podem se separar

Quando vejo teus olhos
Penso que já nasceram me conhecendo
Que quando pousaram sobre mim
Só se lembraram

Isso porque eu me sinto assim
Como que desperto para ti
Sim, me lembro de você.
Filha da Deusa

Você também sente esse amor?
Esse que une sem prender?
Que liberta sem deixar só?
Que não pode ser definido, mas apenas sentido?

Biohazard: a limpeza (parte 4)


Zumbis...
Um adjetivo simplório que eu costumava atribuir àqueles que não pensavam por conta própria. Sempre notei, no mundo, um conflito entre bem e mal, onde o mal é a escravidão e o bem a liberdade. Sempre acreditei que conseguiríamos vencer. Que o ser humano é destinado a ser livre. Mas isso não aconteceu. Somente a fatalidade existe agora. As esperanças acabaram, esse é o fim da humanidade.

- ô Roberto. Bora planejar?
- Sim, vamos.

Isabela chegou do meu lado, abraçou meu braço e sussurrou no meu ouvido.

- Há uma saída alternativa. Um duto de esgoto que sai no depósito e vai direto para a rua.
- Porque você não fala isso a todos? – sussurrei a ela em resposta
- Porque a minha alma precisa ainda se construir. Respeite meu tempo.
- Tudo bem.

Os soldados e o sargento nos olhavam. Pareciam um pouco confusos.

- Escutem. Essas coisas são extremamente irracionais, então podemos usar isso como vantagem. Há uma saída pelo esgoto que usaremos como plano B. Se algo sair errado, os que saírem entram pelo esgoto.
- Mas aí eles entram no mercado, porra.
- Não. Nós temos muita munição. Eles vão descer um por um. Os corpos vão se empilhar.
- Caralho, você é cruel.
- Se eu não for, eles serão.
- Então ta tudo certo. Costa, você vem comigo. Roberto, você explode o carro. Vocês três vão me dar cobertura pelo telhado.

O sargento realmente tinha voz de comando. Sua voz transmitia um ar de dignidade que nos impelia à obediência. Claro que tudo foi questionado e estabelecido, mas isso poderia, noutra circunstancia, ser uma forma de alienar indivíduos.
Foi difícil para mim subir no telhado: o rifle é muito pesado. Na em cima, notei que eram muitos os monstros. Um certo desespero tomou conta de mim. Aquela multidão me apavorava profundamente. Um mar de mortos, todos prontos para me devorar.
fixei o rifle no chão apontado para o tanque de um carro a uns quinhentos metros de distância. Olhei para os soldados, que tinham rádios e receberiam o aviso de “Ok” do sargento.
Os soldados me deram o sinal e eu disparei alguns tiros contra o carro. A primeira rajada não surtiu efeito, mas a segunda causou uma grande explosão. Como eu havia planejado, explodiu também outro carro que estava bem ao lado na mesma garagem. Os monstros correram desesperadamente naquela direção. Apenas um ficou. Talvez esteja surdo. Acertei um tiro na cabeça dele, e isso me trouxe uma sensação de bem estar. Sem estar vivendo isso eu jamais acreditaria no prazer de matar. Agora que matar se tornou justificado, posso saborear esse prazer sem nenhum limite. Matei mais dois eu corriam e deitei no telhado. Olhei pro céu. Estava cheio de nuvens, mas claro. Pela posição do sol, suponho que seja manhã. Não tenho relógio.
Um monstro notou Alberto e o sargento Silva instalando o explosivo e berrou, ao que um soldado imediatamente lhe meteu uma bala na cabeça. Mas isso foi inútil. Os monstros não eram tão burros quanto se imaginava, e logo percebi a horda correndo de volta desesperada. Eles pareciam ter ódio nos olhos, um ódio mais perceptível.
Matei alguns, mas viraram na esquina e o cinema me impedia de atirar neles. Corri para a parte dos fundos pelo telhado e de lá já pude vê-los chegando.

- O esgoto, porra! O esgoto! – gritei a um dos soldados.

O sargento correu em direção ao esgoto e Alberto veio para a porta dos fundos. Isabela havia trancado essa porta. Havia um deles logo atrás de Alberto, e o mordeu, ao que ele disparou três tiros com a pistola na cabeça do agressor.
Correu desesperado para o esgoto em que o sargento já havia entrado e tentamos, como pudemos, dar cobertura a ele. Eu preferi matar os que vinham mais distantes por medo de acertá-lo.
Ele pulou dentro do esgoto, e os monstros fizeram o mesmo. A ação dos monstros foi tão parecida com a dele que desconfiei eu ele também estaria infectado.
Desci do telhado correndo e caí de cabeça no chão. Fiquei conto, mas continuei correndo, batendo nas prateleiras e derrubando produtos. Cheguei na abertura de esgoto e ouvi os gritos do sargento. Abri e ele subiu desesperado. Alberto estava parado no meio do caminho tentando criar a parede.

