Contato: Psicologia junguiana e mitologia moderna

Introdução

O presente texto tem como objetivo analisar o filme Contato, baseado no livro de Carl Sagan, tendo como base a psicologia analítica Junguiana. O objetivo é ilustrar o potencial analítico da teoria Junguiana e demonstrar que a profundidade do filme vai além de sua precisão no quesito de ficção científica. Será demonstrado que o filme mostra uma trajetória de vida perfeitamente alinhada com o que a teoria Junguiana poderia prever e que pode explicar, narrar.

A mitologia moderna

Quando se fala em mitologia moderna, há duas referências cruciais. As entrevistas de O poder do Mito, feitas a Joseph Campbell e a George Lucas E uma importante, porém não muito prestigiada obre de Jung: Um mito moderno sobre as coisas vistas no céu.
Ambos seguem a mesma trilha, colocando as obras de ficção, especialmente aquelas relacionadas à vida em outros planetas, como a principal fonte de projeção do Inconsciente na construção de mitos.
Anteriormente, em estágios mais elementares da civilização, nossa ignorância acerca dos elementos da natureza era muito maior. Isso permitia que o ser humano projetasse os conteúdos de sua mente nos elementos “misteriosos” da natureza. Conforme o Nominalismo de Occam[1] surgiu, com sua navalha, ficou difícil que novas formas de mitologia se firmassem, pois tal paradigma lógico trazia diferentes explicações para os elementos vistos anteriormente como sagrados.
Por causa de Navalha de Occam, que afirma que se há duas explicações sobre um fenômeno em igualdade de condições, a mais simples é a verdadeira, explicações fantásticas, resultantes da criatividade humana, que emana do inconsciente, deixaram de se manifestar livremente.
Feliz ou infelizmente, nossa ignorância não foi completamente dizimada: ainda há mistérios acerca de objetos voadores não identificados, supostos relatos de contato com alienígenas, a imensidão do universo, na qual é pouquíssimo provável que só um planeta tenha vida. Porque há mistérios, há o desconhecido, há um espaço através do qual os conteúdos mais profundos da nossa mente pode se manifestar, pela produção de mitos modernos, sejam eles colocados como ficção (como no caso de Guerra nas estrelas) ou como aparições reais de ÓVNIS.
Nosso processo de individuação possui conteúdos que dificilmente podem ser formulados através de uma linguagem excessivamente lógica, especialmente por envolver constantes contradições e conflitos, e é justamente por isso que o mito é essencial: ao mesmo tempo pode ser razoável, minimamente possível, mas ainda assim contém em si algo de irracional, “inexistente”, contraditório, Mágico (tecnológico). Isso, no entanto, não torna essa vivência menos intensa, impressionante, marcante para o nosso processo de crescimento pessoal no sentido de nos tornar quem somos.
O presente trabalho pretende avaliar um caso que ilustra essa noção, para mostrar como, em cada detalhe, o filme ilustra um fenômeno psicológico que vem acontecendo com os seres humanos a milhares de anos, apenas pronunciados de maneira diferente, de acordo com a imagem arquetípica[2] possível em sua época. A pretensão de demonstrar que a jornada da heroína ilustra perfeitamente os conceitos de Jung, ou que eles simplesmente se encaixam na mente do autor.

Jornada pessoal e coletiva

O começo do filme mostra a imensidão do universo, de maneira mais e mais assombrosa, na medida em que a velocidade de distanciamento vai aumentando e percebemos que não somos mais do que um pequeno grão no universo. Toda essa imensidão, que nos faz sentir algo como pequenez, se coloca no olhar idealista e imaginativo de Eleanor Arroway (Jodie Foster), a protagonista. Isso já indica a relação proposta, entre a imensidão do universo e a expansividade praticamente ilimitada da nossa imaginação.
A personagem é órfã de mãe e tem grandes aptidões para matemática, coisa que a torna especialmente apta ao fazer científico. Sendo o grande profeta, aquele que nos trás a verdade nos tempos modernos, o cientista, podemos constatar que a menina era como uma profetisa[3] em potencial, com capacidade para desbravar os segredos do universo e trazê-los de volta para a humanidade.
Seu pai, inicialmente tomando a forma de Animus[4], a auxiliava em seu desenvolvimento intelectual, dando orientações valiosas, mas sempre a estimulando a desenvolver os próprios raciocínios, coisa necessária para sua maturação intelectual. Além disso, essa forte presença masculina lança para ela uma frase marcante: se não há ninguém “lá fora”, então temos um tremendo desperdício de espaço.
É notável que, apesar de todo esse contexto coletivo, ainda assim há algo de pessoal na busca e no aprendizado: Depois que o pai foi dormir, a menina Ellie voltou a utilizar seu radio comunicador, buscando encontrar as ondas sonoras que estariam sendo transmitidas por sua mãe, onde quer que ela estivesse. A carga de energia psíquica[5] que ela concentra na busca de vida fora da terra parece ter uma motivação inconsciente pessoal[6]: A busca dos pais falecidos. A personagem inicia sua jornada sem imaginar os mistérios que irá descobrir, mas com muito potencial.
Como a infância não passa de um prólogo, somos levados adiante para quando a protagonista começa se trabalho no projeto SETI, qual continha todas as suas pretensões do mundo: explorar o universo, descobrindo seus segredos e, com eles, a localização de seus pais. Nesse momento fica clara a superação da Persona[7] e a perseguição dos conteúdos da consciência em contraposição às exigências sociais do meio acadêmico. Nesse meio, afinal, a escolha dela era indigna, desproporcional ao seu potencial de trabalho. Ela poderia ser melhor reconhecida em outro campo, com maior potencial de propiciar lucro. Ao invés disso, ela opta por ser idealista, por realizar seu sonho, mesmo que isso pudesse significar um sacrifício.

O confronto com a Sombra

Segundo o descrito por Jung, a fase do processo de individuação que sucede a superação da Persona é o confronto com a Sombra. E o filme demonstra estar de acordo, quando coloca David Drumlin (Tom Skerritt) em contraposição à tal visão idealista. A relação tensa entre Ellie e Drumlin durante o filme gera no espectador algo como repulsa em relação a David, sentimento este que é característico no fenômeno de projeção de Sombra[8], como o coloca Jung.
O interessante a na relação entre Ellie e Drumlin é que ele não procura, inicialmente, prejudicar a protagonista, mas tem plena convicção de que está fazendo o melhor por ela. Diferente dela, que é idealista, Intuitiva, ele é pragmático, Sensitivo. Podemos ver claramente um conflito entre dois tipos psicológicos fundamentais, sem que, em última instância, possamos determinar quem está correto. Ele se preocupa com o financiamento das pesquisas, que geralmente decorre do lucro que elas produzem, além do financiamento que decorre de áreas mais quentes da ciência[9]. Ao escolher trabalhar no SETI, Ellie se mostrou contrária aos valores mais fundamentais para a mentalidade de David, o que colocou ambos os personagens em franco conflito.
Justamente porque Drumlin não trabalhava no SETI, ele era um cientista com maior reconhecimento. E isso fez com que ele fosse selecionado para dar relatórios e a responder a perguntas referentes à descobertas feitas por Ellie. O que se nota não é especificamente que ele tomou o lugar dela, assumindo responsabilidade por uma descoberta que não foi sua: ele ter sido selecionado para falar publicamente sobre o assunto apenas mostra os frutos de sua visão de mundo. Pragmático, oportunista. Ele possuía Status, reconhecimento. Ela não.
O mesmo acontece quando ele é escolhido para ser o tripulante na viagem: no momento em que ela falha em entender as imposições da sociedade em relação às manifestações religiosas, mantendo-se apegada a um ideal de verdade, ele é pragmático e sua visão, novamente, se mostra mais eficaz. O último encontro pessoal deles, solicitado por ele, é marcante. Como ele diz, é compreensível que ela seja honesta e ele inclusive admira isso, mas não vivemos num mundo assim[10]. Ela, em resposta, diz que pensava que nós que construímos como o mundo é.[11]
Nota-se, nesse diálogo, a dissolução do conflito entre os dois personagens: quando ela retorna à base para monitorar o processo e encontra o fanático religioso disfarçado de técnico, sua primeira reação não é acionar a segurança, mas tentar alertar pessoalmente Drumlin acerca do perigo eminente. Quando a falha na segurança é detectada, seguranças tentam impedir o ataque, mas não conseguem. Apesar da morte do homem que carregava sobre si a projeção da sombra de Ellie, devemos constatar que a relação conflituosa havia sido superada: não sobraram mágoas entre os dois, como é característico de um confronto positivo com a sombra.
A esse respeito, aliás, devemos notar uma maior carga de adaptação ás demandas externas na segunda estrutura. Ao invés de confrontar os japoneses sobre a cadeira que lhe foi imposta, ela aceita a aceita, numa atitude visivelmente pragmática. Embora isso seja contrário ao projeto e, portanto, contrário ao ideal, ela aceita. Isso pode parecer pouco, mas é um grande progresso em relação á Ellie de antes, que pensava só precisar de uma antena maior para encontrar a mãe, ou aquela que abandonou toda a sua carreira acadêmica, com suas imposições para procurar vida fora da terra com um headphone.[12]

