Sobre a “omnilateralidade” do bem e do mal


Quando você ler esse texto (se é que alguém vai ler) tenha em mente que estou lidando com uma relação entre metafísica e psicologia. Não tenho a pretensão de proclamar isso pelos quatro cantos do mundo como verdade absoluta. Pelo contrário, tudo aquilo que escrevo é o desenvolvimento racional daquilo que é inconsciente(meu). É como uma forma de integrar minha mente e, com isso, encontrar um ponto de maturidade maior. Para mim toda a vida não passa de um conjunto de futilidades quando vistos por conta própria. Mas essas futilidades guardam símbolos internos que dão origem ao nosso progresso.
Com as minhas paixões eu fui percebendo que se formou como que uma reta passando por vários pontos, sendo as paixões esses pontos. Da primeira até a ultima formaram uma seqüência, que deu sentido a essa direção determinada. Foram ficando cada vez menos concentradas. Cada vez menos focadas.

Com o tempo, o amor que eu concentrava em mulheres, que definia como musas ou deusas, foi se dispersando. Fiquei admirado quando, observando abelhas e outros insetos retirando o néctar das flores, me apaixonei por aquilo.
Foi um sentimento indiferenciado e que não se dirigia propriamente àqueles insetos, mas a tudo o que há de vivo. Aliás, constatei que muitas pessoas escolhem o estudo da biologia por essa razão. Para poderem, através da profissão, realizar esse amor por tudo. É uma pena que, depois de formados, acabem em sua maioria se tornando professores da rede publica (mal remunerados e com carga de trabalho excessiva).
Aquele êxtase (infelizmente) passou, mas deixou uma marca. Pelo modo como as coisas passaram, estabeleci uma relação causal entre minha paixão por uma mulher e aquele sentimento pelos insetos. Parece que a projeção que fiz sobre ela me trouxe uma lição, assim como todas as outras, que me aproximavam cada vez mais dessa forma de amor.
É um amor desapegado e sem direção. Não há um objeto amado, porque tudo é amado. Assim o amor deixa de ser uma prisão para ser um estado de espírito sereno e livre das mazelas afetivas que temos na nossa vida cotidiana. É o ágape. Senti esse amor de forma tão intensa que não mudei minha mente até hoje: nada nessa vida vale mais do que esse amor. É só isso que eu quero. Alcançar a “espiritualidade”. Essa forma de amor que transcende o apego. Crescer é o que eu quero, e todo o resto não passa de um caminho.

Mas é graças á sua musa que Teseu enfrenta o Minotauro, e este ultimo é uma forma de mal também diferente daquele que conhecemos. Não é uma energia maligna com carga afetiva como estamos acostumados a ver. Não é motivado por ódio a uma pessoa, uma idéia, um sentimento ou ao que for. É um ódio por tudo. Para esse tipo de ódio não há um objeto a ser odiado e destruído. Por vezes esse ódio é mascarado por um objeto odiado, mas na verdade esse ódio não tem direção definida. Tudo é mal, e tudo deve ser igualmente destruído. Esse Tudo não exclui o indivíduo que alcança esse tipo de ódio, que acaba eventualmente se autodestruindo.
Esse ódio omnilateral está por trás de todos os atos de ódio afetivo assim como o amor omnilateral está por trás de todos os atos de amor afetivo.
Quem segue o caminho do ódio vai se indiferenciando até chegar no estado em que, por odiar a todas as coisas, odeia a si mesmo e se destrói. É o que eu chamo de fundo do baú: um lugar para onde eu nunca quero ir.

Mas para Sun conseguir a resposta para seu tormento ele precisa afundar-se no poço de águas turvas e tirar de lá a espada que faz com que toda a ordem na qual ele crê afetivamente caia por terra. É o que se passa no meu próprio mito.
No mito cristão, Jesus foi até o inferno e venceu a morte. No grego, Teseu enfrentou minotauro.
E só vence o herói que supera as trevas. Que consegue ressurgir depois de estar imerso na escuridão para trazer consigo “o enigma da imortalidade”.
O que eu vejo diante de mim é o amor omnilateral, que traz harmonia e paz e, do outro lado, ódio indiferenciado, que culmina na destruição. Ambos desapegados, ambos livres desses afetos que nos possuem, e, no entanto, ambos apenas podendo ser alcançados depois de termos vivenciado os apegos que os precedem e que criam entre eles e nós um caminho.
Só pode entender a essência do verdadeiro amor aquele que também conhece o verdadeiro ódio, pois é só quem reconhece o demônio dentro de si que pode alcançar o Deus da própria consciência, num estado em que o demônio não tem como vencer: ele não tem o elemento surpresa.

O cristianismo prega um verdadeiro erro, porque primeiramente ele prega a ignorância, que impede o individuo de explorar a si mesmo e ao mundo. Em segundo lugar, ele coloca o indivíduo como imitador de Jesus, quando essa pessoa não chegou no ponto de Jesus. Faz os homens se privarem das experiências necessárias para alcançar o amor ágape anunciado por Jesus e deixa todos os homens escravizados e apegados falsamente a uma idéia. Digo falsamente porque todo o apego é uma farsa. Não pode ser uma realidade eterna, mas apenas um estágio que liga o homem a Deus, o todo...
Um homem com consciência pode viajar dentro da própria mente e, assim assimilar lições profundas. Aquele que está privado dessa consciência acaba projetando todas as fases de seu desenvolvimento no mundo externo. Projetando os estágios do seu desenvolvimento no mundo ele cresce, mas está sempre correndo o risco de se apegar a um dos estágios. É por causa do apego que a alma do homem se atormenta.
Quando vivermos no amor, toda a dor terá passado. Em especial, toda a dor terá valido a pena! Eis a minha metafísica, o sentido da minha vida!

“Em geral o homem atribui grande importância aos laços afetivos. Ora, estes encerram sempre projeções que é preciso retirar e recuperar para chegar ao si-mesmo e à objetividade. As relações afetivas são relações de desejo e de exigências, carregadas de constrangimento e servidão: espera-se sempre alguma coisa do outro, motivo pelo qual este e nós mesmos perdemos a liberdade. O conhecimento objetivo situa-se além dos intrincamentos afetivos, e parece ser o mistério central. Somente ele torna possível a verdadeira conjunctio.”

(memórias sonhos e reflexões – Carl G Jung)

0 comentários: