Acerca da fragilidade (e subjetividade) da epistemologia


Esse texto é um complemento a este outro:

http://insilasbrain.blogspot.com/2009/09/pensamento-passivo-moral-metafisica-e.html

Hoje em dia muitos se vangloriam de que a interpretação dogmática teve seu fim. Não somos obrigados, é fato, a aceitar conclusões. Assim, as conclusões receberam a dádiva da mutabilidade.
Pode-se ver na história como as conclusões são frágeis: até mesmo partindo da mesma epistemologia pode-se cometer erros de avaliação.
Mas a rigidez dogmática sobre a epistemologia ainda é tão irrefletida quanto costumava ser: hoje ao invés de ser chamado de herege por desafiar o paradigma corrente o indivíduo é chamado de idiota.
Criou-se o método científico que quer presumir que a única forma de conhecermos a realidade é através a vivência sensorial. Daí decorre, enquanto não encontrarmos meios para observar um evento com os sentidos, tal assunto deve ser ignorado.
Ora, isso obviamente não procede. Muitas verdades comprovadas através dos sentidos, como a constante mudança no cérebro, já haviam sido alcançadas através da reflexão à priori. Quando pensamos em avaliar o ser humano, esse tipo de percepção se torna extremamente ineficaz tanto do ponto e vista individual quanto do coletivo.
É comum, em debates sobre ciência (underground, pela internet), notarmos a especial falta de tato que as pessoas que aceitam tais premissas demonstram ter. Vivem apenas tentando demonstrar como os outros são estúpidos por não concordarem com suas premissas “obviamente corretas”.
Não apenas com indivíduos que são assim esses comportamentos ocorrem: existem outros, ainda, que assumem uma postura de “mestres”. Dessa maneira, acreditam que a sabedoria do outro é incapaz de capturar sua fala e, através desse pensamento, a opinião do outro é desqualificada sempre que entra em contato com suas convicções: porque o outro se encontra num estágio menos elevado de consciência. E ainda dizem que isso é ser compreensivo!
Assim, de ambos os lados há uma fixação irrefletida sobre a epistemologia a partir da qual se constroem os pensamentos.
Apesar disso, pelo que observei, é comum que essas visões sejam apenas parcialmente verdadeiras. Se, por um lado, a visão intuitiva e abstrata (percepção inconsciente, criatividade) tem sua área de atuação, também há uma área de atuação para a visão através dos sentidos e ambas são complementares muito mais do que excludentes: e em diversas disciplinas ambas as visões são essenciais. Só se tornam excludentes a partir do momento em que um dos dois quer se tornar universal em detrimento do outro. Dessa forma, se uma das perspectivas pretende ser universal é forçoso que a outra seja excluída.
Mas nada da ao pensador o direito de excluir uma perspectiva em detrimento de outra: isso só é feito por causa de obstinação pessoal e leva, inevitavelmente, à parcialidade, o que já é um erro.
Não procuro, aqui defender a relatividade absoluta: Esse relativismo, segundo penso, não passa de um fruto das nossas miopias. No momento em que formos educados num ambiente menos alienante que não estimule complexos psicológicos e que dê valor aos mais diversos tipos psicológicos, poderemos nos aproximar de uma maior objetividade.
Até lá, deve-se entender que tanto o mundo interno quanto o externo apresentam parcialidades que podem ser generalizadas facilmente se não houver reflexão profunda.
A relativização das opiniões, em geral, acontece por causa de um impulso sentimental e extrovertido: Para entender isso basta entender que o extrovertido foca sua atenção aos objetos externos e o sentimental da mais valor aos sentimentos (no caso, os dos outros) do que à efetiva confirmação da premissa ou da conclusão. E isso acontece apenas porque estar errado, hoje, é associado a fracasso: porque se eu for considerado errado por algum avaliador eu receberei nota baixa se serei um “derrotado”.
Daí decorre que mesmo o ponto de vista relativista é relativo, pois parte de um tipo psicológico específico. Da mesma forma, um introvertido e racional pode muito bem seguir a rigidez lógica de uma argumentação e generalizar um argumento, ignorando completamente os sentimentos de quem contesta.
Mas essa mesma rigidez lógica, em primeiro lugar, não é tão rígida assim. Observei que, por vezes, por mais que, na dialética, uma argumentação pudesse parecer perfeitamente razoável, ela me desagradava. Daí eu conseguia encontrar outra construção argumentativa tão razoável quanto a primeira, que me agradava. Essa, irrefletidamente, era tida como verdadeira.
Pelo que observei, aquilo que chamamos hoje de individualidade não passa da parcialidade tipológica e da influência de diversos complexos psicológicos, como o foram definidos por Jung. Assim é que as pessoas acreditam diferenciar-se umas das outras.
Daí decorre que nossas diferenças nada mais são do que diferentes tipos de miopias e preconceitos: E nunca vi um ser humano que não fosse assim.
Tendo tal argumentação por base, não vejo como poderíamos argumentar objetivamente com relação às questões que envolvem pessoas: Sempre que pensarmos que o fazemos estaremos apenas alimentando nossas convicções, que se formam graças à nossa parcialidade.
Para tal situação também é interessante o treinamento dialético tanto em leitura quanto em escrita: muitas vezes autores que partem das mesmas premissas e chegam às mesmas conclusões entram em debates acreditando que o outro se opõe à sua visão.
Disso tudo decorre que se deve renunciar ao apelo presunçoso dos complexos, que buscam, em sua parcialidade, ser o todo: caso contrário, a ciência não passará de uma ferramente de auto-afirmação. Nas generalizações opostas, por vezes, pode-se encontrar um perfeito acordo quando se substitui o universal pelo parcial.
De outra maneira, não haverá liberdade e conhecimento: apenas convicção. E convicções, longe de serem virtudes, são as piores prisões que existem.

Biohazard: a limpeza (parte 3)

No mercado o tempo parecia que não passava. A bateria do meu relógio acabou e eu nem queria mesmo saber as horas. Comemos primeiro os pães e as coisas que a gerente disse que estragariam rápido. Minha mente fervilhava com idéias sobre denunciar toda essa desgraça, mas vendo os fatos, é difícil acreditar que eu possa sobreviver. Já passou uma semana, eu acho, e os monstros lá fora continuam de pé normalmente. Como é que essas coisas conseguem?

Eu só vivia dentro de casa, então não conhecia muita gente. Mas reconheço alguns. Tem o cara da padaria. Grandão. O segurança do banco, a mulher da loja de presentes. Vai ver se não tivesse vindo trabalhar estariam vivos. Só penso merda: provavelmente estariam mortos mesmo.
Isso me faz pensar no valor do corpo. Será que essas coisas possuem algum espírito? O que as mantém vivas? O que da a elas energia e motivação?

A gerente do banco nos mostrou o forno que usávamos para assar comida às vezes. Também usávamos o fogão que tinha lá. Estava muito velho. Nem sei porque um mercado tem fogão.
Depois de comer, limpar as coisas e organizar os produtos, coisa que ela fazia compulsivamente, ela se sentava no canto onde foi encontrada e abraçava as pernas. Ficava se balançando. Tentei uma vez falar com ela, mas ela me ignorou completamente. Só respondia quando se tratava de um problema pra ela resolver.
O sargento logo percebeu isso.

- Alberto, chama lá a gerente.
- Sim, senhor.

Alberto veio andando. Não entendo bem porque ainda obedece às ordens do sargento. Afinal, toda a estrutura hierárquica não tinha nenhum valor nesse momento. Talvez ele só queira se ocupar, e obedecer ordens seja o bastante. Ou talvez ele esteja tão habituado a ser comandado que isso se tornou natural como respirar.

- Isabela, Sargento quer falar contigo.

Ela não respondeu. Continuou balançando agachada no chão.

- vum bora, tu tem que resolver um problema pra ele.
- Que problema? – perguntou ela
- Sei lá, porra. Não é problema meu. Bora!

Ela foi com ele, que a segurou no braço. Consegui deduzir pelo olhar dele que queriam se aproveitar dela, mas ela parecia fora de si. Talvez seja estresse pós-traumático ou algo assim. Segui-os e vi o que aconteceria.
- Qual é o problema? Perguntou Isabela com seu ar de sempre.

Ela sorria muito quando falava com os outros. Sempre parecia alegre. Percebi que era um sorriso compulsivo. Nada natural. Enquanto sozinha ela falava sozinha com voz de angustia. Quem seria essa mulher de verdade? Será que sua mente poderia se recuperar?

- Não façam isso! – exclamei
- Não é lerdo mesmo, em moleque. Já sacou a porra toda, então?
- Ela ta traumatizada cara. Isso vai ferrar com a cabeça dela. Não faz isso.
- Vai pra merda, moleque. Tu fica se fazendo de santo aí, mas tava olhando pra bunda dela que eu vi. Vai tomar no cu. Tu também quer!
- Pra isso que tenho um código de ética.
- Hahahahahaha! Tu é maluco, cara. Olha só pra ela. Ficou maluca. Se duvidar nem sente nada!

