Postei em alguns lugares na internet uma questão que me ocorreu repentinamente. Sei que eu ouvi o Joseph Campbell falar algo parecido com isso, mas não lembro exatamente o que ele falou. Apesar de eu ter postado em cinco lugares diferentes, apenas dois receberam atenção: a comunidade do filme Zeitgeist, no Orkut (que recomendo) e a categoria religião e espiritualidade do Yahoo! Respostas. Vou citar as respostas das pessoas e fazer breves comentários para depois esboçar uma conclusão, unindo a informação ao conhecimento que tenho hoje. Nos casos em que eu estiver citando usuários do Orkut, usarei a sigla “OKT”, e pro Yahoo! Respostas, Y!R.
Notei que, quase como regra, as respostas das pessoas seguem padrões, que representam certos paradigmas. Alterei apenas coisas na formatação para pode encaixar melhor o conteúdo no espaço do blog. Por isso, algumas coisas podem ficar complicadas de entender, já que há internetês e incoerências. Mas acho valioso deixar a informação exatamente da forma que foi exposta.
Se você não teve a oportunidade de ver isso nos tópicos, aconselho a não ler o resto antes de comentar com uma resposta própria. Mas também não é o fim do mundo se você quiser ler o que os outros disseram antes de comentar.
A questão é a seguinte:
Imagine essa cena fictícia como se fosse real e tente responder à pergunta que a segue.
Certa vez, um homem foi condenado por seus crimes à uma prisão perpétua. Nessa prisão, que na verdade era um pequeno planeta, só existiam andróides. Esses robôs possuíam forma humana e simulavam o que ele quisesse. Assim, eles falavam apenas o que ele queria e faziam tudo o que ele mandava. Além disso, todos eram extremamente atraentes, cheirosos, carinhosos e dedicados a servir a todo o custo. Inclusive à satisfação sexual, pois havia robôs representando ambos os sexos.
Depois de um tempo preso no planeta, o homem se matou.
Por quê?
Vou colocar primeiro as respostas que se enquadram no que eu imaginei como padrão de resposta correta. O padrão eu vou deixar para o final.
“Solidão. Ele não tinha outro semelhante com quem compartilhar as experiencias e dúvidas da vida. E um mundo que não apresenta resistência ou desafios só acentua isso. Quando voce encontra resistência, é sinal de que há outra alma ali, diferente da sua. E perceber isso é imprescindível.
"O buda em mim saúda o buda em você".
Em robos, não há buda algum.”
Pensador Zen – OKT
A resposta desse usuário é uma das que mais se enquadram no meu padrão inicial de resposta. Ele deixa claro dois efeitos da solidão: Não há aprendizado em nível profundo, pois não existe outra pessoa que é diferente e que lhe oferece resistência. Além disso, não há conexão. O indivíduo não podia se sentir compreendido e acolhido de verdade. Assim, o contato humano é um fator crucial. O que ele chama de Buda, normalmente eu chamo de Daemon, em homenagem a Sócrates.
“O que torna a vida interessante é sua imprevisibilidade...
Já li sobre um estudo feito com pessoas que ficam isoladas. Normalmente vemos os defeitos dos outros, quando não temos a quem olhar passamos a ver os nossos defeitos e a nos odiar. Mas tb estou com a cabeça muito cheia para pensar nisso agora...”
Chaves Prowler – OKT
Essa foi uma resposta que, embora não se enquadrasse no meu padrão, o completou de forma interessante. Realmente, são os defeitos dos outros que vemos, ou mesmo os nosso defeitos nos outros. Mas assim que você toma consciência que não há nenhum outro e de que tudo é essencialmente você ( porque os robôs eram parte dele), então você tem que enfrentar a terrível sentença de conhecer tudo o que há de podre no íntimo. Para muitos isso é demasiadamente sufocante e deprimente. O bastante para inspirar um suicídio, talvez.
“Eu acho que ele se matou porque viu a desgraça de viver na solidão.
e se deparou com a verdade:
Sua gingante insignificância.
Talvez o sentido da vida esteja escondido nas relações entre seres diferentes.
A incompletude de um completa o outro.
Um mundo de andróides não podia satisfazer este seu vazio, sua vida então se tornou sem sentido...
Ele percebeu que no fundo era tão vazio quanto estes andróides, e todas suas vontades eram pequenas demais frente às verdades do Universo.
Fazendo então com que desse um fim a essa sua vida "sem sentido".”
Tevão - OKT
Uma resposta bem semelhante às anteriores. O que se acrescenta nessa é que ele citou o vazio decorrente da solidão da situação. A necessidade inalienável do ser humano de ter companhia.
