Introdução
O presente texto possui a pretensão de ser uma síntese do tema abordado pelo Professor Nilton, que pediu aos alunos que criassem uma relação ao conceito(obscuro) de pensamento Mítico em Ernst Cassirer e o prefácio do livro de Edgar Morin: Introdução ao pensamento complexo. Pretende eliminar o engano de que Morin busca resgatar a cosmologia mítica, como ele próprio diz no prefácio:
“A segunda ilusão é confundir complexidade com completude. É verdade, a ambição do pensamento complexo é dar conta das articulações entre os campos disciplinares que são desmembrados pelo pensamento disjuntivo (um dos principais aspectos do pensamento simplificador); este isola o que separa, e oculta tudo o que religa, interage, interfere. Neste sentido o pensamento complexo aspira ao conhecimento multidimensional. Mas ele sabe desde o começo que o conhecimento completo é impossível: um dos axiomas da complexidade é a impossibilidade, mesmo em teoria, de uma onisciência.”
Pretende, então, demonstrar que, apesar da semelhança de termos e da mútua contradição com o paradigma reducionista, as duas formas de pensamento são profundamente diferentes.
A diferença básica
Vamos, então, dentro da obra do professor, identificar características relevantes do pensamento mítico. Cassirer disse:
“Um Nativo dessas tribos tem capacidade de notar todos os pormenores mais sutis do seu meio; é extremamente sensível a toda e qualquer mudança na posição dos objetos comuns ao seu redor. Até em circunstâncias dificílimas é capaz de encontrar seu caminho. Quando rema ou veleja, segue com a máxima precisão todas as voltas do rio que está subindo ou descendo. Mas depois de um exame mais atento, descobrimos, surpresos, que, a despeito desta facilidade, parece haver uma estranha deficiência em sua apreensão do espaço: se lhe pedirmos que nos dê uma descrição geral, ou delineie o curso do rio, será incapaz de fazê-lo; se lhe pedirmos que trace um mapa do rio e de seus diversos meandros, nem sequer parece entender o pedido.”
O “primitivo” vive numa espécie de comunhão com o meio, de maneira que lhe é impossível descrever o curso do rio. Porque sua percepção é tão profundamente arraigada no que ele mesmo é que ele não a concebe. É como se fosse auto-evidente. O primitivo, em sua concepção de espaço, não está integrando diversos fatores para interpretar e descrever o percurso do rio, como poderia sugerir o pensamento complexo. Ele na verdade não está interpretando e nem descrevendo: ele apenas vive aquele percurso como se fosse parte de si mesmo.
Nesse sentido, podemos conceber a “completude” atribuída ao discurso de mundo¹ do primitivo como inexistente, porque ele nem mesmo possui um paradigma².
Ou seja, se minha interpretação da explicação prolixa³ do professor estiver correta, ele procurou sugerir que o pensamento complexo de Edgar Morin busca retornar à “completude” do pensamento primitivo. Mas não só Edgar nega essa completude como o Pensamento Mítico é mais uma forma emocional e simbiótica do que um pensamento.
Na verdade, na concepção do primitivo, ele e o ambiente são um e não há nenhum tipo de separação e distinção. Ele não concebe essa unidade em termos epistemológicos⁴. Na verdade ele nem reflete sobre as diferenças e sobre a interdependência dos fatores que influenciam o corpo e o meio ambiente. Ele somente atribui ao meio externo os conteúdos da própria mente, e através de projeções⁵, dá significado mítico aos fenômenos que percebe.
Em termos mais simples, o “primitivo” nem mesmo concebe a idéia de completude e incompletude, e, portanto, não podemos dizer que seu pensamento nos remete a isso. O pensamento, como concebido atualmente, não existe na mente do primitivo. Ele vive integrado a tudo que o circunda, sem identificar fatores, buscar explicação ou mesmo enumerar o tempo e o espaço. Não há o que resgatar do pensamento primitivo porque não há pensamento. Há outro tipo de vivência, que não quero sugerir que seja inferior, mas que é emocional e não racional.
Morin sugere uma nova forma de lidarmos com o conhecimento que possuímos hoje, através da complexificação. Ele não busca retornar a qualquer tipo de completude. Aliás, como ficou demonstrado, não há nenhuma completude (ao menos nessa concepção de pensamento mítico) a qual podemos voltar.
No pensamento complexo, por exemplo, poderíamos conceber uma forma mais plural de se interpretar o ser humano. Ao observar um determinado comportamento, perceberíamos quantas horas ele dormiu na noite, como esta o seu organismo em nível nutricional, e como estão seus níveis hormonais, se está sob o efeito de drogas. Depois, buscaríamos o contexto dele: se está muito estressado, se possui hábitos que instigam tal comportamento, se há algum fenômenos externo que contribui para o surgimento do comportamento. Depois disso tudo, ainda poderíamos buscar descobrir o que ele pensa e sente. De que maneira a personalidade dele, sua identidade, interage com todos esses fatores.
Assim, com esses fatores e muitos outros, faríamos uma leitura complexa do que está acontecendo sem tentar reduzir o comportamento a um desses fatores. Não se pode pensar numa explicação simples dentro do pensamento de Morin, pois a realidade em si, segundo ele, é complexa e não pode ser reduzida por nossas pretensões. No entanto, esse pensamento não pode ser visto como uma volta ao “Pensamento Mítico”, pois esse nem mesmo é uma forma de pensar: é uma forma de perceber o mundo e se relacionar com ele que não envolve o pensamento abstrato.
Conclusão
Tendo por base a “completude” do pensamento mítico exposto pelo professor, não podemos relacioná-la ao pensamento complexo de Morin, que não presume completude, mas “o reconhecimento de um princípio de incompletude e incerteza.”
Além disso, como ficou demonstrado, o pensamento primitivo não presume a completude, pois isso é um conceito abstrato de pensamento que nem existe na visão deles. Na verdade o primitivo vive em unidade e harmonia com o meio ambiente e nem sequer começa a conceber explicações e esquemas representativos da realidade.
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1) 1) Um discurso de mundo é o conjunto de paradigmas através dos quais nós damos significado aos fenômenos que observamos. Ele também determina que fenômenos podemos perceber. É como um filtro de relevância: através dele declaramos o que é relevante e o que não é.
2) 2) Um paradigma é uma idéia fundamental, que dá sentido ao pensamento posterior. Para pensarmos sobre um mandamento divino, por exemplo, precisamos do paradigma que afirma que Deus existe. Sem esse paradigma, não há como pensar num pensamento divino, pois este presume a existência de uma divindade.
3) 3)Um texto ou uma fala prolixa se caracteriza pelo uso de conexões pouco comuns de palavras, frases excessivamente longas e muitas linhas de raciocínio se sobrepondo sem que possamos chegar a alguma conclusão sobre qualquer uma delas, tampouco estabelecer relação entre elas. Um prolixo é definido popularmente como sendo um “enche lingüiça” que fica falando por séculos e no final não disse nada.
4) 4)Epistemologia é a teoria do conhecimento. O campo do conhecimento que busca descobrir o que é o conhecimento e a partir de que método nós podemos adquiri-lo. O método científico é uma abordagem epistemológica da realidade, assim como o pensamento religioso.
5) 5) O termo projeção é utilizado na linguagem Junguiana. Significa que o indivíduo projeta algo da mente dele num objeto externo. Quando o primitivo diz que uma pedra é sagrada pelo fato de um raio ter caído nela, esse “sagrado” é uma projeção da mente dele.
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