Eles tinham armas pesadas e eu não. Não adiantaria enfrenta-los. Eles eram cinco, sempre armados. Eu tinha só uma pistola e mesmo assim nem sabia atirar. Minhas palavras foram vazias.
Eles fizeram uma fila. Colocaram-na no caixa, onde passavam os produtos. Olhando aquela cena eu sentia um misto de cólera, tristeza, desespero e desejo. Sim, devo admitir que também queria. Mas meu senso de ética jamais me permitiria. Não eu, que luto pelo bem. Não eu...
Peguei uma garrafa de vodka e fui pro açougue. Bebi rápido e apaguei. Disso eu lembro apenas uns fragmentos. Alguém com a garrafa na mão. Alberto. Ria muito, me levou pra algum lugar.

- Isso aí, cara! Isso aí porra!

Acordei no segundo andar do mercado, onde ficavam algumas mesas e havia um vidro que dava visibilidade para a rua. Levei um susto com os monstros, mas estava de ressaca, e me movi devagar. Meu movimento lento não causou admiração neles. É como se eles esperassem desespero. Os movimentos lentos, tranqüilos ou mesmo atrapalhados como os meus não surtiam qualquer efeito. É como se eu já fosse um deles.
Talvez seja isso. Talvez só estejam embriagados e um dia acordarão com uma tremenda ressaca. Quem sabe tudo volta a ser como era?
Como se o que era fosse algo bom...

- Acordou, garoto!
- Sargento?
- A partir de hoje pode me chamar de Silva.
- To acostumado a te chamar de sargento já.
- Chama de sargento silva, então.
- Ta. Que aconteceu ontem?
- Lembra não?
- Nada, cara. Bebi pra caralho.
- Porra, tu comeu a Isabela com vontade, maluco. Tinha que ver. A mulher nem reclamou, Gozou e os caralhos.
- Que?
- É, maluco. Tu apagou e ela continuou tentando te agarrar mesmo você estando apagado.
- Puta que pariu...
- To falando que no fundo tu não é tão certinho assim! Bora, ela acordou de bom humor e fez carne.

Desci e fui recebido pelos soldados com um certo grau de admiração. Não é possível que me admirem assim só porque comi a mulher. Devo ter feito algo mais.

Perto do depósito estavam empilhadas caixas, como que formando uma mesa. Estava forrada com uma toalha que estava a venda no mercado. Ela fritou um bife de alcatra, e realmente estava bom. Com farofa pronta, batata palha, arroz, feijão e queijo. Estava tudo bom.
Ela se sentou do meu lado e ficou segurando meu braço. Era estranho pra mim. Ficava beijando meu braço.

- Que mais eu fiz ontem à noite?
- Maluco, tu virou outra pessoa. Vou te falar uma parada: nunca esperei isso de você.
- Que eu fiz?
- Tu catou um fuzil, subiu no telhado e explodiu um carro lá no fim da rua. Daí todos os zumbis correram pra lá e tu deu o papo: cata as bombas do carro. Sargento já tinha sacado seu plano, daí já chegou com os explosivos. Agora temos a corneta e mais quatro bombas, neguinho. Vamos mandar esses monstros de merda pro saco. Porra, a gente vai sair desse buraco!
- Eu atirei com o fuzil?
- Pois é, maluco. Tu parecia que tava possuído. Ficava chamando a gente de burro, que já devíamos ter feito isso.
- Algo mais?
- Ah sim. Deu mais uma idéia quando tava chapado quase dormindo.
- Qual foi?
- Foi assim que tu falou: Dois no teto. Um explode um carro do estacionamento na frente e atrai os monstros e o outro avisa pro sargento se a barra estiver limpa do lado de trás. Daí se estiver eles saem, atravessam a rua e colocam a bomba lá. Longe do carro, pra não foder com ele. Daí voltamos, trancamos tudo e acionamos a corneta. Depois de explodirmos a maioria, matamos o resto com fuzil. A gente tem bala pra caralho. Maluco, tu é inteligente pra caralho. Só fica pensando e sai com uma dessas.

Pareceu mesmo uma idéia razoável. Só não me imagino fazendo esse tipo de coisa. Pareceu como um plano que não viria de mim. Fico sempre concentrado nas questões abstratas. Será que inventei mesmo esse plano? Quem sabe?
Depois de comermos, Isabela lavou os pratos e os talheres. Poderíamos simplesmente jogar fora e pegar outros, mas ela lavou e guardou no mesmo lugar em que encontrou.
Sargento Silva e os soldados ficaram no teto praticando tiro ao alvo e eu sentei num canto. Minha cabeça tava explodindo.

- Ei, qual é o seu nome?
- Roberto.
- Posso te contar um segredo? – disse ela ao abraçar meu braço.
- Conta.
- Sei que você é um anjo. Pode deixar que eu não conto pra eles. São do diabo. Se eu contar pra eles, acabam te matando.
- Não sei bem se sou anjo.
- Porque?
- Porque anjos são bons. Não acho que eu sou bom.
- Você é bom. Eu posso sentir que é bom.
- Eu te estuprei ontem.
- Não.
- Não?
- Você fez amor comigo, me trouxe de volta pro mundo. É um anjo, tenho certeza.

Fiquei sem palavras. A fantasia daquela mulher a levou a efetivamente me endeusar. Mal sabia ela que não sou nada disso. Bem, se essa fantasia é boa pra ela, quem serei eu a negar?
Abracei-a, o que pareceu para ela como uma confirmação das afirmações que ela acabara de fazer. Ficamos abraçados ali o dia todo. Me acostumei com o calor dela. Peguei no sono

Havia um menino na frente do lago, e de repente ele se tornou um gato filhote. Parecia débil. Ao que parecia, o gato pretendia mergulhar e pegar um peixe.
Contrariando todas as expectativas, o gatinho mergulhou com tanta destreza e velocidade que não foi possível vê-lo antes de ele sair do lado com um peixe quase do seu tamanho na boca.
O menino cresceu e teve que voltar ao colégio depois de grande. Seu diploma havia perdido a validade. Ainda precisava aprender antes de continuar: é o que o estado decidiu.

- Ô moleque. Ta dormindo porque? Cacete, agora só vai dar pra detonar os zumbis amanhã.
- Beleza, então.
- Dormiu feito anjo. - Disse Isabela
- Aé? Estranho...
- Sonhou com o que?

Contei meu sonho a ela, ao que ela reagiu imediatamente.

- É uma mensagem de Deus!
- Que?
- Ta dizendo que você vai conseguir.
- Conseguir o que?
- Não sei dizer, querido. Mas é algo para o qual você não se imagina preparado. Vai conseguir e contrariar suas expectativas.

Sobre a utilidade dos debates

Antes de explicar a argumentação é bom deixar claro o caráter subjetivo desta: é claro que as objeções são bem vindas, mas ao faze-las deve-se ter em mente que não pretendo colocar isso como uma regra a todos os indivíduos. Daí decorre que opiniões contrárias podem se somar ao meu argumento ao invés de contraria-lo. Isso, aliás, já parte das premissas do próprio texto.
Dividi os debates em dois tipos, e espero deixar meu julgamento de valor acerca dos tipos claro para os leitores.
O primeiro tipo de debate é o que se baseia em competição: Cada indivíduo pretende colocar seu ponto de vista acima do alheio.
Por mais que isso possa soar deprimente, há casos em que esse tipo de debate é inevitável. Principalmente nas questões prática. Se tivermos, como exemplo simplório, que escolher entre dois caminhos e cada um dos argumentadores tiver uma posição em relação, dever-se-á apresentar argumentos que, naturalmente se contrapõem. Nesse tipo de debate, por vezes a razão não tem qualquer efeito: vence quem fala mais alto, quem possui voz de comando ou quem possui o poder deliberativo maior (R$).
Quando esse tipo de debate acontece no nível abstrato, se demonstra o conflito psicológico. Porque nas questões filosóficas, metafísicas, epistemológicas e suas ramificações, não há definição. A definição que cada indivíduo tem nada mais é do que um reflexo de seu psiquismo: não vai além da subjetividade.
O simples fato de esse tipo de diálogo ocorrer já nos prova que precisamos reafirmar nossos complexos: reafirmar nossa fé na proposição intelectual (ainda que cética). Apesar de tomar dimensão dialética (retórica) considerável (algumas vezes), na maioria das vezes esses diálogos não passam de discussões entre crianças: não é. É. Não é. É. Ad infinitum, porque basta que afirmemos uma opinião repetidamente para que ela se torne verdadeira.
Nesse caso, embora possa parecer, o debate não é inteiramente inútil, porque sempre que dialogamos há uma nova oportunidade para reorganizarmos nossos pensamentos. É sempre um exercício para o intelecto e para a capacidade de expormos idéias. Apesar disso, quem já participou de diálogos como esse, entendem que é inútil para o crescimento pessoal: serve apenas para dialetizarmos nossa opinião mais intensamente, e isso pode até ser prejudicial se o indivíduo fizer isso para reafirmar suas convicções de origem psicológica.
Há outro tipo de debate, que seria melhor definido como diálogo se as opiniões não fossem discordantes, havendo atrito. Um exemplo desse tipo de debate pode ser encontrado no meu blog. Um registro de um debate relativo ao conflito entre poligamia e monogamia.

http://insilasbrain.blogspot.com/2009/04/poligamia-x-monogamia-profundidade-e.html