Nesse caso, os robôs podiam simular grande parte das nossas atividades sociais, então o contato com o outro demandava profundidade. E isso as máquinas jamais poderiam oferecer.
“Um robô não vive. Ele simula a vida, os sentimentos, e de forma bem primitiva. Ele só vê que os olhos robóticos conseguem processar (e, que eu saiba, o estado de espírito da pessoa não pode ser totalmente desvendado através de expressões faciais, batimentos cardiacos e outros sintomas físicos.)...não tem a mesma sensibilidade humana..duvido que qualquer tecnologia algum dia consiga armazenar as infinitas possibilidades, a complexidade do ser humano, principalmente psicológica. Só sendo Humano.
Na suposição, ele tem tudo o que quer, e não é feliz. Isso pode ser suficiente pra muitos hoje em dia. Para mim não é. Sempre escutei quando reclamava da falta de antenção da minha família ''você tem de tudo e ainda reclama''.
Eu tenho a necessidade de interagir com meus semelhantes (ainda não sei explicar porque) trocar idéias, tenho sonhos, tenho planos. Eu sofro com as pessoas que convivo, familiares, etc. Eles são vazios, sem opnião própria, sem objetivos importantes...sem sensibilidade. Só veem o que os olhos enxergam e nada mais...Parece que não vivem, não evoluem.
Talvez sejam essas necessidades que eu sinto(e outras mais) que esse homem também tinha, mas os robos desse planeta, incapazes de evoluir, não poderiam compreender.
É como eu me sinto, cercado de muitas pessoas..mas sempre sozinho.
Eu poderia definhar psicologicamente, e ninguém perceberia (acho q já acontece), e quando isso se tornasse visível fisicamente, poderia ser tarde demais.”
CosmO – OKT
Eu fiquei tocado com a sensibilidade dessa resposta. Se eu não estivesse organizando as resposta cronologicamente, provavelmente eu colocaria essa no topo. Não sou tão aberto assim em relação aos sentimentos ao ponto de reclamar que não recebo atenção, por exemplo. É mais natural pra mim ser agressivo, num postura defensiva onde eu afasto as pessoas. Apesar de o perfil apresentar o sexo masculino, há algo de feminino nessa resposta. E isso é bom, segundo a minha visão. Respondi a essa resposta:
“Chegou ao ponto. Apesar de ser ficção, não é irreal.
Concordo contigo: só não acho que deve ser assim: existem pessoas com as quais podemos nos conectar. Que são pessoas, e não robôs. São raras, mas existem.”
“Solidão.
Talvez essa seja a melhor palavra que explique o ato.
E, não precisamos viver entre robôs para nos sentirmos sós, isso acontece em grande esacala.
Decobrimos que nosso crescente individualismo não nos trouxe paz interior, mas sim, nos trouoxe a solidão, a atomização, a dificuldade em relacionamentos, etc...
Por isso, entre outras tantas coisas, temos tantas pessoas "solitárias" entre a multidao.
O sentido da nossa própria existência se constrói junto com as pessoas que convivemos, com as pessoas que amamos.
É uma merda não ter ninguém pra desabafar, pra tomar uma cerveja na sexta depois do trabalho, pra dividir a pasta de dente, pra viajar, pra dar conselhos, pra sofrer junto, pra ver o sol se por, pra comer jujuba, pra receber presente surpresa, pra dar presente surpresa, pra deitar no colo, pra dar risada, pra chorar, etc...etc...etc...
Podemos ter todos os bens do mundo, como ele poderia ter, mas descobriríamos que ter todos esses bens não fariam o menor sentido se estivéssemos sozinhos no mundo.
O ato sexual com robôs, seria algo profundamente deprimente.
Na verdade, ele já é em muitas situações. Quando ele é movido apenas pelo prazer, sem uma relação de afeto e sentimento, ele se esgota na satisafação do prazer momentâneo, e trás à tona toda nossa "solidão", e insatisfação.
Há um termo que define isso que se chama: "tristeza pós-coito".
Agora imaginem ter apenas robôs como parceiros, seria realmente enlouquecedor...
A vida se tornaria insuportável, assim como se torna insuportável para tantos que cometem o suicídio por aí...
E, essa situação seria agravada pela falta de um ser humano se quer para se dividir as frustrações, angústias, medos, etc... Não haveria válvula de escape que não fosse satisfação momentânea de algum prazer material, que apenas pode distrair, nunca satisfazer.
Porque, ao que parece, o que nossa natureza exige é satisfação, e não distração.”
