A razão e a loucura numa manhã qualquer



Eu sonhei naquela noite que era uma arvore. Com as minhas raízes profundas e meu tronco grosso eu estava sozinho ali naquele campo. O vento, quando vinha, atingia meus ramos em cheio. Então uma nuvem ganhou formato de rosto e riu de mim. Olhei pra baixo, mesmo na ausência de olhos, e percebi uma florzinha. Lembrei dela como se sempre soubesse de sua existência, como se estivesse gravada na minha alma de tal forma que a conhecia totalmente. Quando eu a vi balançando com a brisa, por mais que não pudesse explicar, lembrei-me de sua essência e pude ver todo o seu ser.
Mas a risada voltou, e com ela veio uma ventania. Eu vi as pétalas dele voarem uma por uma até ela ficar como um graveto. Ela foi arrastada e eu nada podia fazer. Eu nem podia me mover. Aquilo virou um tornado e eu senti minhas raízes se desprendendo do chão. Tudo girou e eu voei.
Acordei na cama como num pulo. Havia uma mulher nua olhando pra mim.

- Pesadelo, querido? – perguntou ela
- Não sei dizer. O que você faz aqui? – disse eu
- Bebeu demais, e não lembra de mim. Imaginei. – disse ela num tom sarcástico desapontado
- Não me esqueci de você, Julia. Apenas lembro-me de você dizer que eu acordaria sozinho. Acontece que eu acordo meio atordoado e vou relembrando as coisas com lentidão quando bebo.
- De lembranças é o que preciso. Você estava por me dizer uma coisa ontem á noite, mas adormeceu e eu não pude te acordar pra ouvir.
- Não me lembro. Diz o que você falava antes de mim.
- Eu falava do meu marido e de sua maldita mania de honra. Falava que acho que não sirvo pra casar.
- hehehehe... Já sei o que eu iria falar.
- E o que era?
- Em primeiro lugar, que fique claro que seu marido é um idiota. Ele serve um imperador corrupto e sanguinário e possui fé numa mentira irracional propagada através das trevas de sua ignorância. Mas isso você já sabe.
- E o que mais?
- Isso de casar... Eu cheguei aqui alguns meses antes do seu casamento e tivemos algo como um caso, mas só com nossos olhares. Você nunca precisou dizer muito: estava escrito nos seus gestos, no seu jeito de falar, de olhar. Você não é pra casar.
- Nossa, falando assim você parece me desavalorizar!
- Pro diabo! Desvalorizar nunca! Acontece que você ama demais pra se apegar!
- Não entendi. Eu não sou nenhuma madre Teresa não, viu?
- Eu não tenho o costume de falar do que não sei, então não falo dessa Teresa e nem da forma como ela ama. O amor de que falo aqui é bem carnal.
- Ah, que ótimo! Está me chamando de vadia!
- Esse nome é baseado numa linguagem que não reconheço. Pra mim, seu espírito é demasiadamente leva e seu amor é perigosamente genuíno. É por isso que você não respeita as regras: porque você ama, e o amor não respeita nenhuma regra. Você não precisa dizer, Julia. Eu vejo nos seus olhos que você ama certo sujeito aí da vila. Particularmente, nunca me interessou. Ao menos tem hábitos de higiene, coisa rara nesses tempos turbulentos.
- Assim tudo parece mais aceitável. Mas como viver como eu mereço como eu sou?
- Nesses tempos, onde você não é pessoa, mas ovelha, é difícil. Mas você é moça hábil e nós sabemos, então pode fazer dinheiro. Só não espere ser respeitada pelos adoradores das regras. Os membros do rebanho não gostam de ovelhas desgarradas, pois elas servem de lembrança de que há um mundo além das cercas.
- Que inferno! Se eu fosse rica, se eu fosse homem, poderia ser livre!
- Estamos no meio do nada, Julia. Podemos não estar bem situados no tempo, mas no espaço, isso com certeza. E você sabe que meu teto é seu, contanto que entenda que não é só seu.
- Que deus me livre de viver contigo! Você tem mania de banho, nunca organiza suas coisas, ronca como um lobo rosnando e nunca está satisfeito! – disse ela enumerando com os dedos.
- Calúnias, todas!
- Defenda-se, então!
- Em primeiro lugar, por mais que sabão seja uma coisa cara, por mais que venha de longe, sem ele nossos corpos fedem a merda. Nem imagino como você pode ter alguma coisa com seu marido com todo esse fedor. Por Deus, com uma armadura o dia inteiro debaixo do sol!
- Mas dizem que tomar banho todos os dias faz mal á saúde...
- Também dizem que mulheres voam com vassouras. As pessoas dizem muita idiotice.
- Tudo bem, dessa acusação você se safou, mas e as outras?