- Ele foi mordido, sargento. Já era.
- Caralho, então eles vão vir pra cá. Tão fazendo o que no telhado, soldados? Cai pra cá, caralho!

Alberto chegou diante da escada com a pistola na mão. Parou e nos olhou por uns instantes. Pensamos que ele poderia estar ainda consciente, ma ele berrou e tentou súber a escada para dentro do mercado, ao eu o matamos.

- A gente não pode atirar ao mesmo tempo, Roberto. Vamos ficar sem munição ao mesmo tempo, e aí fodeu.
- Beleza.

Sargento Silva estava nervoso, mas não perdeu o controle. Ficou atirando nos monstros assim que se achegavam na escada. Um tiro de cada vez. Pegou minha arma e também atirou com ela. Largou o dele para eu recarregar, mas eu não sabia fazer isso. Por sorte, esse fuzil continha trinta balas, e eu só havia dado uns dez tiros. Então ele foi matando um por um, até que os soldados chegaram começaram a atira também.
A montanha de mortos foi se avolumando, e no final os mortos já tinham que arrastar os corpos para fora do caminho. Mesmo assim, com o tempo isso se mostrou inútil.
Como eventualmente algum poderia conseguir passar, colocamos uma caixa grande cheia de ração para cachorro em cima do bueiro.
- cadê aquela vadia!? – gritou o sargento.
- Que foi, cara? – disse eu.
- Ela amtou o Alberto, caralho! Puta de merda!
- Mato pe o caralho. Se ele entrasse aquele monstro entrava também. Ele tava na cola do Alberto.
- Vai tomar no cu! Ta defendendo ela porque ta apaixonadinho, seu viado. Ela fez merda. Caralho, ele atirava bem! Ela nem agüenta o peso de um fuzil! Puta que o pariu!
- Vai à merda, porra. Quer dizer que ele só te servia pra atirar. Seu egoísta.
- Cadê ela?

Isabela entrou no depósito com uma pistola na mão.

- Sei atirar sim. Posso te matar agora, seu estuprador de merda.
- Os soldados apontaram os fuzis para ela e eu apontei minha pistola para eles.
- Vai ficar do lado dela mesmo, Roberto. Vocês dois são inúteis. Não têm nenhum treinamento. Se matarmos você a gente não perde nada.
- Augusto - falou um dos soldados abaixando a arma.
- Eu? Disse eu
- É esse o meu nome. Meu nome não é soldado.

Ficamos por alguns instantes em silêncio, E augusto passou para o nosso lado.

- Agora são três contra três.
- Caralho, Palhares. Vai trair seu sargento?
- Prefiro te trair do eu trair a mim mesmo. Tomar no cu, você ta errado.
- Errado nada, cara. Ela fechou a porta e o costa morreu!
- Se ela não tivesse fechado eles iam entrar.
- Iam porra nenhuma!
- Não há utilidade em brigarmos entre nós. Há uma horda de mortos vivos lá fora. Se não trabalharmos juntos, acabaremos mortos.
- Vai tomar no cu. Eu não vou colaborar com essa vadia.
- Não é vadia...
- É sim. Vamos logo explodir esses miseráveis.

Todos abaixamos as armas e o sargento passou por nós. Foi para a parte da frente do mercado, onde ficava a saída para o telhado. Ouvimos a sirene tocar, e os berros dos monstros correndo até lá. Depois de alguns segundos, a explosão.
O chão tremeu, mas estávamos os três parados ali. O que seria de nós dali pra frente?

- Augusto. – disse eu
- Oi – respondeu ele.
- Valeu. Você nos salvou.
- Digo o mesmo, cara. Me salvaram dessa servidão. Nem tinha mais sentido obedecer ao sargento se o exercito caiu.
- Caiu?
- É. Agora só vai sobreviver quem conseguir chegar no sul. Ninguém vai vir resgatar sobreviventes.

O velocista

A musculatura da perna é forte,
Ele avança determinado.
Cruzarei a linha de chegada,
Diz ele em seu coração.

Mas se é tão forte,
Porque corre tão devagar?
Como pode chegar a tempo,
Se não possui forças para tal?

O seu treinamento é obstinado.
Ele possui força própria invejável.
Mas correr até o fim pede mais,
Pede o auxílio da Deusa...