A integração de Animus

Tal como Jung não possuía um raciocínio linear, qualquer um que escreva sobre seu pensamento deve abrir mão disso. Portanto, devemos voltar ao tempo e avaliar outros fatos interessantes que aconteceram simultaneamente e que estão imbricados no que já foi dito, mas que tornariam o texto confuso se fossem narrados paralelamente.
Desde pequena, notamos que Eleanor é unilateralmente racional[13] quando ela responde ao padre que se o remédio estivesse no primeiro andar ela poderia salvar seu pai. Em paralelo ao seu idealismo, portanto, também notamos uma posição excessivamente racionalista, controladora, característica do pensamento científico. Esse tipo de unilateralidade, segundo Jung, fere o equilíbrio psíquico, e, portanto, diversos meios surgem para compensar compensá-lo, vindos do inconsciente.
A relação com Palmer Joss (Matthew McConaughey) é interessante para ilustrar isso. É quando ressurge a relação de Ellie com seu Animus[14], que é tanto o elemento masculino em sua mente como o mensageiro entre ela e seu inconsciente. Notamos que a atração de Ellie por Joss é bastante característica de uma projeção de Animus. Apesar de ela inicialmente resistir ao apelo dele, num segundo encontro, ao vê-lo confrontando Drumlin, suas defesas se quebram e os dois saem da festa pra conversar. Nessa ocasião, ela descobre que ele é teólogo, formação que não só é desconsiderada no meio científico: é inclusive por ele descriminada.
A despeito disso, ela se aproxima dele, que num diálogo marcante ele diz uma frase idêntica á que seu pai havia dito: que se não há vida lá fora, então temos um tremendo desperdício. Justamente nesse momento que a transferência de Animus se torna completa. A relação resulta numa consumação física, depois da qual há um diálogo problemático. Eis aí que nos é relevada a morte trágica de seu pai e que sua relação com o masculino de problematiza novamente. Depois desse choque, da lembrança dolorosa e do confronto com a natureza impulsiva e incontrolável do inconsciente, ela novamente recua, se recusando a vivenciar esse tipo de irracionalidade. Firmada ainda na navalha de Occam, ela se nega a aceitar coisas inexplicáveis e fantásticas, que eram características tanto do que Joss falava como do que ela sentia quando em relação com ele.
Joss, no entanto, se torna consultor espiritual da casa branca, o que denota sua percepção aguda em relação aos sentimentos das pessoas, sobre o problema que acomete o espírito humano no nosso tempo: a solidão, a atomização. A falta de conexão com algo maior, inexplicável, imensurável, comum.
E não importa o quanto ela resiste, eles continuam se esbarrando, se cruzando, e seu sentimento continua se tornando mais forte. Fica bastante claro, a cada encontro, que o que reforça essa simpatia não é nada consciente e planejado. É um drama que acontece a eles, onde são ambos passivos, influenciados pela força maior da relação entre Anima e Animus, o masculino e o feminino.
A cena mais marcante, cheia de elementos pessoais, é a pergunta que Joss faz a Ellie: “Você se considera uma pessoa espiritual?” e depois: “Vocês acredita em Deus?”.
Já vimos que havia aí uma imposição social para uma resposta específica, mas nesse momento algo a mais estava acontecendo. Ela foi confrontada com o espiritual, o misterioso, aquilo que acaba sendo retalhado pela navalha de Occam. E se defendeu, com a posição agnóstica de que não entendia a relevância de tal pergunta. Seguindo seus ideais conscientes, segundo os quais ela poderia controlar todos os mistérios do universo pelo princípio da parcimônia[15], ela negou a própria possibilidade de se questionar a respeito de algo maior.
Claro que Joss falou isso muito mais com o intento de mantê-la na terra, por medo de perdê-la (e inclusive isso salvou sua vida), mas a experiência, o confronto com o princípio da espiritualidade, a desarmou em público. Prova de que ela ainda queria ter as respostas a partir do controle das circunstâncias.
Depois de um conflito com Joss a esse respeito, Ellie rompe com ele, devolvendo sua bússola, e se mostra magoada em relação ao que aconteceu, por Drumlin ter sido escolhido falando o que queriam ouvir, enquanto que ela não foi escolhida por ter falado o que realmente pensa.
Logo depois do incidente no qual Drumlin sofre o atentado terrorista e vem a falecer, ela recebe notícia de que há outro dispositivo alienígena, construído numa ilha japonesa. Era a oportunidade que ela precisava para fazer sua viagem, para encontrar as respostas que ela buscava desde sua infância. Na relação dela com Joss, esse é um momento crucial.
Quando eles se encontram novamente, ela já não está mais magoada. Ele confessa que só fez aquilo porque não queria perdê-la, os dois se reaproximam e ele lhe devolve a bússola[16].
A bússola é claramente um símbolo de como o Animus de Eleanor a auxiliaria em sua jornada pelo inconsciente, em sua aventura pelo desconhecido e potencialmente perigoso espaço sideral. Apesar de não tê-lo consigo, tem sua bússola, um símbolo de que apesar de não estar lá com ela, ele a acompanha psicologicamente.
                                                                                 
