Sobre cães e tigres



Para quem não tem tempo a perder, esse post não é sobre comportamento ou anatomia dos animais acima citados. Nem tampouco diz respeito à lutas ambientais ou por seus direitos. Trata-se, no máximo, de uma poetização que os colocará sobre outro foco e quem sabe, fará você pausar para olhar com calma. Mas isso aqui não passa de um cara qualquer procurando entender e explicar a si mesmo usando analogias entre sua personalidade e o comportamento, atribuído por ele, desses animais. Se você seguir a diante, faça sabendo o que te espera.
O tigre é um caçador gigante, silencioso e solitário. Sem pressa, como outros mamíferos, ele espreita. Não que ele verdadeiramente precise do elemento surpresa. Não há animais que consigam enfrenta-lo em seu ambiente. Mas ele vai devagar porque não tem pressa, porque aprecia precisão. Quando ele passa, com suas patas macias, é tão silencioso que chega a ser solitário. Não lhe dirigem olhares, o confundem com o ambiente. Há aqui certo grau de introspecção em seus olhos, como se ele realmente pouco estivesse se importando com o mundo que lhe circunda a não ser que este o convide ou que suas necessidades o impulsionem. Garras enormes, dentes afiados e pelagem macia. Depende apenas do outro o que será o foco. Quem desperta garras, é rasgado, quem desperta presas é despedaçado. Mas quem desperta a pelagem é aconchegado e conta com garras e dentes para sua proteção integral. Um tigre enfrenta um urso e o mata guiado por esse princípio. Nos sentidos acima expostos, sou como um tigre. Meu maior triunfo é passar despercebido, seja social ou fisicamente. Eu gosto de andar no escuro e vejo bem nesses ambientes, porque tenho calma pra me adaptar ao novo nível de luminosidade. Se há algo de que me orgulho é do meu progresso com ser carinhoso. Não foi sozinho, é claro, nunca poderia ter sido. E, ainda assim, isso é pra pouquíssimos, mas está lá. Tigres não são simplesmente predadores ferozes. Eles também podem ser pacíficos e gentis.
Apesar de eu me ver muito em representações que faço sobre tigres, o animal ao qual atribuo maior semelhança a mim é o cão. Nada que contradiga muito absurdamente o aspecto do tigre. Trata-se apenas de outro ângulo e outras características.
Em primeiro lugar, um cão não vive nesse universo triste capitalista de ter apenas um objetivo na vida. Não quer só passear, ou só comer a sua comida, ou só aquela bolinha que você sempre joga. O cachorro pode estar demonstrando morrer de vontade de comer seu hambúrguer, mas se dará por satisfeito comendo uma salsicha. Essa neurose de querer sempre aquela mesma coisa e viver sempre frustrado se a vida lhe oferecer outra não existe em cães. Ele fica feliz com um carinho, e fica feliz com um lanche, fica feliz passeando, correndo atrás da bolinha, do disco ou até mesmo do gato. Esse é o segredo da felicidade canina. Se resume assim: “não tenho tudo o que amo, mas amo tudo o que tenho”. Um cão doente e faminto na rua apreciará seu carinho e, se dispuser de energia, poderá até brincar com você. Isso, é claro, se ele não tiver sido espancado ou sofrido tentativas repetidas de homicídio. Ainda assim, constatando que não será maltratado, ele balança o rabo pra você. Não é preciso muito para um cão ser feliz e é inclusive triste que alguns consigam não ser. Estou convencido de que todos os cães seriam felizes como eu, se fossem independentes. Porque a filosofia de vida eles já possuem: apreciar o simples, não se fixar em nada.
Não quero dizer com isso que cães não sejam leais. Muito pelo contrário. Apenas que, amando ou não, tendo um lar ou não, coisas simples sempre serão motivo de alegria, simplesmente porque o cão não tem essa carência fundamental, essa necessidade de correr atrás de algo inexistente que causa constante frustração. Pra ele, existem suas pequenas alegrias, o presente e nada mais. Naquele momento, existe aquela alegria e nada mais em volta, seja no espaço ou no tempo.
Outra coisa que garante a felicidade canina é sua ausência de ansiedade. Ele não quer controlar ou prever o futuro. Porque o que lhe importa é o carinho de agora e a bolinha de agora. No máximo ele fica ansioso quando ouve os passos ou o carro do dono, ou bem antes da bolinha ser jogada. Mas você nunca verá um cão ansioso com a bolinha que será jogada semana que vem. Semana que vem não existe! Amanhã não existe! Só existe hoje, agora. E mesmo que no passado existam cicatrizes dolorosas, sempre há espaço para alegrias de agora. Para um cão, ter paciência para esperar um dia inteiro em casa não é um desafio tão grande.
Não há precedentes para a lealdade de um cão. Ele literalmente dará sua vida pra salvar seu dono ou pensando que o está protegendo. No entanto, não é assim tão fácil conquistar a lealdade do cão. Ele pode comer a carne dada por um estranho, mas não por isso se tornará leal a ele. Não se pode comprar um cão e não tampouco coagi-lo a ter lealdade. Uma vez conquistada, no entanto, dificilmente a lealdade é perdida, porque o cão não é um animal rancoroso. Ele perdoa, esquece, e segue amando.
Se há algo em mim que não se assemelha ao cão é o hábito de rosnar e latir. Meu lado tigre aí fala mais alto e prefiro observar em silêncio. Morder antes de emitir som é meu lema. Afinal, cão que ladra não morde! E não morde porque a pessoa já fugiu! Mas morder é bom, especialmente quando se faz isso defendendo seu território o seus entes queridos, mesmo que nem sempre o faça da maneira que se espera ou que seja mais apropriada.


1 comentários:

Maria Ligia Ueno disse...

E eu sou um ratinho todo medroso e covarde, que procura sempre ficar escondido de tudo e de todos. Mas meu lado felino, por outro lado,é bem diferente de um tigre. Sou dengosa, gosto de carinho e sou um bichano teimoso que só... realmente parece insano ser um gato e um rato ao mesmo tempo.