Não é necessário que, nesse caso, os debatentes sejam individuados e nem que sejam espíritos “superiores”. Apenas se requer que ambos saibam que é improvável que suas idéias não sejam parciais. Noutras palavras, isso também poderia ser definido como humildade, embora, mesmo eu sendo arrogante pessoalmente, tenho conseguido alcançar essa meta. Para isso, é necessário que vejamos o caráter efêmero de nossas idéias, que coloco insistentemente nesse blog.
Para esse tipo de diálogo acontecer, deve haver essa “humildade” dos dois lados (se só existirem duas opiniões). Caso contrário, um afirmará que a opinião é universal, o outro afirmará que é relativa e nenhum dos dois fará mais do que repetir essas afirmações.
Quando duas pessoas partem da premissa de que anda do que pensam é absoluto, já que foram capazes de entender contextos externos e internos para o desenvolvimento de sua opinião, identificando nela seu caráter subjetivo, o debate se torna extremamente produtivo e prazeroso.
Nesse caso, os dois lados realmente se importam com a opinião do outro, tanto como complemente para a própria como para entender o psiquismo deste, o que poderia possibilitar amizades mais verdadeiras e menos fundamentadas e projeções e expectativas irracionais.
Daí decorre que os dois constroem uma visão mais profunda e até mesmo mais próxima da verdade (se é que há alguma verdade), porque um consegue dar conta das miopias do outro. Afinal, por mais que saibamos que somos míopes, isso não nos torna isentos de emitir conclusões parciais. Porque não se trata de compreensão racional, e sim de vivência: se não vivemos experiência que nos individuaram, nosso entendimento será parcial por causa de nossos complexos e do nosso tipo psicológico.
Não há a necessidade, nesses diálogos, de repetir o mesmo argumento incansavelmente, e por isso ele não nos ajude no nosso exercício dialético tanto quanto os de competição.
Mas o exercício dialético serve apenas para a comunicação: seria um absurdo pensarmos que pela mera construção dialética nós podemos encontrar alguma verdade, porque essa dialética nada mais faz do que expressar uma opinião íntima que não possui forma de palavras, mas permanece em forma de pensamento até que precise ser traduzida em palavras para ser expressa.
Justamente por isso que quem memoriza palavras pode, muito bem, não ter nenhum conhecimento acerca de seu conteúdo.

Biohazard: a limpeza (parte 2)

Continuei pela estrada a uns 110 por hora até chegar no caminhão do exercito que vi da praia. Apontaram metralhadoras para o carro, ao que parei o carro.

- Sai do carro com as mãos na cabeça
- To com uma pistola na mão direita. Não vou atirar. Olhem estou segurando só com dois dedos.
- Matamos ele ou não?
- Não sei, não parece ferido.
- Me matar é um desperdício. Não to infectado.
- Como sabe que é uma infecção?
- Deduzi. Enfim, também tenho uma arma. Apesar de não saber atirar eu posso aprender e acho que pra enfrentar essas coisas você precisarão de ajuda.
- Sei não. Você tem cara de lerdo.
- Se eu atrasar vocês é só me deixar pra trás.
- Ta certo então.
- O que vocês tão fazendo aqui?
- Acabamos de fugir do bairro mais próximo: completamente infectado.
- Puta que pariu! Lá pra Angra também ta?
- Ta tudo infectado pra esse lado da estrada. Só paramos aqui porque não temos mais gasolina.
- Se souberem como podem tirar a gasolina desse carro que eu vim dirigindo. Se não, podemos nos amontoar nele mesmo e ir.
- Somos cinco: um vai ser que ir no porta-malas.

Um deles quebrou o vidro do porta-malas com o fuzil, tirou os cacos de vidro e entrou.

- Fico aqui de olho atirando neles se vierem atrás da gente.
- Tem zumbis vindo de onde você vieram?
- Eles correm pelas estradas quando dão com carros, mas quando não tem eles vêm andando. Devem levar algumas horas até chegarem aqui.
- Tinha alguns vindo atrás de mim de onde eu vim também, mas a vila não tem tanta gente.
- Tem mercado lá?
- Tem.
- Temos que parar num mercado. É ponto de suprimentos.
- Só voando, cara. Ta cheio deles lá.
- Disse que o moleque e lerdo. Cara, nós temos como matar eles com explosivos. Temos detonadores de controle remoto.
- Como vão fazer pra juntar eles em volta do detonador?
- A gente ta com uns sinalizadores sonoros. Só ligar que eles vêm correndo atrás do barulho.
- Caralho, pensaram nisso quando?
- A uns quatro dias.
- Puta que o pariu! Pensei que isso era dessa madrugada.
- Dessa madrugada aqui. Lá pro centro do rio já ta tudo destruído. Estamos fugindo pro sul porque disseram que lá ta seguro.
- Certo. Deve haver um aglomerado deles perto da entrada da usina a estrada principal tava com pelo menos cem que estavam me seguindo, mas se formos pela usina tem uma passagem direto pra vila. Se não formos por lá não vai ter como entrar com o caminhão.
- Tem monstros perto dessa entrada da vila?
- Vi um grupo grande numa rua próxima. Nesse momento devem estar parados. Com seu detonador podemos pegar eles e chegar até o mercado.
- Não é tão lerdo assim. Só temos dois sinalizadores, embora ainda tenhamos uns cinco detonadores. Vamos explodir eles na entrada da usina e na vila. Daí entramos no mercado e fechamos tudo.
- E depois? – perguntou um dos soldados
- Depois não sei, porra. Tenho cara de comandante. Lá a gente decide.
- Beleza, bora. O motorista do caminhão assumiu o comando do carro. Pegaram mais uns cinco fuzis com silenciador e cinco bombas.

Dirigimos até um ponto próximo à usina: bem na entrada havia vinte deles. Pararam com o carro e atiraram de longe. Um barulho insignificante no tiro. Pareciam mesmo preparados para enfrentar essa praga. Preparados demais...

- deve haver mais deles la pra baixo. Vamos colocar o explosivo naquele ponto, onde não danificaremos a passagem da estrada e nem a entrada.

Fui com eles, que agiam como se eu não existisse. Alguns zumbis nos avistaram e vieram correndo e berrando.

- Esses aí vão atrair outros.
- Vão nada. Se matamos rápido os outros meio que interpretam como alarme falso.
- O que são essas coisas?
- Para de falar, porra.

Me calei e observei como eles trabalhavam coordenadamente. Simplesmente não atiravam no mesmo zumbi, e sempre acertavam a cabeça. Provavelmente eram soldados de elite ou algo assim. Ativaram a bomba e em seguida o som. Parecia o sinal do meu colégio.
Correram imediatamente e eu fui junto. Felizmente consegui acompanhar o ritmo.
Do ponto em que estávamos era possível que os monstros nos avistassem, mas apenas poucos nos viram. Todos correram em direção ao som. Quando se aglomerou uma grande quantidade eles detonaram o explosivo, que lançou alguns longe.
Alguns estavam em chamas, outros desmembrados. Somente alguns pareciam começar a se levantar. Arrancaram com o carro. Três ficaram do lado de fora atirando nos que nos perseguiam. Eram poucos.

- É pra onde, moleque?
- Vira pra direita ali. Vai direto e quebra a cerca

Seguimos por aquele caminho que eu nunca havia visto e acabamos na estação de tratamento de água da vila. Lá de cima deu para ver muitos zumbis tentando sair do valão. Provavelmente desceram por outra parte atrás daquele meu colega que escapou. Será que ele sobreviveu?

- Há muitos deles presos no valão, mas se correrem até a praia se libertam.
- Foda-se, não vou gastar bala com zumbi que não ataca. Aliás, falando em praia, tem cais nessa praia?
- Não, não é permitido nem permanecer com barcos na praia.
- Que merda...

Seguimos pela rua da extremidade. Tudo estava deserto por ali. Alguns zumbis estavam sozinhos espalhados pelo local. Os soldados os mataram rápido. Muitos nem perceberam nossa presença. Na parte de trás do mercado havia aquele típico cheiro ruim. Um caminhão de refrigerante estava com a porta aberta, e a entrada estava escancarada. Provavelmente lá dentro confrontaríamos problemas. Entramos e passamos por alguns corredores escuros.

- Moleque. Volta e pega os rifles.
- Porra. Sozinho?
- Vai logo, porra.

Voltei contrariado, mas não tinha escolha. Eram cinco, e pensei que poderia carregar todos de uma vez. Um erro, pois eram muito pesados. Com dificuldade peguei dois e levei pra dentro. Quando sai para a segunda viagem ouvi berros de dentro do mercado e tiro. O barulho por certo atrairia mais monstros, e por isso me apressei em carregar outros dois rifles. Quando voltei, vi uns dez deles vindo correndo. Coloquei a pistola na cintura e usei o rifle para atirar neles. Segurei a arma como os personagens dos jogos fazem e dei uma rajada. Caí no chão e acertei apenas um na perna. Ele caiu e outro tropeçou nele, mas seria inútil tentar enfrentálos. Entrei e tentei fechar a porta, mas um deles colocou o braço pra dentro antes. Apoiei as duas pernas na parede e fiz força para não abrirem, mas percebi que não agüentaria muito: os malditos são muito fortes.

- ajuda aqui! Caralho, vão entrar!