Uma jornada interrompida

Mas antes de falar sobre a jornada, que é a conclusão de tudo, algo mais ainda deve ser brevemente discutido. O fanático suicida.
Não só no meio científico há uma resistência extremada contra aquilo que é desconhecido. Isso não é uma característica de um grupo ou de uma instituição, mas de indivíduos, que acabam se reunindo e que são numerosos. São indivíduos que escolhem viver unilateralmente e que, portanto, se tornam neuróticos ou até mesmo psicóticos[17]. O suicida é um exemplo interessante de uma pessoa que não conclui o próprio processo de individuação, que é contra a busca dos mistérios do universo, do inconsciente ou de qualquer outra coisa. Homens que pretendem, reafirmando a própria ignorância, exercer um tipo de controle egocêntrico sobre o universo e se sentirem seguros. Buscam, à todo o custo, resistir à natureza misteriosa, incontrolável, autônoma dessas coisas. Se negam a perder o controle, por mais que ele seja uma ilusão. O fanático é um exemplo de indivíduo que não seguiu o mesmo caminho que Ellie: que ficou parado no caminho. Segundo Jung, o que causa a psicose é precisamente algo nesse processo que deu errado, coisa que acontece com certa freqüência.
Vamos, então, à aventura de Eleanor.

O desfecho

Quando a protagonista entra no compartimento, rapidamente é presa a uma cadeira e recebe um microfone e uma câmera, que além de servirem para a comunicação, também recordariam o fato com um tipo de precisão que a memória sozinha não poderia suportar. Além disso, ela é vestida numa armadura, através da qual deveria se proteger de qualquer perigo encontrado no universo. Para o leitor atento e com alguma imaginação, pode-se perceber como é ridícula a pretensão de se proteger de perigos extra-terrestes com uma armadura. Esses foram, no entanto, os mecanismos de segurança (controle) impostos pelos responsáveis, então ela aceitou. Afinal, apesar de estar com maior propensão a aceitar coisas irracionais, incontroláveis, por conta da relação positiva com seu Animus (Joss), ela ainda conservava em si o desejo de controle.
Quando o mecanismo se iniciou, ela continuou tentando se comunicar com a base, afirmando que estava tudo bem e que deveriam continuar. Na conclusão, quando a cápsula foi liberada, sua jornada foi bastante problemática.
Ainda afirmando que estava tudo bem, sofrendo turbulência, ela passa pelos “Wormholes”[18] gritando, assustada com todo aquele processo estranho e incontrolável.
Toda a tensão, no entanto, passa precisamente quando sua bússola[19] se solta e começa a flutuar, indicando que não há gravidade dentro da cápsula. Nesse caso, portanto, o mais lógico a fazer seria abrir mão de todos os mecanismos de controle impostos pela base e seguir o plano estabelecido.
Algo característico do processo de individuação é que ele não pode ser controlado: ele deve fluir, é autônomo. Ele nos vive, e não o contrário. A bússola, representando Joss(Animus), mostrou a ela como ela deveria lidar com a situação. Dessa vez, ela não resistiu mais.
Muitos astros, e caminhos tortuosos pelo universo ela seguiu até chegar ao seu destino: a praia na Flórida, na qual vivia um dos homens que ela contatou em seu rádio comunicador, quando ainda pequena.
Ao reconstruir a praia e tomar a forma do pai de Ellie, o alienígena[20] mostrou algo que ela buscava em seu íntimo, o que a deixou profundamente impressionada e incapaz de se impor com suas perguntas acumuladas por toda uma vida. Antes, ela ficou tão atônita diante da imagem do pai, que ela buscara até então, que foi desarmada. Ao invés de falar a ela sobre problemas que ocupavam sua consciência, o alienígena deu a ela precisamente o que ela precisava ouvir: A consciência de que não estamos sozinhos, de que há algo maior. Algo presente no nosso inconsciente coletivo. Essa vivência, essa espiritualização, é forte, devastadora. Destrói todo e qualquer vestígio da antiga Ellie, quebra a Navalha que ela carregava consigo. Ao invés de combater mistérios com simplificações, ela passa a visualizar uma forma de realidade fantástica, ampla. Acolhedora.
Contrariamente ao seu desejo, ela retorna à terra rapidamente, trazendo consigo o mistério intergaláctico. Trazendo consigo a resposta que a humanidade precisa. Que Joss comunicava por meios religiosos. De que não estamos sozinhos.
Ela retorna individuada, madura. E volta para um grupo de juízes que não conseguem ouvi-la, que não entendem o que ela diz.[21] Que aceitam apenas que sua jornada não durou mais do que alguns segundos na terra, e que não há registros de que qualquer experiência que ela teve tenha sido algo além de sua imaginação. Aplicam o princípio que era a base de suas declarações contra ela mesma, e ela reconhece que faria o mesmo no lugar deles. Mas ela já não era mais parcial. Já não era capaz de negar essa vivência intensa, essa relação com o desconhecido. Ela passou por uma experiência arquetípica, atemporal, sagrada.
Apesar de decidirem que o que ela diz é falso, fora do da audiência a multidão a proclama. Apesar da ausência de evidência, da ausência de provas, todos reconhecem, todos vivem essa experiência. E não há paradigma que possa provar algo assim como sendo falso.
Notamos no filme todo um contexto de física teórica, que preenche a vivência mítica moderna da mesma maneira que a religiosidade o faria num homem vivendo na idade média. Os conceitos de Wormhole, por exemplo, substituindo uma Starway to heaven.[22] Vemos a imagem arquetípica mudar, mas o arquétipo permanecer.