Eu parei, olhei pra ela e lhe dei um beijo lento, duradouro. Ela afastou meu rosto e me olhou com aquele olhar inquisidor, de quem não vai deixar passar. É a única pessoa que consegue fazer esse olhar e me agradar.

- Ta bem! Vamos lá, a próxima acusação era sobre minha organização, certo?
- Isso.
- Então, o que é a organização senão uma tentativa fútil do ser humano de controlar o incontrolável? Empilhar, criar categorias e divisões! Pro diabo com tudo isso!
- Isso não justifica nada. Tem dias que mal da pra andar nesse lugar!
- E não há um dia, no entanto, que você deixe de sorrir por isso quando entra aqui.
- Verdade. Eu te considero condenado, mas não precisa de punição além dos tombos que você já leva aqui quando bêbado.
- Fato. Meu pé dói desde não sei quando... mas então, do meu ronco e não tenho nenhuma evidência. Então é minha palavra contra a sua!
- Argumento desonesto. Pergunta á Gabriela, Joana ou quem sabe à Aline! Certamente ficarão do meu lado!
- Sério que você já ficou sabendo da Aline? Mulheres e a fofoca...
- Todos sabem das mulheres que você “desonra”!
- Enfim, o que você quis dizer com nunca estou satisfeito?
- Mesmo com todas as mulheres e mesmo com o vinho, você leva pelo menos uma hora antes de me deixar sair dessa cama!
- Ora... Como isso não é uma virtude? Não gosta de aproveitar o vigor da minha juventude?
- É que você parece estar procurando algo, sabe?
- Como assim?
- Você faz amor com a ânsia de quem corre numa jornada atrás de algo importante... Não sem explicar direito.

Naquele momento eu lembrei da florzinha despedaçada pelo vento, mas não a mencionei.

- O meu rumo é o seu prazer e nada mais! – disse sorrindo
- Fugindo de mim agora? – perguntou ela
- Não entendo.
- Quando tento mergulhar mais fundo na sua alma você foge do assunto assim.
- É que me ocorre uma florzinha, uma borboleta, um pequeno pedaço de algodão. Sempre sendo arrancado de mim violentamente. Isso me angustia, Julia.
- E o que isso significa?
- Meu passado, aquilo que me atormenta.
- Foi essa flor que foi arrancada de você que te manteve solteiro com todo esse dinheiro?
- Não. Ela sabia que minha natureza é volátil. Casado ou não, eu viveria dessa mesma maneira.
- O que aconteceu com ela, Leandro?
- O vento a levou... – disse antes de enfiar minha cabeça no cobertor.

Lágrimas escorreram pelo meu rosto enquanto Julia me acariciava a cabeça.

- Ele pode até tê-la levado pra longe dos seus olhos, mas não pra longe do seu coração. Eu nunca te vi tão triste assim...
- Ela vive em mim. Sempre viverá, mesmo depois da minha morte.
- A morte... Porventura o importante não está na vida aqui e agora?
- Ah sim. E sabe o que eu vejo agora?

Ela me olhou surpresa, como quem olha pra uma criança que fez besteira.

- Você acabou de se abrir pra mim e já vem me olhando com esse olhar de desejo!
- Sabe, eu estava lá no passado e você me trouxe pro presente. No presente eu vejo você e sinto desejo.
- Isso é loucura! Como você pode ser tão lascivo?
- Eu inventei um termo novo, que talvez em alguns séculos fique famoso. Sad fuck. É lenta, longa e banhada a lágrimas. Tive meus melhores orgasmos assim!
- Louco, fique longe de mim – disse ela rindo.

Mas eu a agarrei. Por uns segundos ela lutou e tentou se soltar, mas logo desistiu. Deitamos de lado e ela me deu as costas. Minhas mãos correram por todo o seu corpo enquanto minha boca marcava sua pele branca. Aqueles ombros, aquele pescoço. Sempre adorei beijá-los. Eu soltava o ar quente na nuca dela e a assistia se contorcer. Ela também sabia me agradar. Passava o braço por trás da minha cabeça e acariciava minha nuca.