Eduardo – OKT
Para mim essa foi a melhor resposta. Ela expôs de forma completa a minha idéia inicial e ainda conseguiu passar uma mensagem sentimental, coisa que poucas pessoas conseguem fazer em textos. Depois de ler as respostas, eu percebi novas e interessantes possibilidades, mas no começo, era exatamente essa a idéia que eu tive. Ele capturou e devolveu: sem necessidade de explicações complicadas, porque a questão foi bem simples. Temos muito em comum, ao que parece.
“Os Andróides apesar de deter uma aparencia humanoide,não tem a capacidade de pensar como um. No caso o homem ficou louco em viver em um mundo onde todas as "pessoas" tem o mesmo pensamento,não existe questionamento,não existe perguntas.O condenado não poderia evoluir,não tem o que aprender.Todos em sua volta não tem nada para acrescentar para ele.
acredito q seja isso,ou algo parecido.”
Henrique total90 – Y!R
Essa resposta foi muito parecida com a primeira exposta, do Pensador Zen. Ambas possuem formas diferentes, mas na linguagem do pensamento são assemelhadas de forma análoga: deixam claro que é necessário o contato com o diferente para evoluirmos, pois precisamos ser confrontados. Tenha isso o nome de evolução intelectual, psicológica, espiritual. No fundo, é a expansão da consciência recebendo nomes diferentes.
“Não precisa ir tão longe para ficar sem RELACIONAMENTO meu caro essa é a essencia que faltou ao pobre HOMEM e isso explica tudo pois é simples lá ele se sentiu um HOMEM SEM AMOR pois tudo era feito atraves dele e para ele não tinha com quem partilhar dividir dar buscar e por ai vai.
E no nosso PLANETA foi nos dado TUDO sem simulação, deixou livre a PALAVRA e não é AUTORITÁRIO porque buscava e busca RELACIONAMENTO. Pois tenho a plena certeza se DEUS não tivesse a essencia de RELACIONAMENTO para com todos e tudo também morreria.”
Salsicha – Y!R
Essa resposta ficou um pouco confusa, principalmente por causa das palavras com letra maiúscula e a pontuação precária, mas acredito que a mensagem é compreensível. Ele interpretou a questão espelhando-a na sua visão religiosa, o que era de se esperar, já que postei a pergunta na categoria de Religião e Espiritualidade. Não foi a primeira pessoa a associar a relação de Deus com o homem como análoga a isso: minha psicóloga também pensou assim. Porque Deus não suportaria viver com “robôs” ele criou o ser humano capaz de deliberar de forma relativamente autônoma. Deu a ele livre arbítrio, e assim pôde se conectar genuinamente com ele. Claro que isso é uma antropomorfização de Deus e não uma forma de argumentação teológica.
“O que é a opinião, a instrução de um homem só? Nada mais é do que não é, ou seja, nada.
Ele já foi ao planeta com uma opinião formada do que tem-se como certo e errado, sem a opinião dos outros o que ele imagina que seja é. A realidade não passa de sua vontade, nada mais.
Então surge um confronto entre realidade e pensamento. O que ele pensa ser é, então o que ele nunca pensa jamais será? O que ele não decide não existe?
Sem o confronte de idéias ele não tem o que realmente, neste mundo, o seja. O que é real?
A realidade torna-se sua vontade, não tem-se o que realmente seja verdade, mas sim apenas sua opinião do que a seja.
Torna-se impossível de se viver em tal mundo, numa vida sem nenhuma possibilidade de reflexão do que seja verdade.
A morte é a única verdade absoluta, a única que se sobressai neste mundo, a única solução, a solução derradeira.”
O mensageiro – Y!R
Apesar de eu concordar com tal reflexão filosófica, essa não era minha idéia original. Tal como a resposta do Chaves (segunda), essa deu uma significação mais ampla à questão. De fato, para quem, como eu, tem interesse em investigar o que é “verdadeiro”, a idéia de que isso não mais é possível tornaria a vida um terrível tormento. Claro que, no fundo, nós só acreditamos no que queremos, mas o contato com os outros muda nossas idéia, amplia nossas perspectivas e torna nossas posições mais profundas. Mas para isso acontecer, o contato deveria ser profundo, e os Andróides não poderiam fazer isso. Se ele os ordenasse que discordassem, deveria dizer a eles que argumentos eles usariam. Logo, nunca deixaria de ser um monólogo.
“Apesar de ter toda a satisfação que uma pessoa desejasse, aquele homem percebia que os andróides só lhe faziam o que eram programados para fazer, não tomando assim, de forma alguma o status ou o lugar de humanos de verdade, que amam, odeiam, acariciam, brigam, etc.... Assim, se sentindo sozinho e vazio diante de tanta superficialidade, aquele homem preferiu dar cabo da própria vida, pois sabia que não poderia jamais ali encontrar outro ser humano de verdade .”
Pimenta – Y!R
Nesse caso, há uma profunda analogia com a nossa sociedade e o drama do Outsider. Perceber que tudo é uma fraude nós mostra que estamos sozinhos e que tudo é vazio. Tudo é superficial e desprezível demais. Perceber que tudo é falso e artificial é terrível. E pior, perceber que essa estupidez é tudo o que há é desesperador.
Outro padrão de resposta também foi muito freqüente, embora eu não concorde com ele. É simplesmente baseado num paradigma que não aceito, mas não posso simplesmente ignorar por isso.
“Tem uma história infantil que é mais ou menos assim, o rei que tudo tinha ou queria sei la. Pra resumir, o homem tem suas ambições, são elas que o conduzem e o estimulam para progredir na vida, uma vez cumpridas as ambições, a vida perde sua importancia e significado, então, novos objetivos são procurados. Uma pessoa que tem tudo e não precisa de mais nada é uma pessoa que não tem objetivos, logo, é uma pessoa sem razão para viver.”
Breno Crispino - OKT
Quando se presume que nós somos apenas criaturas condicionadas por impulsos e pelo condicionamento da sociedade, tal pensamento é uma conseqüência fatal. Considero tal ciclo uma enorme futilidade. Na verdade, a ascese é uma boa demonstração de que o ser humano pode simplesmente negar tais coisas. Por mais que se diga que ela é condicionada socialmente, o que nos dias de hoje é absurdo, alguém um dia decidiu viver assim. Isso foi contradizer a sociedade e os impulsos. Foi deliberar. Acredito que o ser humano pode ir além de tais futilidades, mas essa crença eu não tenho como provar isso definitivamente: é um desejo, e não por isso deve ser falso.
“Acho que a resposta está relacionada à pirâmide das necessidades de Maslow.
O homem vive para alcançar seus objetivos/necessidades, e assim alcançar a satisfação pessoal.
Sem objetivos para alcançar a vida não tem conquistas nem satisfação pessoal. Daí se deduz o restante.”
Liane – OKT
Mais uma vez, o ciclo. O ser humano, aqui, não passa de uma maquina. Exatamente como um cão, que só faz tentar satisfazer suas necessidades ao simular comportamento amigáveis. É uma visão Freudiana do convívio social. Particularmente, prefiro a de Fromm, que se reflete nas primeiras respostas. É bem explicitada no livro “O Medo à Liberdade”.
“Eros se extinguiu pela ausência do thanatus q o ressuscita, do inferno do outro.
.....
Será possível se matar no céu?”
Ronis – Y!R
Esse usou até os termos que Freud usava. Mas tocou na questão religiosa e foi bem profundo. Primeiro, demonstrou que as adversidades são um estímulo que gera equilíbrio com os desejos. Eros e Thanatus. Depois acrescentou um comentário que a maioria não entenderia. Por que a idéia de paraíso é muito fútil. Se trata de Eros sem thanatus. Puro prazer sem nenhum tipo de mal. Sem a pulsão de morte. Na verdade, tal paraíso seria um ego perpetuamente inflado. É claramente a idealização de uma pessoa que não tem discernimento profundo sobre a existência. Digo isso porque o prazer sem a dor se torna tédio. Realmente, a dor se faz necessária, porque parece que na nossa cultura nós só nos dispomos a mudar quando diante dela. Não era essa a minha idéia, mas foi uma resposta excelente.
No entanto, segue aquele padrão de satisfação e desejo. Aquele ciclo que eu desprezo. Precisamente por isso que eu coloquei essa resposta com as últimas, por mais que ela sej aprofunda.
“Tentei pensar em porque eu me mataria, ai vi que o que mais desencantaria é exatamente o "dolce far niente".
O ócio ,as vontades e desejos prontamente atendidos acabariam por levar-me a paralisia ,a falta de estimulo e consequente depressão.
Desafios em diferentes níveis são o que torna a vida digna de ser vivida.
Acho que este paraíso de abundÂncia, satisfação infinita e nada a fazer seria meio caminho andado para a morte física e mental.”
Lirio – Y!R
Mesmo padrão do ciclo. Bem característico da nossa sociedade capitalista, que propaga essa forma de pensamento: que o ser humano precisa estar sempre sendo desafiado e sempre fazendo conquistas. O paradigma do agir sempre, que torna a nossa sociedade produtiva: a nossa fábrica de workaholics. A conquista sempre tem que ser externa e material. Não nos mandam conquistar um amigo, ou conquistarmos a nós mesmos.