Um dos soldados veio e começou a atirar pela fresta aberta graças ao braço do zumbi. Depis que o braço parou de se mover eu tirei os pés da parede e ele continuou atirando. Joguei o braço do monstro pra fora e fechei a porta.

- Trouxe os explosivos?
- Não. Não deu tempo.
- Porra, seu animal. Agora vamos sair como? Tomar no cu! Lerdo pra caralho!

Peguei barras de ferro e travei a porta com elas. Estava em choque e não queria falar nada. Lá dentro, uma carnificina. Uns trinta zumbis estirados no chão.

- vão apodrecer. Temos que tirar os corpos daqui. Vai levar pra onde? Pro jardim da sua casa?
- Não sei, cara. Mas deixar aqui vai ser foda.
- Larga eles no frigorífico. – Falou uma voz feminina vinda do acouge. – Tem espaço lá e não vão apodrecer, feder e nem trazer pestes.

O olhar dela era maio vazio. Nem quero imaginar o que ela presenciou aqui. Parece que suas emoções estão escondidas dela mesma.

- Quem é você?
- Sou Isabela. Sou gerente do mercado. Tava escondida no açougue. Fecharam lá atrás?
- Sim.
- Então aproveitem que ainda tem eletricidade aqui. Vou tentar acessar a internet la em cima. O combustível do gerador deve acabar logo logo.

Sentei no chão perto das frutas. Peguei uma maçã e me encostei uma prateleira. Imaginei que essa seria a hora em que o pesadelo acabaria...

- ô Maria mole. Sentou porque. Temos que carregar os corpos!
- Beleza.

Me levantei e joguei a maçã numa caixa vazia. Quatro soldados carregavam dois corpos, então provavelmente eu carregaria um com esse que me chamava.

- qual é o seu nome, cara?
- Soldado Costa.
- Não, to falando do seu nome.
- Alberto.
- Então, Alberto. Vocês mataram todos esses ou alguns já estava caídos? Já tinha uns cinco caídos.
- Vamos tomar cuidado com os que já estavam caídos. Sei lá, podem se levantar.

Ele deu um tiro na cabeça de um que estava próximo.

- ta seguro pra você agora?
- Que porra foi essa aí? – chegou gritando outro militar.
- Né nada não, sargento. É que esse moleque ta com medo de os caídos levantarem.
- Para de sacanear o moleque, porra. Os caídos levantam mesmo. E para de enrolar e começa a carregar essa porra.
- Sim, senhor!

Pegamos o corpo, eu pelas pernas e ele pelos braços. Sacudiu o cadáver, o que me deu um susto. Começou a rir. Numa situação dessas eu também riria, mas as imagens que estavam na minha mente me impediam. Chegamos no frigorífico e colocamos o corpo em cima de outros dois, lá no fundo. Tinha um cheiro estranho. Uma mistura de carne crua com cadáver. Até que o cheiro não era assim tão diferente.
Carregamos todos os corpos. No total trinta e um. No final eu estava exausto, mas ainda tivemos que limpar o chão. Quase todo o hospital estava banhado em sangue. Todo aquele trabalho mantia pensamentos distantes da minha mente. Não sei dizer se isso é bom ou ruim. Por um lado, isso alivia a angústia que toma conta de mim, e por outro eu sei que reprimir não vai me ajudar a longo prazo. Mais cedo ou mais tarde vou ter que enfrentar essas imagens.
Quando tudo estava em ordem o sargento nos deu ordem para descansar. Eu tinha, efetivamente, me tornado um soldado. Em meio Àquele desespero ele demonstrava uma firmeza que, de certa forma, me fazia ouvi-lo.
Peguei um saco de arroz, fiz de travesseiro e deitei no chão.

- Já vai dormir, moleque?
- Porra, se eu não dormir eu vou entrar em parafuso, cara. Caralho, ta todo mundo morto!

Tentei segurar, mas uma lagrima escorreu pelo meu rosto. Pensei que Alberto iria rir, mas ele se calou. Com um olhar meio vazio e triste ele se foi ao comando do sargento. Nem quero saber o que vão fazer.

O cavaleiro azul voltou. Eu já o conhecia de outro sonho. É um sonho lúcido, e o ambiente está agradável de novo. Cheiro bom, dia claro. Eu e o cavaleiro azul estávamos no quintal da minha casa.
- E agora? – perguntei
- Agora tudo se renova.
- Tudo está sendo destruído!
- Tinha que ser assim.
- Porque?
- Não tenho nada com explicações ou justificativas. É assim que acontece.
- Acontece o que?
- De que vale minha explicação? Vá adiante e verá!

Acordei com o barulho de tiros. Abriram um buraco no telhado e subiram.

- Da pra pisar, sargento!
- Como é que ta aí fora?
- Ta foda, sargento. Tem pelo menos uns 150 lá atrás. Na frente mais sessenta. Isso sem falar nos que tão vindo pra cá das ruas. Vão chegando um a um.

Levantei e fui até eles.

- Se matarmos eles e ficarmos em silêncio, talvez aqui seja seguro. A entrada principal ta destruída e aquela de onde viemos é meio escondida. Duvido que muitos venham de lá.
- Ta, mas e depois. Rapa, o coronel deu o papo antes de sair que quem chegar no sul será levado pro hemisfério norte. Pra lá não tem infecção.
- Onde isso começou?
- Sei lá, porra.
- Como sabe que não tem no hemisfério norte?
- Porque o coronel disse.
- Isso é burrice. Se sairmos daqui pro sul a gente vai acabar morrendo. Ou morremos no meio do caminho ou morremos lá: é só em filmes que os americanos sobrevivem às piores tragédias.
- Isso não é verdade. – interferiu um dos soldados. – diz pra ele sargento.
- Porra, não é pra ficar passando essas informações!
- E quem vai reclamar?
- Ta legal. Se liga, nosso coronel nos treinou contra esses monstros um mês antes de a pandemia começar.
- Caralho, você estavam prontos?
- Mais ou menos. Sabemos como eles se comportam, mas na prática é complicado. Éramos um grupo de dez.
- Puta que o pariu!
- Que foi? – disse o soldado.
- Isso foi um plano de extermínio, cara. Eles exterminaram nosso país!
- Que se foda. Vou pros estados unidos e la terei vida boa.
- Porra, pensei que no exercito ensinavam patriotismo. Quer dizer que os caras destruíram sua vida e sua nação e você não se importa. E sua família
- Eu não tenho família, e esse papo de patriotismo é balela. Na hora do vamos ver as pessoas só pensam em si.

O outro soldado pareceu movido pelas coisas que eu disse. Não acredito com tanta convicção em patriotismo. Na verdade também me sinto indignado por todos os outros países que provavelmente também foram dizimados por essa praga. Só estava tentando me articular na linguagem deles, o que pareceu inútil.

Sobre Humanas, Musas e Deusas

Não quero submeter esse raciocínio metafísico análise psicológica. Se alguém, algum dia e por algum motivo desejar fazer isso, que o faça. Eu não o farei.
Quero falar aqui sobre algo para além de qualquer definição racional e que, no entanto, exponho com as palavras racionalmente (e não me importo com a contradição).
Mulheres são, para mim, criaturas peculiares e especialmente atraentes. Conseguem, com suas qualidades estéticas e espirituais, carregar meu espírito com enorme facilidade. Falo delas, então, com o coração.
As humanas são mais comuns e, não por isso, pouco encantadoras. Toda a musa e toda a Deusa também é humana. As humanas têm olhares penetrantes. Elas iluminam a alma do homem com sorriso, incendeia um espírito com uma bela dança.

“Sucedeu que, quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra, e lhes nasceram filhas, viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram.”
(Gênesis 6:1-4)

As humanas garantem aos homens que não há como viver só de espírito. Nos trazem a carne, e quem disse que isso é ruim? Não é! Humanas possuem algo que seria interessante para muitos homens: são capazes de remover deles todo o pensamento, toda a arbitrariedades. Com elas, só somos, só queremos. Mostram, efetivamente, que estamos vivos...

As musas, de forma geral são bem humanas. Sua forma, aos nossos olhos, é atraente. Não menos do que as humanas. Mas elas possuem algo para além disso. É o germe do divino. São realmente semi-deusas que tocam no profundo da alma dos homens. As mudanças que uma musa pode trazer a um homem são tão profundas que eu arrisco deduzir que elas estão aqui, efetivamente, para ajudar-nos no nosso progresso espiritual. Quando em contato com a musa, é comum que o mundo desapareça para o observador. E ela nem precisa ter consciência disso. É que, para os homens que olham com a alma, elas mostram um brilho tão grande que não há como olhar para algum outro lugar. Elas queimam a alma e trazem aos homens o poder do intelecto ou o da paixão.

Que a deusa abençoe todas as musas desse mundo, que cruzam nosso caminho nos ensinando a existir e nada pedem em troca além de nossa devoção. E essa devoção nem precisaria ser pedida: os que são realmente devotos não o são por escolha. Por que o que motiva é emoção, e emoção não depende de escolha ou determinação.

A Deusa também a chamam de gaia, para mim é Ângela. São só nomes: todos sabemos que se trata da grande mãe. A genitora de todos os espíritos.