- Louco...! – disse ela entre os suspiros

Eu meu soltei dela e desci minha boca até sua barriga. Ela sempre adorou que eu beijasse sua barriga enquanto lhe acariciava os peitos. Eram movimentos ensaiados, que nós tínhamos. Desci até os lábios dela. Úmidos, com cheiro de sexo. Provavelmente fizemos muito na noite anterior, mas não me lembro bem. Ela colocou as pernas em volta da minha cabeça e apertou. Adoro quando ela faz isso, embora não seja sempre. Como sei do ritmo dela, comecei bem devagar com a língua e com a ponta do dedo logo abaixo fazendo movimentos pra cima e pra baixo. Eu sorria por sentir a musculatura do abdome dela se retrair, por ouvir os suspiros. Conforme o ritmo com a língua aumentava e se diversificavam as formas de movimento, meu dedo ia se aprofundando. E com facilidade, se melando no interior dela.
Quando estou nessa situação eu perco a noção do tempo. Chego numa espécie de êxtase na ocasião de a mulher estar apreciando. Por isso não sei quanto tempo passou e nem me importo. Só sei que num momento meu dedo estava entrando e saindo completamente e eu já não movia apenas a língua, mas também a cabeça. Eu senti a mágica, meu dedo sendo comprimido lá dentro. Meu convite.
Subi lentamente pra chegar na outra boa, mas ela me empurrou e virou-se de bruços. Levantou e ficou de quatro olhando pra mim. Balançou o quadril de um lado pro outro até eu segurá-lo com firmeza. Entrei rápido, não havia qualquer resistência. Os movimentos eram tão fluídos...
A vantagem daquela casa grande era que os barulhos dos impactos, da cama, nossos gemidos eram todos inaudíveis. Eu cansei daquela posição, pois queria sentir a pele dela. Então joguei meu peso sobre suas costas e ela caiu de bruços na cama. Fechei suas pernas, que até então estavam abertas e levei adiante meus movimentos lentos. A sensação de que ela está mais apertada sempre me estimulou.
O cabelo negro dela faz um lindo contraste com a pele clara e os suspiros parecem ficar mais intensos nesse momento. Eu continuei acelerando até ver a expressão facial dela mudar. Aí comecei a aumentar a força, aumentando com isso o barulho. Ela cerrou os olhos e abriu a boca. Senti as contrações me dizendo pra continuar ali. E foi o que fiz, por alguns minutos.
Saí de dentro dela por uns segundos.

Vira de frente pra mim?

Ela virou, com o corpo mole e um sorriso lindo no rosto. Beijei sua boca impetuosamente com os olhos firmemente cerrados. Sem desgrudar de sua boca, entrei novamente. Foram os movimentos que interromperam o beijo, pois acabei suspirando. Segurei com firmeza nos ombros dela, que em resposta me prendeu com suas pernas.

Alguém bateu na porta da minha casa, me irritando por uns instantes.

- Um minuto! – gritei

Ela olhou pra mim rindo.

- Um minuto, é?

Voltei pra ela como se nada tivesse acontecido e realmente acelerei meu ritmo pra terminar. Embora não tivesse sido a melhor que já tivemos, tinha sido interessante. Mas surpreendentemente, quando cheguei ao orgasmo ela chegou junto. Isso nunca tinha acontecido.

Fiquei parado um pouco ali, até a porta voltou a me incomodar, então tive que sair. Vesti qualquer coisa e saí do quarto, mas não sem antes olhar pra e vê-la a se vestir apressadamente. Ela não me olhou de volta, então desci as escadas correndo atendi a porta.
Foi só aí que eu fui perceber que estava chovendo intensamente. Na porta estava um jovem noviço e uma moça exuberantemente linda... E limpa!

- O que vocês querem aqui?- perguntei
- Precisamos de abrigo. Essa foi a primeira casa que encontramos. Você pode nos ajudar? – disse a moça
- Eu nunca negaria com você pedindo dessa maneira. – respondi
- Mas sua esposa não acharia ruim? – perguntou o noviço olhando para dentro da minha casa.
- Não tenho esposa, rapaz. Entrem e saiam da chuva. Vou preparar um banho pra vocês.
- Mal conhece as visitas e já obriga a tomarem banho! Você é louco, Leandro! Louco!
- É... Você tem razão... – respondi.