Algumas respostas saíram fora desses padrões, mas não por isso deixam de ser interessantes:
“A mais ou menos um ano e meio eu moro sozinho e só fico absolutamente tranquilo quando estou sozinho.
Os únicos aborrecimentos que tenho são: ou quando estou no trabalho, cercado de gente ou quando estou pensando nessa gente junto ao trabalho.
Logo: acho que adoraria receber essa pena de ir morar nesse planeta, sem nenhum pentelho para me encher o saco.”
EwErToN – OKT
O indivíduo parece não demonstra qualquer necessidade de expandir a mente através dos outros e também não parece se importar com o contato com o próximo. Na verdade, as relações que ele tem parecem ser bem superficiais. Então a compreensão de relação que ele tem não pode ser profunda. Se não há a compreensão de um tipo profundo de relação, então realmente esse planeta é um paraíso. Sem aborrecimento e cheio de prazeres carnais. Na verdade, creio que a essa resposta faltou profundidade.
“Trabalho, aflição, esforço e necessidade constituem durante toda a vida a sorte da maioria das pessoas. Porém se todos os desejos, apenas originados, já estivessem resolvidos, o que preencheria então a vida humana, com o que se gastaria o tempo? Que se transfira o homem a um país utópico, em que tudo crescesse sem ser plantado, as pombas revoassem já assadas, e cada um encontrasse logo e sem dificuldade sua bem-amada. Ali em parte os homens morrerão de tédio ou se enforcarão, em parte promoverão guerras, massacres e assassinatos, para assim se proporcionar mais sofrimento do que o posto pela natureza. Portanto, para uma tal espécie, como a humana,nenhum outro palco se presta, nenhuma outra existência.
(Parerga e Paralipomena, cap XII, § 152) ”
Duan – Blogger
É principalmente focado nas circunstancias externas, tal como estava a própria pergunta. No entanto, não é só para a existência física que tal coisa se aplica. Na verdade, nós sempre precisamos desse thanatus, dessa pulsão de morte. Como Schopenhauer apontou, sem esse thanatus na natureza o homem criaria um por conta própria, porque está em sua natureza a necessidade por conflitos. Pessoalmente, imagino que esses conflitos não precisariam ser necessariamente físicos. Mas, obviamente, para algumas pessoas (que são diferentes de mim), ele se tornaria fatalmente físico. Uma pessoa que vive sem adversidades íntimas e externas simplesmente não se move para lugar algum. A dor é um grande motor para o nossa existência, e o próprio Nietzsche apóia tal posição.
Duas pessoas se arriscaram a dizer que o fim foi arbitrário e que poderia muito bem ser outro:
“Não é real, no final que inventou podia muito bem botar: "Então ele virou um dinossauro e.... ou então ele criou chifres e ...." isso não é muito questionnvel!”
Stefersson – OKT
“É uma conclusão tão definitiva assim de que o cara vai se matar?
Será q não existe outra possbilidade?
A filosofia me diz que sim...”
Fernando – OKT
Tal questionamento é basicamente uma fuga do assunto. Não perguntei se a pessoa achava provável que o indivíduo se mataria. Estava no passado: ele já tinha se matado. Não se tratava de uma pergunta com uma resposta pronta e absoluta, mas muito mais de uma pesquisa de opiniões. O que eu queria é que as pessoas imaginassem a situação e se colocassem no lugar do sujeito. Que pensassem: porque eu me mataria?
A maioria conseguiu responder a essa pergunta, mesmo com opiniões diferentes da minha. Dizer que o final poderia ser outro ou, de forma mais direta, que o final foi simplesmente inventado é como imaginar que o indivíduo na verdade não teria realmente um motivo para cometer o suicídio. Noutras palavras seria imaginar que a situação poderia muito bem ser satisfatória.
No meu convívio social, de forma deprimente, eu fui levado a crer que isso não é falso. Perguntei isso a pessoas próximas, que obviamente não vou identificar, e fiquei perplexo com o padrão de respostas. Disseram que não há motivo algum para se matar nesse mundo. Aliás, há uma resposta análoga a essa na comunidade Filosofia (que não recomendo). O indivíduo disse que o personagem se matou porque é um idiota.