Existem, além da Deusa, outras deusas. Algumas delas vivem entre os homens, embora muitos sejam demasiadamente ignorantes para dar-lhes seu devido valor. Porque somente a idéia de valor que temos é insuficiente. Posso dar muito valor aos meus amigos, aos meus pertences. Mas esse valor é efêmero, e o valor das deusas é infinito.
Só se pode retribuir o amor das deusas com um amor como o delas, e quem são os homens que podem fazer isso?

Ou eles se escondem em timidez ou eu sou cego (ambas as possibilidades são prováveis).

Porque as deusas são tudo. Elas são humanas e também são musas. Porque uma deusa te prende (e te liberta) tanto pela forma de andar, quanto pelo olhar e pelo sorriso. Tanto pela capacidade única de compreender sua alma quanto a de senti-la. Porque entender e sentir não se separam. Tão lindas são as deusas que não me importaria de serem pouco humanas. Não me importaria de vê-las sem a estética que possuem. Mas a verdade é que o espírito divino gera um reflexo nos seus olhos. Torna o olhar bonito, o sorriso sereno, o caminhar tranqüilo.
O espírito das Deusas se espalha por toda a totalidade delas e do mundo, e não o separa delas. Porque elas são o mundo. Olhando para uma deusa eu me volto à Deusa e pergunto: somos mesmo dignos de viver com tal criatura?

Sou um covarde e nada mais, porque me reservo a observar. E observar é tão bom. Cada gesto, cada olhar, cada raciocínio, cada emoção. É tudo tão belo, tão peculiar...
Apesar de reconhecer que nosso mundo não merece tamanha benção, lastimo profundamente o fato de que são raras tais presenças divinas.
Lastimo o fato de que as Deusas passam rapidamente. De que só por um curto período de tempo o mundo todo se reflete em suas almas.
Afinal, quem sou eu para ao menos desejar a compania de uma deusa? E mesmo que eu fosse digno, de onde eu tiraria a ousadia de dizer a elas que sei de tudo?
Como eu diria pra elas que são deusas e que as amo sem que minha mortalidade me refreasse?
Não. Me limito a escrever sobre elas. A fazer uma poesia, a sonhar, a imaginar todo o encanto que me trazem. Só imaginar, porque sou mortal demais: Somente com o auxílio de uma deusa eu chegaria ao olimpo. Atenas...
E eis minha convocação.

Deusa clara
Deusa dourada
Deusa brilhante
Deusa flamejante

Traz para mim o poder
O poder de trazer o espírito
Ao corpo débil
de poder toca-las.

Porque meus olham choram por ti
E meu coração clama vigorosamente
Porque meus pelos se arrepiam
E o meu corpo treme

Abriga, deusa
O som das minhas palavras
E, se desejar,
Delicia-me com o som das tuas

Porque a sua alma é um balsamo
Ela é como posso amar o mundo
Porque é somente tu, ó Deusa
Que pode enfrentar a sombra do diabo.

Pensamento passivo, moral, metafísica e individuação.

Em primeiro lugar, para desenvolver o raciocínio, vou definir os principais termos que pretendo utilizar.

O pensamento passivo é um tipo de raciocínio que vai fluindo sem o controle do Eu¹. É quase que um tipo involuntário de pensamento que, no entanto, nos leva a conclusões, por vezes interessantes. Segundo a tipologia Junguiana, esse é o pensamento orientado pela intuição. O que o contrapõe, que é o pensamento orientado pela sensação, é estruturado e planejado em busca de uma conclusão ou resposta. Diferente do pensamento passivo, o pensamento ativo é controlado pelo Eu.

Já que o pensamento passivo é aquele que determina nossa metafísica (porque esta é algo irrefletido), é forçoso que o pensamento ativo é submetido a ele, embora se deseje que as determinações do eu sejam absolutas.
Evitando discussão sobre a conceituação da moral, quero deixar claro que falo de um aspecto desta, aqui. Não falo da moral como um sistema de regras para o comportamento objetivo, mas apenas de moral como regras para pensamentos e sentimentos. A moral que define o que pode ser pensado e o que pode ser sentido.

Por vezes um pensamento passivo, já que está fora do nosso controle, contraria certos paradigmas ou valores do Eu. Assim, se eu tenho uma visão maniqueísta baseada numa religiosidade dogmática, é provável que meus valores rejeitem certos sentimentos (a saber, raiva, ressentimento, etc.) e que meus paradigmas rejeitem certas idéias (ateísmo, outra visão religiosa, etc.).

Apesar desse funcionamento imperativo do Eu em relação ao filtro de idéias e sentimentos, podendo reprimir certos pensamentos alcançados de forma passiva, seria essencial para o desenvolvimento do indivíduo que ele seguisse o conselho de Nietzsche: Se transformar em leão, a fim de matar o dragão, que possui em suas escamas o “tu deves”.

Não quero passar aqui uma idéia de que deve-se abrir a mente a outras (todas as) perspectivas. Não adianta tentarmos assimilar idéias que contrariem nossa essência ou estágio, pois a idéia não passará de um conjunto de palavras sem valor (eis aí um argumento contra a disciplina). Somente seria saudável reconhecer o caráter efêmero das idéias. Como já disse noutras postagens, nossos pensamentos, em sua maioria, nada mais são do que um reflexo de nossa identidade ou do estágio no qual no encontramos.
Daí decorre que abraçar dogmaticamente a alguma idéia é se prender ao passado e impedir o próprio desenvolvimento.

Poder-se-ia objetar que é escolha do Eu decidir se quer desenvolver-se ou não. E seria plausível tal objeção em nível filosófico. Só que em nível psicológico, a deliberação do Eu não é assim tão poderosa quanto queremos que seja: O impulso para o desenvolvimento e o equilíbrio continua acontecendo na psique inconsciente.

O juízo de valor sobre uma idéia alcançada de forma passiva deveria ser sempre positivo, embora, mesmo com boa vontade, nem sempre isso seja possível, já que esse tipo de idéia flui do inconsciente com certas mensagens, que podem, por vezes, integrar conteúdos reprimidos ou que nunca foram conscientes. Assim a consciência seria expandida e mesmo a qualidade de vida seria melhorada.

No entanto, quando um padrão moral toma conta da mente do indivíduo, alguns símbolos são negados e ele se mantém estagnado em seu desenvolvimento.
Tudo isso por uma moral que, embora possa parecer firme, é tão efêmera quando os paradigmas que vem e vão. É de suma importância entender que nem sempre pensamentos passivos são equivalentes a algo que precede os atos. Muitas vezes (senão todas) eles são símbolos que nos ocorrem com o objetivo de expandir a consciência.

Concluindo, a mensagem aqui é que deve haver sempre uma reflexão crítica sobre a metafísica: é dela que fluem nosso desenvolvimento de raciocínio e nossa conclusão. Por mais que queiramos, escolher nossa metafísica é impossível. Até porque, do ponto de vista racional, uma metafísica não é melhor do que a outra. Apenas aquela que mais se adequar à nossa identidade ou estágio parecerá mais agradável e aceitável. Uma reflexão sobre nossa metafísica nos leva a uma maior compreensão sobre nossa própria identidade. Quando digo identidade ou estágio, quero postular que, embora mudemos, não mudamos. Noutras palavras, a mudanças pelas quais passamos na vida nada mais são do que estágios para a realização do que verdadeiramente somos. Para a individuação.

____________________________________________________________________
1: O Eu a que me refiro é o Ego. O centro da consciência. É aquilo que é identificado na consciência como o que somos.

Biohazard: a limpeza (parte 1)

Pensando agora eu vejo tudo isso como uma profecia se manifestando coletivamente. Tanta gente tendo sonhos e visões. Tanta atração por filmes dessa natureza. Talvez eu só tenha me afetado com tudo isso e esteja apenas criando hipóteses irracionais. A questão é que, por mais que a ocasião demande atenção de mim, não consigo fugir dos meus pensamentos. É esse meu mundo interno que sempre me salvou agora me trazendo alívio.
Não estavam errados sobre o plano de dizimar a população mundial. Eu sempre acreditei, mas isso nunca ajudou. Aliás, essa operação pandemia que faziam antes tornou as pessoas incrédulas. Daí quando essa praga chegou ninguém acreditou. Bem, acreditar ou não foi irrelevante: já estão mortos por aí. Ao menos estou sozinho, e isso me ajuda a alcançar o equilíbrio por hora, mas daqui a um tempo a ausência de convívio social (mesmo falso) trará severos danos á minha personalidade.

Que merda eu to fazendo? O mundo caindo e eu refletindo sobre o efeito psíquico disso tudo?
A bateria do notebook ta viciada, mas tem o nobreak no outro quarto. Talvez eu consiga me conectar a internet. A merda do telefone é bloqueado e o celular não tem crédito: Maldito capitalismo. Nada: a internet ta fora...
Só me concentrando no meu mundo interno que a gritaria lá fora não me desespera. Nem adiantaria agora me encher de rancor pensando: eu avisei. Quero agora, em primeiro lugar, encontrar informações sobre como se encontra minha região em termos de infecção. Por certo deram alguma ênfase a essa localidade pela proximidade com a usina nuclear. Que eu to pensando? Até parece que ligam pro pessoal desse continente. Não passamos de “cucarachas”!
O funcionamento do organismo dessas coisas parece ter diversas fontes de energia. Dentre elas eu não deixo de pensar em forças ocultas: espíritos, alienígenas ou qualquer coisa sobre a qual eu possa projetar minha superstição.
Meu padrasto ta amarrado no outro quarto, e talvez eu possa fazer testes simples com ele. Graças a ele nossa casa tem um grande estoque de comida, embora eu não faça idéia de como cozinhar. Vou ter que me virar.
Tenho uma faca bem afiada, mas não tenho habilidade para usa-la: seria loucura enfrentar os monstros.
Ouvi vozes na rua.

- Fudeu, cara. Corre, porra!

Um cara que estudou junto comigo até o segundo grau e morava na minha rua estava correndo com o irmão. Eles fazem exercício físico e correm bem, mas não possuem as fontes de energia dos monstros. Algo interessante aconteceu: um deles atacou o irmão, que corria mais lentamente por estar cansado. Mordeu braço dele. Os dois se separaram: o irmão foi em direção à praia e ele foi à direção do mercado. Todos eles foram atrás dele, e o irmão, ferido, não os interessou.
A mim soa obvio que aquilo foi um julgamento racional: ele já estava infectado. Acredito que isso seja prova suficiente de que eles não queria comer, mas se reproduzir quando atacavam. Mas como diabos eles conseguiam tanta energia?

Não tinha sentido algum, mas devo confessar que não me esforcei tanto ao estudar o processo de produção de energia. De qualquer maneira, eles haviam perdido muito sangue, o que dificultaria a passagem de oxigênio pelo corpo. Aliás, as feridas estavam abertas e o sangue parecia coagulado: era simplesmente impossível eles terem energia para o movimento. E, no entanto, corriam quase desesperadamente. Meu colega de escola deu a volta no mercado e entrou do lado da padaria. Sempre soube que ali tem uma grade que leva pro valão, mas não o que há depois dele. Pulou facilmente a cerca e caiu pro outro lado. Eles não o seguiram, mas isso pareceu a mim como uma oportunidade. Ao ouvir os gritos desses, outros monstros foram correndo e gritando para lá. Isso gerou uma espécie de reação em cadeia, através da qual todos (espero) se reuniram no mesmo lugar. Depois de um minuto eu vi o irmão dele correndo pra lá. Ele se infectou rápido, então provavelmente não há doentes a serem infectados. Se eu não fugir agora, vou acabar morto.

Meu padrasto berrou, e isso me assustou: e se algum escutasse? Eu tinha que mata-lo, mas nem sabia como.
Degolei ele, mas ele não morreu. Apesar disso, afetando as cordas vocais, ele não gritava mais. Espero que minha mãe e minha irmã não voltem da viagem, que vejam isso nalgum documentário. Já basta a minha falta de perícia e fraqueza como dificuldade: não tenho como garantir a segurança delas.
Me preparei para sair como sempre, o que foi no mínimo irônico. Peguei minha carteira, meu celular, meu mp4 e minha chave. Dinheiro já não tinha valor antes, e agora ele se mostrou como realmente é: um papel destituído de valor. Não posso comprar uma saída desses monstros com esse dinheiro.
O que sei sobre direção só me traria problemas, já que o carro faz barulho e não sei passar a marcha direito. Coloquei o sapato e me assustei com o barulho que ele faz quando ando.
Esvaziei minha mochila. Cheia de lixo. Coloquei biscoitos, duas maçãs e água dentro dela. Tentei não colocar muito peso, porque minha viagem seria bem longa. Comi duas bananas e bebi o resto do suco de maracujá que tinha na geladeira. Que burrice!
Por sorte o meu estado de alerta não permitiu que o suco me tranqüilizasse. Os monstros já estavam se dispersando e eu decidi seguir pelos becos pra depois andar agachado na beira da praia. Quando cheguei no calçadão um carro passou pela minha rua, e isso chamou a atenção dos monstros. O que me aterrorizou foi que eles não puderam seguir o carro, mas estavam, agora, bem mais próximos de mim. Pensei em fingir ser um deles, mas seria melhor não arriscar. A expressão deles é de pressa. Parecem querer destruir as pessoas nas redondezas o mais rápido possível. Quando não recebem estímulo ficam parados, como que refletindo.

Segui pela até a beira da praia e vi na estrada um caminhão do exercito. Muito distante para saber se estava cheio de soldados. Parou no ponto em que toda a vila era visível e lá ficou.
Segui até o final da praia e entrei na via que conduzia o rio até o mar: o valão do outro lado da vila. Enquanto seguia debaixo do solo pude ouvir pessoas gritando na hospedagem acima. Saiu um carro e berros o seguiam. Bateu e explodiu. Eu teria que ser rápido, pois a explosão atrairia todos para o local. Aproveitando o alvoroço passei despercebido pela escada que levava a cachoeira. Colocaram uma placa dizendo que era proibido passar, mas que guarda me impediria, o zumbi?
Alando nisso, talvez eu consiga me armar na guarita, mas é melhor não contar com isso. Tive que descer na água, e por isso guardei o sapato e a meia dentro da mochila. Lá de cima eu vi a vila. Alguns pontos estavam pegando fogo. Daquele ângulo não dava pra ver a saída de carros para a estrada. Só espero que não tenha uma concentração de monstros lá. Passei pelo túnel em silêncio andando rápido. Escalei as pedras com facilidade, muito mais do que o normal. Fui seguindo até chegar na estrada. Havia um Fiat uno ligado no acostamento com um cara morto ou desmaiado no volante. Peguei a faca e cheguei na porta do carro. Teria que dar um jeito de dirigir, e para isso precisaria confronta-lo se fosse um deles. Bati com a faca no vidro o que o despertou. Estava preso dentro do carro. Respirei, me recuperando do susto, e me preparei para a luta.
Ele esmurrou o para brisas e o quebrou, mas estava preso no cinto de segurança. Percebi uma ferida feia no ombro direito dele. Agora era matar ou morrer.

Cheguei perto do carro e abri a porta do carona, ao que me afastei rapidamente. Ele parou de se debater e me fitou por um instante. De repente ele se articulou, soltou o cinto e saiu pela porta que eu abri, ao que eu me preparei para o combate. Ele parecia meio confuso em relação a mim. Ele me fitou por uns instantes ao invés de me atacar. A usina tocou a sirene e ele correu irracionalmente em direção a ela.
O motivo pelo qual ele me atacou eu deduzi depois de uns instantes. Talvez eles ataquem que demonstra medo. Seria estranho pensar isso, já que os primeiro, por ignorância, provavelmente não mostraram medo. Apesar disso, ele esmurrou o vidro procurando me atacar. Somente se acalmou quando eu abri a porta. Talvez tenha sido o controlador dele que o fez não me atacar. Talvez Deus, espíritos, alienígenas, ou seja lá o que seja tenha me salvado. É incrível como eu, enquanto cético arrogante, tenho criado essas teorias estranhas. Acho que esses eventos despertaram algo oculto em mim.

Consegui me locomover com o carro: No início com dificuldade para trocar as marchas, mas depois de um certo tempo consegui manusear o veículo. Decidi me dirigir até o caminhão que vi da praia. Havia uma pistola no banco de trás do carro.
Quando passei pela guarita dos seguranças percebi que estava em chamas. O carro que vi passando pela minha rua bateu ali e explodiu. Monstros subiam pela estrada e vinha na direção do meu carro, e em resposta a isso eu acelerei. Passei a marcha com facilidade, e rapidamente saí do alcance visual deles: espero que não continuem correndo.

Emanuel, o maligno


- Pare. Por favor. Já não suporto tamanho sofrimento.
- Não quero parar.

- O que você procura? Porque faz isso comigo? Tenho muito mais a lhe oferecer do que parece.
- Eu não estou procurando nada. Aquilo que eu devia encontrar, já encontrei.
- Então porque você está fazendo isso? O que eu fiz para merecer tamanha punição?
- Livre-se de pensamentos estúpidos. Você não está sendo punido por nada. Essa idéia de que você têm de merecimento é um grande erro.
- Se não me acha culpado, porque me odeia tanto?
- Ignorante. Não é porque você se move com afetos que eu também sou assim. Já que hoje é seu ultimo dia, posso te explicar essa questão. Isso me ocorreu apenas recentemente.
- Você acha que pode ser justificar?
- Que tenho eu com justificativas? Quer mesmo que eu te explique ou suas perguntas são retóricas?

O homem era bom com retórica, e pensou que, por isso, poderia convencer seu agressor de que seus pensamentos estavam errados.

- Quero que me explique.
- Pois bem. Eu percebi que os homens têm o mal dentro de si. Todos eles. Mas esse mal fica escondido e só sai em certas ocasiões. Claro que alguns já desenvolveram o poder do mal mais do que outros, mas são todos maus. Alguns só praticam o mal por um suposto bem. Daí surgem matadores de assassinos, exércitos da paz, lutas por amor. São maus, apenas não admitem.
- Está dizendo que todos os homens são maus?
- Sim, em suas devidas proporções. Por favor, não interrompa meu raciocínio.
- Certo, continue.
- Existe um principio do mal, que é mascarado com a razão. Eis o que a razão é: uma mascara e nada mais.
- Mas não pode o homem se libertar através da razão?
- Não. Através da razão os homens só fazem reproduzir ladainhas e preconceitos. Com ela, eles fazem qualquer absurdo se tornar justificável. Com o mau não é diferente. Só aqueles que alcançaram um maior nível de consciência entendem isso.
- Pode me explicar isso melhor?
- Facilmente. Veja só: muitas vezes vemos homens poderoso fazendo o mal para os outros. Dizem para si mesmos que o fazem pelo dinheiro. Ditadores matam pessoas por não o respeitarem, por serem inferiores ou qualquer que seja a ladainha que inventem. Pais espancam filhos por serem mal educados, maridos batem na esposa que é infiel. Enfim, o homem sempre encontra uma justificativa para o mal que pratica, mas nunca entende o que é o mal de verdade.
- Não são essas coisas que você definiu o mal em si?
- Não, elas são apenas o efeito do mal. São o mal maior plasmado em espíritos menores.
- E o que é o mal maior?
- O mal maior é liberto da razão. Ele não precisa de justificativa e muito menos de razões afetivas. É o mal, pelo mal e através do mal. Sem direção: um mal que vai para todos os lados. Sim, uma essência demasiadamente sutil para que espíritos inferiores percebam.
- E o bem?
- É a mesma coisa: O bem, pelo bem através do bem. Bem e mal precisam um do outro.
- Digo, você não tem o bem dentro de si?
- Eu sou o lado das trevas. Existe o lado da luz. Nós coexistimos. Eu nada mais sou do que um fragmento tornado completo. Puro mal.
- Se você reconhece que existe o bem, então deve reconhecer que, da mesma forma que todos os homens possuem dentro de si o mal, devem também possuir o bem.
- De fato.
- Daí decorre que você tem o bem dentro de si.
- Não.
- Como não?
- Eu não sou um homem.
- Parece a mim como um homem.
- Não. Eu sou metade da deusa em forma humana. Sou um semi-deus. A deusa é tanto da guerra quanto do amor. Eu sou o semi-deus que herdou a metade da guerra e havia outro semi-deus que herdou a metade do amor.
- Que houve com ele?
- A ignorância dos homens o matou, e com sua morte se foi a esperança desse mundo. Quando expulsaram daqui o amor por seus preconceitos e miopias eu tomei conta. Não podem me matar da mesma forma que mataram o amor, porque eu penetro-lhes as entranhas. Eu mesmo, por onde passo, deixo um rastro de destruição e ódio. Você tem muitas pessoas que vivem apegadas a você, justamente pro serem primitivas. Essas pessoas irão me odiar, e por isso serão iniciadas no meu mundo.
- Então é isso que você quer? Propagar seu ódio?
- Não. O que eu quero é destruir. Se meu ódio é propagado ou não, isso me é indiferente. Eu não vivo segundo o pensamento de alcançar algum objetivo. Como eu disse, faço o mal pelo mal e através do mal.
- Não se sente só?
- Todos os homens livres são solitários. Quando você mergulha no fundo da sua alma, acaba descobrindo as ligações entre os homens não passam de ilusões. Se não são expectativas criadas pelo convívio social, as expectativas têm origem no íntimo do indivíduo. O homem vive com vários mantos cobrindo sua consciência acerca da natureza das coisas, e por isso fica sempre longe do essencial.
- O que é o essencial?
- Que o apego é a causa da maior parte de seus sofrimentos. A ligação que as pessoas fazem umas com as outras traz dor sem fim.
- Ora, mas o bem poderia ser livre, tal como o mal. Assim, eu poderia chegar num nível de consciência acerca do bem tão grande que não mais teria expectativas e exigência. Da mesma forma, não me apegaria a nenhum homem, amando a todos indiferenciadamente. Não parece razoável?
- Razoável, razoável... Na verdade isso não me parece nem um pouco razoável, mas volto a dizer que a razão não me importa. Não passa de uma mascara.
- Então não reconhece o bem supremo?
- Tão humano... você é. Veja só, reconhecer com a razão é algo que já fiz a muito tempo. O Semi-Deus do amor me comunicou inúmeras vezes. É bem fácil de entender esse amor que chamam ágape através da razão. Mas entender pela razão é uma coisa, e viver é totalmente outra. Minhas palavras acerca do mal provavelmente não lhe tocaram, porque você nunca viveu nada de análogo. Eu, da minha parte, digo o mesmo acerca do amor. Nunca o vivi, e portanto acerca dele não posso emitir qualquer tipo de julgamento de valor.
- Você tem que buscar o amor.
- Você não espera, realmente, que eu simplesmente seja levado por uma tentativa tão arcaica de doutrinação, espera?
- Isso tudo que você falou são delírios! Você só quer justificar seus crimes!
- Idiota. Não entendeu nada. Não quero e nem preciso justificar nada. Eu vou te matar dentro de instantes por matar. Não quero nada de você, não tem nada me movendo a matar especialmente você e não a outro diabo. Só vou te matar porque foi o primeiro infeliz que cruzou o caminho.
- Por favor, tenha piedade.
- Essa é apenas uma palavra vazia para mim. Não reconheço um significado nela, porque não me lembro de ter sentido piedade alguma vez na vida. Como posso ter piedade de você se nem mesmo sei o que é isso?
- Piedade é me deixar viver!
- Haha! Como se sua vida fosse realmente importante! O Conceito de piedade pode, por vezes, legitimar o assassínio. Só depende de como a razão o contorce. Veja só, quando se trata de piedade eu só posso emitir raciocínios. Mas vou ser honesto. Não estou te matando por piedade e nem porque tenho algo contra você. Não é nada pessoal.

O homem fechou os olhos. Parecia rezar e pedir perdão a Deus para seus últimos momentos, esperando sua redenção.
De repente algo inacreditável aconteceu. As nuvens densas deram abertura à luz do sol, e algo veio do céu e se fixou no chão. Uma rosa vermelha, que pingava um líquido vermelho. Não havia como saber se era sangue, mas Emanuel foi hipnotizado pela flor.

- Matias, é Matias!
- Esse é o nome da Flor?
- Não, seu idiota. É sangue de Matias! Não está vendo?

A ultima gota caiu da flor, que desapareceu. Em volta do local cresceram outras flores de diversas cores, e as nuvens se foram completamente, dando lugar ao sol. A floresta, antes escura e sinistra, radiou com uma beleza imensa.

- É Deus. Veio me buscar!
- Sua estupidez não tem limites! Não percebe o que acaba de acontecer? O sangue de Matias se derramou no chão. Esse mundo será curado.
- E o mal? E você?
- Não sei. O que sei é que sempre haverá lugar para o mal no universo.
- Aquele sangue é o de Jesus! Aceite-o como seu salvador!
- Jesus, Matias. Qual é a diferença? Ambos são agentes do Ágape. Você não entendeu os símbolos que usei? Enfim, não aceito ninguém como meu salvador, Primeiro porque sou livre e ninguém me guiará a lugar algum. Segundo porque não vejo nada de que eu possa ser salvo, já que sou o mal personificado. O que você chamam de condenação é a essência da minha existência.
- Não se trata propriamente de te guiar, Emanuel, mas apenas de despertar o bem dentro de você.
- Já chega de conversa. Tenho reflexões a fazer.

Emanuel matou o homem com pressa. Pela primeira vez na vida ele não esperou o desespero de sua vítima o deliciar. Sim, havia coisas mais importantes a tratar do que o sofrimento de um diabo qualquer.

- A jornada tem que continuar. – disse seu companheiro demônio. - Tem que continuar!

Ele sentiu em sua mente a direção para a qual deveria caminhar, e foi nela sem ter idéia de onde chegaria ou mesmo se chegaria a algum lugar.

Et ecce ille surrexit cum rosam, et coelum jucundum in mihi vultum

Acerca dos complexos que impulsionam comportamentos destrutivos e corruptos


Introdução

Para colocar a idéias que tive disponíveis à todo o publico eu me vejo forçado a contestar dois grandes pilares que parecem estar em conflito. Precisarei desconstruir premissas teóricas do fundamento do método científico e rever grande parte dos padrões morais.
Isso me custaria, por certo, a fama, se eu a tivesse. Felizmente eu não a tenho e nem desejo algo do gênero, o que me dá maior segurança em desafiar quilo que há de sagrado no mundo moderno.
Eu não poderia começar meu trabalho sem explicar as razões pelas quais eu me nego a aceitar várias premissas difundidas no nosso tempo e o motivo pelo qual busco outras premissas que são, de um modo geral, negadas até mesmo com piadas, e por isso essa será a primeira parte do meu trabalho.
Depois de demonstrar a validade das minhas premissas, colocarei sobre elas as minhas observações, que têm o intuito de, em primeiro lugar, trazer à tona tudo aquilo que é maléfico sem, no entanto, emitir julgamentos de valor para, assim, tentar explicar esses acontecimentos. Seguir-se-ão, nesses casos, alguns dos diversos casos freqüentemente divulgados na mídia. Daí eu pretendo extrair um fundamento parecido com a pulsão de morte de Freud, mas com certas ressalvas teóricas que serão percebidas no trabalho (afinal, aceito premissas Junguianas).
A partir daí, pretendo demonstrar detalhadamente e com exemplos os mais diversos tipos de comportamentos destrutivos e corruptos, desde um simples ladrão compulsivo que rouba coisas sem valor a um banqueiro, ou desde um marido que bate na esposa até um serial killer. De acordo com as premissas da nossa ciência, (uma premissa que não nego) pretendo demonstrar como todos esses comportamentos têm fundamentos análogos por generalização e que possuem suas origens no fato de que os fundamentos da sociedade são essencialmente anti-sociais. Em especial, e não estou certo de já estar apto a isso, pretendo buscar uma forma de ao menos amenizar os efeitos dos complexos que movem os homens a tais comportamentos, buscando, assim, uma forma de convívio mais pacífica.
Cometerei uma série de erros, mas esse é um trabalho de toda uma vida e não apenas de uma monografia terminada, e por isso provavelmente será alterado em contato com novas evidências.
Que fique claro, no entanto, que não busco provar certas premissas como verdadeiras, mas que, pelo contrário, os próprios fatos me levaram a tais fundamentos.