[1] Guilherme de Occam foi um filósofo nominalista da baixa idade média que inseriu o princípio conhecido posteriormente como a Navalha de Occam, um dos principais princípios científicos da modernidade. Esse princípio afirma que se há duas explicações sobre um fenômeno em igualdade de condições, a mais simples é a verdadeira.
[2] Uma imagem arquetípica é um elemento psíquico formado tanto pro estruturas inatas quanto por experiências pessoais. Ela carrega a essência do arquétipo, que é constituinte da nossa estrutura psíquica, e também a substância da nossa vivência pessoal. A imagem arquetípica é a manifestação visível do arquétipo, através da qual detectamos os fenômenos mentais arquetípicos.
[3] O profeta é que dita as verdades, assim como o cientista. Poderíamos dizer, então, que ambos ocupam a mesma posição, arquetipicamente falando, embora a imagem seja diferente.
[4] O personagem, assim como muitos pais, ocupa o único espaço reservado na mente da menina para o aspecto masculino da vida. Um interessante aspecto do Animus é a constante instigação do desenvolvimento intelectual na mulher, coisa que seu pai faz com freqüência. O contato afetivo, notamos, não é menos forte nessa relação.
[5] Notamos a manifestação da energia psíquica diferenciada quando ela busca sua mãe: tamanha é sua motivação, que ela não desiste diante da primeira falha. Essa é uma característica de um alto grau de energia psíquica concentrada na direção de um objetivo específico.
[6] Pode-se perceber, ainda, que essa motivação é de natureza pessoal. No fundo de seu inconsciente pessoal, há o desejo de encontrar a mãe, de conhecê-la. Embora ela não fale sobre isso, essa busca pela mãe e, posteriormente, pelo pai, parece estar presente em toda a sua vida.
[7] Uma persona bastante comum no meio acadêmico é a de professor universitário de grandes universidades e pesquisador de assuntos que geram maior reconhecimento. Vemos Eleanor negar ambas as coisas e se unir ao projeto SETI, que estava próximo de ser encerrado. Fica clara, portanto, a superação da Persona pela personagem.
[8] A forma mais indicada a constatarmos a presença da sombra é sua manifestação de projeção. Através dessa projeção, escolhemos um bode expiatório, que deverá receber em todas as nossas características que não aceitamos. Nesse caso, Ellie não aceita suas caracerísticas mais pragmáticas, que relega à sombra. Drumlin, portanto, com seu pragmatismo, é o objeto perfeito para essa projeção. Notemos que a razão pela qual ela se aborrece por ele é justa e unicamente o fato de ele ser pragmático, nunca idealista.
[9] As ares quentes são, de um modo geral, promissoras em relação à mídia e em relação a lucros futuros, embora não sejam imediatamente lucrativas.
[10] Eis aí uma característica marcante do pensamento pragmático sensitivo: a noção de lidam com a realidade, diferentemente dos idealistas intuitivos. Entende-se que eles sejam mais práticos e que atendam a demandas mais claras, visíveis. E que sua visão de mundo seja adequada a isso.
[11] Vemos Ellie recorre a um conceito bastante abstrato. Uma noção de que somos nós, com nossas atitudes, que moldamos o mundo. Ora, essa é uma visão coerente, e não deixa de ser verdadeira, mas não trás as mesmas implicações que a pragmática. É um ideal parecido com o de Ghandi: devemos ser a mudança que queremos para o mundo. É uma visão coerente, é verdade, mas qual é seu potencial de ação¿
[12] O próprio colaborador dela, cego e que também ouve, coment que esse não é um hábito comum. Ele o faz porque computadores processam muito mais rapidamente esses dados, e muitas freqüências simultaneamente, enquanto que com o headphone você só pode ouvir uma, sendo as chances de se encontrar algo dessa forma é a mesma que ganha na mega-sena dez vezes seguidas.
[13] O tipo racional, segundo definido por Jung, é aquele que busca encontrar todas as resposta para sua vida em critérios lógicos. Outra característica desse tipo é sua necessidade de estabelecer critérios a partir dos quais poderá interpretar todas as coisas em sua vida, não admitindo que qualquer coisa esteja fora de seu controle, ou que simplesmente não responda às regras imposta pela razão.
[14] No momento da morte de seu pai, não nos é mostrada nenhuma outra forma de relação com o Animus até o encontro com Joss. Nesse momento, no entanto, o contato com ele denota a projeção do Animus, que se constata pela atração da personagem pelo teólogo. A transferência da energia concentrada nas lembranças do pai para o pretendente é uma notável manifestação do Animus.
[15] Outra forma de definir a Navalha.
[16] No momento em que ela aceita sua bússola e que a carrega por sua jornada, fica claro como ela integrou em sua consciência os conteúdos de seu Animus, o que é essencial para a sua jornada heróica. O contato com o Self, segundo descrito por Jung, sucede a integração do Animus e geralmente exige essa integração para ser bem sucedido, como será mostrado no desfecho.
[17] Para Jung, as psicoses eram o resultado da falha da mente em restabelecer o equilíbrio psíquico. Quando os elementos do inconsciente, supostamente destinados a curar o indivíduo de suas doenças da alma, não obtem o resultado apropriado, acabam voltando-se contra o indivíduo e tomando o controle sobre seu comportamento. Nesse momento, perde-se a noção do que é fruto de sua mente e do que não é, cria-se crenças absurdas e surgem outras personalidades, percepções ilusórias., etc.
[18] Wormholes são passagens nas quais é criada uma fenda na relação entre tempo e espaço. Assim, indivíduos viajam não só pelas coordenadas do espaço tridimensional, mas por uma quarta dimensão, que é o tempo. Como não há evidências empíricas para esse conceito, há de se admitir ao menos a possibilidade de ele ser um símbolo psicológico.
[19] Vemos, portanto, que é precisamente seu Animus que a guia em sua jornada em direção ao Self, que ele a mostra que era necessário abrir mão do controle para que a jornada fosse possível de modo harmonioso.
[20] De um modo geral, o Self toma uma forma que nos causará forte impressão de grandiosidade, respeito, sacralidade. Essa forma faz com que lhe prestemos reverência.
[21] Aqui vemos uma característica interessante da viagem ao Inconsciente. A irracionalidade, a ausência de evidências palpáveis, cientificamente reconhecíveis. Foi por causa disso, Segundo Jung, que Nietzsche não recebeu qualquer atenção em sua época: porque não há meios de descrever essa vivência a quem não a viveu por conta própria. É como falar de cores a um cego esperando que ele as entenda como um vidente.
[22] A escada entre o mundo dos céus e o mundo dos homens. Por ela Jacó viu anjos subindo e descendo.

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