Nessas respostas pode-se ver dois padrões que parecem ter algum fundamento psicológico. Funcionam com lógicas bem diferentes, mas não consigo deixar de vê-los como complementares. Particularmente, eu não vejo nenhum sentido nos desafios como as pessoas os entendem. Pra mim, lutar por uma promoção, para ter uma casa maior, ou qualquer tipo de conquista externa é uma enorme perda de tempo. Mas se todas as pessoas fossem assim, provavelmente nossa tecnologia não poderia estar como ela é hoje. Seríamos ainda monges vivendo em meditação e iluminação íntima. É natural para mim presumir que o que matou o indivíduo foi a solidão, já que ele não tinha contato real com ninguém. Na verdade, essa era uma ilustração da nossa própria sociedade, que é tão presa a convenções e formalidades que pode colocar dez pessoas juntas numa sala e ainda manter todas elas totalmente solitárias. Pro mundo externo, as pessoas mostram um comportamento robótico, por vezes completamente alheio ao que elas são. Precisamente por isso, na internet os fakes são muito freqüentes: porque com eles os indivíduos podem exibir tudo aquilo que é proibido à sua posição social.
Por outro lado, há desafios que as nossas relações com os outros criam. Geralmente, o maior desafio é conseguir efetivamente entender outras pessoas. Para isso, devemos abrir mão do que somos. Entender a pessoa pelo que ela é, que é diferente do que tentar se imaginar no lugar dela, como se ela tivesse a obrigação de ser como nós somos. Nessa caso, não se trata propriamente de um desafio externo, mas de um interno. E também não é apenas a boa sensação que temos quando estamos conectados: é expandir a consciência. E isso é um enorme desafio. Concordo que, sem desafios, o ser humano mergulharia num enorme tédio. Mesmo estando conectado com um amigo profundamente, se osdois estiverem parados e sem nenhuma perspectiva, não terão nem como dar continuidade a essa conexão. Afinal, isso envolveria compartilhar coisas, e não teriam nada a compartilhar.
Vejam que me refiro à coisas completamente abstratas aqui, que diferem totalmente de bens práticos. Tenho grande dificuldade em valorizar coisas físicas. Parecem indignas. Talvez por causa da minha criação no meio cristão ou do meu tipo psicológico.
É interessante, também ressaltar a questão do thanatus, que foi levantada pelo Ronis e expandida pela citação de Schopenhauer feita pelo Duan.
Não se trata de um desafio amistoso, como entender outra pessoa ou construir alguma coisa útil à todos. É, pelo contrário, sofrimento intenso. Basicamente, era pra poder caçar e fugir que o homem antigo aprendia a correr. Por isso que é mais fácil encontrarmos muitos corredores numa tribo a savana do que na nossa sociedade: não precisamos mais correr por nossas vidas como antes. Não em todos os lugares. Afinal, por mais que o indivíduo seja rápido, ele não vai fugir de balas perdidas.
Mas nós comemos porque somos atormentados pela fome, bebemos por causa do tormento da sede. Trabalhamos por causa do medo de sermos excluídos da sociedade, estudamos, de um modo geral, para podermos sobreviver na sociedade. Ou seja, é por medo do sofrimento. Dificilmente algo diferente da dor motivaria as pessoas.
Lembro da época do segundo grau, em que uma menina decidiu se aproximar de mim. Naquela época eu era muito hostil.
Ela afirmava que eu era o único garoto consciente ali, que se preocupava com o futuro. Que eu lia porque eu sabia que aquilo seria útil pra minha vida, pra eu ter um bom emprego. Geralmente eu a respondia com monossílabos, mas uma vez eu dei uma resposta direta:
“Você acha que eu estou lendo aqui pra me preparar e ser um bom escravo? Não me importa nem um pouco ter um bom futuro. Eu não me envolvo com as pessoas daqui porque elas são idiotas. Eu estou lendo esse livro porque eu acho que ele vai expandir a minha mente e meus conhecimentos. Eu aprendo porque eu gosto e não porque no futuro isso vai me beneficiar financeiramente. Por favor, você acha que ler Schopenhauer ou Goethe vai me fazer ter um salário melhor? Tudo isso aqui é uma merda e essas matérias que nos obrigam a decorar são questionáveis(falava do colégio).”
A única coisa que ela entendeu da minha resposta foi o tom de voz, que a deixou chateada. Depois desse dia, ela passou a me detestar. Não a culpo.
Imagino que tenha sido impossível pra ela entender o fato de que eu estava lendo simplesmente por ler. Na verdade, não era bem isso. Eu estava lendo os aforismos para sabedoria de vida, de Schopenhauer. Estava gostando daquela visão. Eu só estava ampliando meu desprezo pelo mundo. Estava realizando meu desejo. Não era nada externo, mas era um desejo, de qualquer maneira. Na verdade, também era uma fuga da dor, e portanto, toda a leitura e reflexão ali envolvidas eram motivadas basicamente pela minha necessidade de fugir da dor que meu isolamento social me causava.