No entanto, o tolo velocista,
Por algum louco motivo,
Teme a presença da deusa.
Não sabe porque, mas teme.

Tenta enfrentar seu medo
Enquanto corre devagar
Pobre coitado
Só tem uma perna...

Individualidade, individuação e as múltiplas personalidades (complexos)

A pouco mais de um ano algo me ocorreu de repente e acabei desenvolvendo isso racionalmente como “as múltiplas personalidades comuns”. O título, na época, me pareceu perfeito.
O que observei, naquela época, foi que as pessoas possuem, não uma, mas varias personalidades. Observei, também, quem algumas personalidades predominam sobre outras em certos indivíduos segundo o ambiente em que ele foi criado. Se ele se criou num ambiente agressivo, seria forçoso aceitar que seu psiquismo sentiu a necessidade de adapta-lo a esse ambiente tornando-o violento. Para mim, tal esquema poderia realmente definir a plasticidade humana. Eram formas primordiais que esperavam apenas um estímulo externo para se manifestarem.
A despeito da minha pretensão de ser original, esse assunto já havia sido explorado por Jung, e no final das contas as nossas conclusões são extremamente parecidas. É como se tivéssemos acessado a mesma fonte e definido o que vimos com diferentes formas de racionalização.
Como eu não havia encontrado a totalidade (e ainda não encontrei) meu esquema não presumia essa ordem teleológica de caminho para o total.
Pelo contrário, o indivíduo estaria destinado a se dividir de forma absoluta.
Assim, ele teria sua personalidade agressiva para a hora oportuna, sua personalidade amorosa para a hora oportuna. Todas as personalidades com suas peculiaridades estavam sob o controle de uma maior. Eu tinha um dúvida fatal, que minou a construção do meu raciocínio. Seria uma dessas personalidades (a dominante) que coordenava as outras?
Para mim parecia irracional, pois a personalidade que eu acreditava ser minha principal entrava em contradição direta com outras, e ainda assim as aceitava.
Ora, a dominante era claramente parcial, e como todas as outras, abominava seu oposto. Daí decorre que deveria haver mais uma personalidade, que estaria coordenando todas as outras.
Mas que personalidade seria essa? Eu não fazia a menor idéia.
Aos poucos essa idéia adormeceu, pois eu concentrei minha energia noutros assuntos, e acabou por voltar depois, quando comecei a estudar a psicologia junguiana.
Segundo Jung, existem complexos psicológico que são atrelados à arquétipos do inconsciente coletivo. Esses arquétipos são, como no meu pensamento, imagens primordiais. Há relativa autonomia no complexos, de forma que ele podem, efetivamente, ser tomados por personalidade separadas.
Mas o pensamento de Jung se difere do meu quando postula que esses complexos devem ser explorados e integrados. Talvez eu tenha entendido mal o pensamento do notável psicólogo, mas na minha visão, certos fragmentos deveriam ser reservado à funções específicas e não integrados: porque se fossem parte do nosso pensamento central, então as implicações éticas seriam terríveis. Entrei em contato com conteúdos verdadeiramente inaceitáveis para chegar a tais conclusões.
O interessante do pensamento Junguiano é que esses complexos são definidos de forma mais completa, apesar de muito parecida. Digo isso porque, depois de ler algumas obras de Jung, voltei-me para tudo o que se passava na minha mente e descobri um caminho bem definido. Era como se, efetivamente, tudo o que se construiu em mim (tanto sentimentos como pensamentos) estivesse acontecendo para me levar a algum lugar. Mas que lugar eu não fazia (não faço) a menor idéia.
Paixões aparentemente sem nenhuma causa observável, depois de aceitas e, na fantasia ou na vida, vividas, traziam lições inestimáveis. Muitas dessas lições eu conhecia pela razão, mas somente a vivência me trouxe verdadeiro entendimento. E foi o fato de Jung disse isso que me fascinou em sua obra. Conforme explorei suas obras, percebi que o pensamento dele poderia ser definido como uma amplificação do meu. Como meu próprio pensamento maturado.
Partindo dessa introdução, quero falar sobre assuntos pertinentes: aquilo que chamam de individualidade. Aquela imagem com a qual as pessoas se identificam e dizem: eu sou isso ou, eu sou assim. Para falar sobre isso, usarei em paralelo o que sei sobre a abordagem Junguiana e a minha desenvolvida como uma brincadeira de construção de conhecimento psicológico.