De forma resumida, eu li livros e passei horas refletindo pelo simples fato de que eu estava sofrendo. Sem tal sofrimento, eu nunca teria assimilado aquelas lições, que até hoje considero valiosas, embora as veja de forma diferente.
Acredito que ele pode ter se matado por um dos motivos, dependendo de como ele era. No entanto, eles podem coexistir separadamente. Não como se fossem um motivo só, mas duas fontes diferentes de sofrimento: solidão e tédio. E o tédio existe sem solidão, e vice-versa. É porque sofremos com a solidão que queremos conexão em primeiro lugar, da mesma maneira que sofremos com o tédio. Para unir, talvez seja interessante colocar o sofrimento como força motora.
Não sei dizer por qual dos motivos eu me mataria, mas sei dizer que me mataria.
8 comentários:
"Para unir, talvez seja interessante colocar o sofrimento como força motora."
Vou considerar isso como uma confirmação da superioridade do meu ponto de vista...
Pra mim pareceu que o seu ponto não englobava bem a questão da solidão. Ele se matou porque sofria, mas o sofrimento da sua visão vem do tédio. O da minha vem da solidão.
Na verdade, se for assim a dicotomia, não há nenhuma visão superior. A não ser que eu tenha te interpretado mal.
"É porque sofremos com a solidão que queremos conexão em primeiro lugar, da mesma maneira que sofremos com o tédio." Ou seja, tédio e solidão são formas diferentes de SOFRIMENTO. E é isso que diz Schopenhauer: que sem o sofrimento não há com o que preencher a vida. E foi isso que eu falei para você: "Moral da história: sem o sofrimento, não temos com o que preencher a vida." (no coment do cap LXXXVII do meu blog) Eu não falei em tédio, mas em sofrimento. Lembra do "pêndulo schopenhauriano"? A vida oscila entre o sofrimento e o aborrecimento: entre o desejo não realizado e o desejo sem objeto para desejar (pois já teve o que queria) ("O mundo..." §57). O tédio é justamente o desejo sem objeto, o desejo a procura de sofrimento, a procura de algo para preencher a sua existência. Em Schopenhauer isso acontece justamente porque nós somos apenas desejo (e eu sei que vc acha que nós somos "algo a mais do que apenas desejo") Para mim a questão de que os companheiros do prisioneiro são andróides é completamente irrelevante: o resultado seria o mesmo se fossem pessoas reais que voluntariamente aceitassem fazer tudo o que o sujeito desejasse. Ou seja, ele "se sentiria só" porque na verdade ESTÁ FALTANDO ALGO, e esse algo é A OPOSIÇÃO AOS SEUS DESEJOS, em outras palavras, O SOFRIMENTO. Para mim a figura dos andróides foi um truque (inconsciente) de prestidigitação seu para "esconder" a verdadeira causa do problema. Inclusive alguém falou no orkut o seguinte: e se fossem andróides tão reais que o prisioneiro não soubesse que eles não são humanos "de verdade"?
O truque é análogo aqueles argumentos que tentam provar que deus existe se referindo ao universo como um livro ou como um avião. Ora: o "criador" (escritor, engenheiro) que se pretende retirar do argumento como "necessário" já está na verdade subsumido na formulação do problema. Você fez o mesmo: ao usar andróides você inseriu sub-repticialmente a questão da solidão.
E digo-lhe mais (continuei a pensar no assunto enquanto tomava banho).
Do ponto de vista schopenhauriano (com o qual eu me indentifico) essa separação que vc fez entre "solidão" e "tédio" é uma questão completamente falsa. Senão, vejamos. Que é solidão? É o desejo de se relacionar com pessoas, de ser "completado" por elas. Em Schopenhauer a solidão existe porque as pessoas querem fugir do vazio interior. Por que o nosso prosioneiro se sente só? Porque todas as pessoas (ou andróides - para mim tanto faz) com os quais ele se relaciona fazem tudo o que ele quer. Esse é o verdadeiro problema: na medida que as pessoas fazem tudo o que ele quer, ele não tem mais o que querer (ele não tem um obejeto de desejo). Na medida em que ele é vontade (desejo), ele se sente "vazio" e "incompleto" porque não consegue manifestar o seu ser, não consegue desejar, o desejo dobra-se sobre si: ele "quer querer": isso é o tédio, o aborrecimento. Quando o desejo se manifesta no domínio das relações sociais, ele sa chama solidão; no caso do prisioneiro, esse tédio causado pela saturação do desejo social recebeu, de você, o nome de solidão. Mas é o mesmo tédio de sempre.
Que tens a dizer? Sei que gosta de ser contestado.
Só que a conexão real não é como um desejo comum. Essa conexão é algo que basta. É diferente dos desejos que, quando satisfeitos, perdem o valor. Conexão nunca se transforma em tédio.