As personalidades parciais ou os complexos são, de um modo geral, aquilo que as pessoas definem como o que são. Assim, quando um indivíduo, por sua vivência, diz que se tornou agressivo, ele nada mais faz do que dar a uma parte um caráter total. Afinal, todo o ser humano possui em si o germe do mal, dando a esse mal a função que ele quiser. Um pacifista possui dentro de si tanto mal quando um psicopata.
Só que no caso do psicopata, ele se identificou com seu fragmento maligno à despeito do todo.
Daí decorre que grande parte do que é definido pelas pessoas como o que elas são nada mais é do que um reflexo de preconceitos e miopias.
Jung diria que meu “identificar-se com um fragmento” seria o mesmo que se identificar com um complexo, que nada mais é do que o arquétipo que recebeu a substancia pessoal. E o arquétipo é, de certa forma, um fragmento do indivíduo.
No meu pensamento, essas personalidades são reflexos de vivências universais, e se tivermos a oportunidade de conhecer todos eles, então seremos o todo. Claro que eu não queria vive-los: era assustador demais.
Mas, de uma maneira ou de outra, fui levado a viver a maior parte deles. Daí, depois de ver o fundamento do meu esquema cair, eu decidi me debruçar sobre o pensamento Junguiano.
Não considero isso como um atentado à liberdade, justamente porque o que me atraiu em primeiro lugar foi a semelhança dos pensamentos. Além do mais, absorver informações dos outros e integrá-las a si é essencial para o desenvolvimento intelectual. Não se trata de memorizar uma passagem ou de ler centenas de livros num anos. Vai para além, no sentido de realmente refletir sobre o pensamento alheio e integrá-lo a si. Nesse sentido, também é interessante integrar conhecimento contrastantes aos paradigmas atuais. Porque esse conhecimento contrastante se afigura como uma excelente forma de entender o outro. Numa analogia que me agrada, não poderíamos julgar a perfeição de um cubo comparando este a um cubo. Ele não possui qualidades cúbicas. Da mesma forma o pensamento alheio deve ser considerado. Não quero, com isso, legitimar qualquer absurdo. Falo, nesse caso, de idéias que tem algum sentido, mas que negamos assim mesmo. O verdadeiro desafio é notar quando alguém diz algo justificável e nós negamos por razões psicológicas (nossa parcialidade).
Voltando ao assunto, Jung postulou o arquétipo do Self, que representa a totalidade do indivíduo. Esse Self, que permite ao indivíduo ser realmente objetivo, seria o resultado da integração de todos os arquétipos à consciência e da utilização de todas as funções psíquicas (sensação, intuição, pensamento e sentimento).
Mas quando o indivíduo chega à objetividade do Self, aquilo que é meramente fruto de sua história de vida se torna menos relevante. O que ele é, é resultado de um caminho, mas não é mais influenciado por esse caminho. Ou seja, agora que sou individuado (integrado, indivisível), não haveria como realmente me distinguir de outro individuado senão pelo caminho. Como se ambos tivessem alcançado a mesma coisa por caminhos diferentes.
Assim, o conceito de individuação estará, efetivamente anulando aquilo que conhecemos como individualidade, pois essa individualidade nada mais é do que parcialidade tipológica e efeito da ação dos complexos.
Não posso, de maneira alguma, justificar esse pensamento. No entanto, o aceito com profundo entusiasmo. É difícil explicar as causas disso: identifiquei causas psicológicas para todos os meus paradigmas até aqui, mas nesse momento não há explicação. É completamente irracional.
Viajei no mundo obscuro da minha mente e voltei com a certeza de que isso é verdade.
Isso com certeza será difícil de assimilar, pois as pessoas, de uma forma geral, dizem que liberdade é podermos fazer “o que der na telha”. Na verdade o que elas chamam de liberdade não passa de servidão. Servem a complexos, a fragmentos de si mesmas e chamam essa servidão de liberdade apenas porque não há um indivíduo fora deliberando por elas. Só que liberdade é existente dentro de cada um, e até um escravo pode ser livre.

“entrevistador: Do you believe it now?
Jung: I don’t have t believe. I know.”

Era/será assim

Repleto de cores,
De aromas.
Era magnífico,
E ilusório.

Mas que importa a realidade?
Como meu espírito se beneficia,
Por eu viver sem fantasia?
Sem ilusão...?

Eu sorria e chorava.
Corria e parava.
Meus olhos pairavam sem se fixar,
Tudo fascinante.

Agora o mundo é monocromático.
Sim, nada me atrai lá fora.
Isso por enquanto,
Porque assim será novamente.

O Ciclo deve recomeçar...
Um tornado que suga,
Leva ao céu.
Transforma homens em deuses...