Ele se matou por sofrimento, mas a natureza do sofrimento no que diz respeito à solidão é o ponto em que discordamos. Os andróides não foram colocados apenas para instigar o tédio ao mostrarem o comportamento servil: eles também são incapazes de conexão humana real. Aquela que basta em si mesma. Portanto, acho que a diferença fundamental dos nossos argumentos é que eu considero a conexão como algo que basta em si e que é como que uma necessidade psicológica do indivíduo para, se espelhando no outro, aprender sobre si mesmo e não se sentir tão insignificante. Na verdade, quando um relacionamento (por exemplo) se baseia apenas no desejo (sexo, dinheiro) o impulso se acaba rapidamente. Mas digo pela minha vivência que há algo além.
Os andróides são humanóides, então para se presumir a solidão a pessoa tem que ver diferença entre o ser humano e sua forma. Além disso, eu dei ênfase ao fato de que eles fazem tudo o que ele queria, dando margem à interpretação do tédio. Logo, eu não tentei induzir os leitores à conclusão de solidão. Até porque, muitos recorreram ao tédio.
Recebi por e-mail o seu comentário agora no momento em que estava escrevendo a minha
Pra mim a solidão existe pelos dois motivos citados: primeiro porque o ser humano é um animal tribal: quando está sozinho ele se sente impotente e pequeno (porque ele é). E não é só isso. Conversar com um amigo e ser compreendido, entender outra pessoa num nível mais profundo e ter uma amizade sincera é uma forma mais distante da analogia com o homem que vive em tribos. Com um confidente, um companheiro, nos sentimos melhor.
Também tem o fato de que certas pessoas parecem ter a capacidade de despertar coisas em nós. Eu reparei que minha maior facilidade em me relacionar com mulheres se mostrou como algo útil: aprendi muito sobre a sensibilidade com elas. Fiquei mais cor de rosa por causa das amigas, mas isso foi o que me permitiu me conectar. É como Jung diz: a mulher é Eros e o homem é Logos. A mulher se une, se conecta. O homem pensa, interpreta, separa. E, no entanto, creio que nosso cérebro não possui sexo: é andrógino. Por isso a mulher completa o homem e vice-versa. Aliás, eu não gosto muito da misoginia de Schopenhauer. Parece que ele sempre reprimiu esse lado feminino por conta dos conflitos com a mãe e que parte do sofrimento dele tenha sido motivado justamente por isso.
Dessa e de outras maneiras, o contato com o outro nos expande a consciência.
Daí dá pra ver a diferença drástica entre o que nós entendemos por solidão.
E é justamente por isso que o tédio não pode se igualar à solidão. Porque o tédio é a ausência de adversidades e de desafios. É a ausência de algo que nos impulsione a agir. Pra mim, você está simplificando demais a solidão para poder colocá-la como um aspecto social do tédio.
Porque não foi precisamente saturação: na verdade o convívio social comum é uma coisa estúpida e cheia de formalidades que não servem para nada num nível profundo. As pessoas têm uma mascara social, que Jung chama de Persona, e usam essa mascara para o convívio no dia a dia, mas isso não as priva da solidão. Tenho uma amiga, aliás, que reclamava disso. Super simpática, todo mundo conhece, mas se dizia sozinha. Porque não há nada mais profundo do que falar das banalidades do cotidiano, talvez uns amassos...
De forma triste eu vim a constatar que há pessoas que pensam que verdadeiramente são essas mascaras que usam. São totalmente incapazes de ver algo além de convenções e banalidades. Tais pessoas são andróides. Têm forma humana, mas não são humanos.
Recebeu o convite do Google Wave?
Resumo do que vc disse: diferentemente do que pensa Schopenhauer (e eu junto), as pessoas são mais do que desejo, e as relações são "algo mais" que a realização de um tipo específico de desejo (o desejo social).
Recebi o convite sim. Mas vou levar um tempo para tentar usar.
Não necessariamente. Nesses casos é que as palavras parecem falar.
A conexão é como uma necessidade básica do ser humano. Daí, poderíamos chamá-la de desejo. Mas não é como comer ou transar. Não implica num ciclo de satisfação e desejo infinitos: Quando realmente satisfeita, basta a si mesma. O problema é que na superficialidade geral, poucas pessoas vão para além do óbvio nas relações pessoais. Outro problema são os complexos pessoais: muitas vezes a pessoa tem traumas ou outras coisas que podem dar um fim em relações profundas. Enquanto não há conexão, há o desejo, mas depois que o desejo é satisfeito ele não se transforma em tédio.
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