Capítulo 1
Sobre os fundamentos do método

As premissas que aceito como fundamentos do pensamento destituem deste todo o poder que lhe atribuem no nosso tempo. Pelo contrário, o que procuro demonstrar, em primeiro lugar, é a extrema fragilidade de nossas formas de pensamento.
Por vezes percebi como, de forma explícita, as pessoas observam certos eventos e revestem estes de significados totalmente metafísicos.
Mas, diferente do que se assume normalmente, não é só o conhecimento religioso que se baseia em metafísica: todas as formas de pensamento possuem algo de metafísico, pois a metafísica é sempre o fundamento dos pensamentos. Sempre partimos de um ponto no nosso pensamento que simplesmente não pode ser provado de forma absoluta, e isso destitui de sentido nossas tentativas de dar um ar definitivo às nossas idéias.
A ciência, apesar de se afirmar empirista, se guia por certos fundamentos metafísicos, que pretendo explicitar.
Em primeiro lugar, nossa ciência está receptiva apenas aos conteúdos oriundos dos sentidos. Assim, foram criados (e continuam sendo) métodos com os quais podemos observar melhor todas as coisas com os sentidos, já que é só esse tipo de observação que é considerada correta nos dias de hoje.
A despeito do nosso sensacionalismo sobre a grande descoberta que é o fato de que a mente humana se encontra em constante mutação, Heráclito já havia chegado a tal conclusão sem acesso a isso por meio dos sentidos. Foi uma forma intuitiva de se conseguir o conhecimento. Uma abstração filosófica inteligentíssima, que o modo sensitivo de observação só pode entender milênios depois.
Esse e outros exemplos demonstram que existe outra forma de adquirirmos conhecimento que não apenas a observação objetiva e submetida ao rigoroso e dogmático método científico.
É claro que não pretendo generalizar a outra forma de se ver as coisas: ambas têm sua utilidade e validade contanto que não tentem invadir o campo da outra, como acontece hoje.
Essa forma Jung chama de intuição, e considero o termo adequado, e por isso me sirvo dele.
Através do conhecimento intuitivo, que não é menos válido do que o da sensação, percebemos como são ridiculamente óbvias e preconceituosas algumas idéias da ciência moderna sobre os fundamentos do comportamento humano.
Uma delas é a tentativa que vem sendo empreendida de submeter o comportamento humano, e traços comuns, ao paradigma evolucionista. Ora, considero esse paradigma excepcionalmente bem sucedido em integrar de forma didática o estudo sistemático dos seres vivos, e reconheço as diversas evidências que colocam o evolucionismo como teoria válida para justificar a origem das espécies, tais como os fósseis.
Apesar de ser logicamente plausível admitir que, se o ser humano se formou através de sucessivas mutações, ele deve ter tido grande parte de seus comportamentos inatos formados através da pressão seletiva, não deixo de notar certas características no próprio comportamento humano que contradizem esse paradigma de forma gritante.
Aliás, pelo que eu observei, o próprio paradigma, que é muito apoiado por ser o fundamento de nossa sociedade, parece estar fundamentado num complexo específico, que denomino o complexo de Frederico.
É claro que não podemos, já há muito tempo, colocar as premissas do evolucionismo no convívio entre os humanos, pois as variáveis são tão numerosas que até mesmo o mais inapto de todos os indivíduos pode deixar mais descendentes do que um extremamente hábil.
Ao contrário do que se diz, o que deu ao ser humano a possibilidade de subordinar as outras espécies não é um impulso essencialmente competitivo, mas sim cooperativo. Foi através da união que o ser humano formou a vida em sociedade, e encontramos em diversas sociedades essa mesma idéia: devemos amar ao próximo como amamos a nós mesmos.
Mas, do ponto de vista evolucionista, seria muito mais vantajoso criarmos uma imagem de que amamos ao próximo sem que isso seja verdade. Noutras palavras, nessa forma de pensamento e na sociedade que se baseia nela, o que trás “sucesso” é efetivamente o que os políticos fazem. Isso se plasma em certos livros propagados no meio corporativo, que proclamam ter encontrado uma forma revolucionária e nova de medir a inteligências das pessoas. Eu chamaria o que eles chamam de inteligência emocional de capacidade de manipulação, pois o paradigma está obviamente direcionado á ampliação do potencial de trabalho. Sendo fundamentado pelo evolucionismo, o livro é claramente um manual de hipocrisia.
Não fico admirado, então com o ímpeto com o qual os cientistas criacionistas buscam desacreditar o evolucionismo. Afinal, tal paradigma torna comuns certos comportamentos totalmente destrutivos, como mesmo o nosso capitalismo selvagem. Afinal, é natural que o mais forte tenha sucesso e o mais fraco seja derrotado.
Dessa forma, seguindo o ponto das sensações e do materialismo, se coloca em questão que o ser humano é essa maquina, que nada mais faz do que servir a esses impulsos egoístas.
É claro que, como se vê, existe outra questão a ser avaliada, que é a espiritualidade. As crenças religiosas em todos os tempos têm sido o fundamento para o comportamento mais ético para com os outros, fazendo com que os homens evitem buscar apenas o benefício próprio.
Algumas visões religiosas modernas não passam de fraudes dos sentidos. Noutras palavras, elas prometem justamente aquilo que vai contra a religiosidade: recompensas depois da morte, sucesso mesmo nessa vida. A teologia da prosperidade, que gerou um novo império no nosso país é um bom exemplo desse tipo de corrupção da religiosidade, que é notado pelos religiosos.
De fato, a maior mensagem que todas as religiões querem passar é aquela da conexão. Amai ao próximo como a ti mesmo, quer dizer, efetivamente, que devemos evitar o paradigma de que nós somos independentes do próximo, pelo contrário, é um sentimento comum no ser humano em todos os tempos e lugares: a necessidade de conexão. É por isso que existem religiões, e não porque alguns indivíduos desejam se iludir com ilusões vazias de sentido.
Dessa forma, no próprio desenvolvimento da psiquê humana, se percebe essa busca pela espiritualidade que contradiz abertamente a idéia de competição e à de separação. Se o ser humano, na sua constituição psíquica, busca a união, então é forçoso que ele não poderá moldar seus comportamentos com utilitarismo obviamente ridículos do evolucionismo. Até porque, a plasticidade do ser humano vai para muito além daquela vista nos animais, e, por conseguinte, seus comportamentos são moldados para muito além de questões meramente adaptativas.
É fato consumado que a vivência humana transcende a racionalidade, e a própria espiritualidade é prova disso. Além disso, a fragilidade da racionalidade ficou clara com a demonstração sobre a metafísica: não existe nenhuma forma de pensamento que não tenha um fundamento metafísico, e a metafísica se forma em paralelo à identidade dos indivíduos.
Com o paradigma evolucionista não é diferente: uma certa maneira de se ver o mundo como projeção da própria identidade torna totalmente plausível que o vejamos segundo tais premissas. Segundo a tipologia Junguiana, essa forma de pensamento seria fundada no materialismo, que é pensamento com função auxiliar de sensação ou sensação com auxiliar pensamento.
Mas a origem psicológica do evolucionismo vai para além da tipologia, pois, como percebi, ela também está pautada em certos complexos, que são conectados a arquétipos.
Muitos imperadores por toda a história da humanidade demonstraram ser dominados por tais complexos. Aliás, hoje não é diferente. Diversos documentários expõem aos olhos de quem quiser ver certos esquemas que homens criam para alcançar benefício material próprio. Por, no momento, não dispor de material mitológico que represente o que quero expor, usarei a história de um dos meus personagens, mas isso nos capítulos subseqüentes.
A questão aqui é que o próprio paradigma capitalista é um propulsor que pretende levar indivíduos a acreditarem que o benefício real é o material, já que toda a história da evolução assim o demonstra. É um fundamento doentio que se espalha rapidamente pela sociedade e que aumenta os índices de depressão. Ainda hoje, confusos pela falha de suas racionalizações, alguns indivíduos dizem: “ele tem de tudo, cheio de dinheiro. Como pode se deprimir?”.
Entra em depressão porque a mente humana é um projeto esperando para ser realizado, e este nada tem a ver com adquirir benefícios materiais. Muito pelo contrário, o equilíbrio que o Inconsciente induz leva os indivíduos buscarem coisas para além da matéria. Usar uma racionalização através da qual se afirma que são motivados por mesquinharia todos os tipos de manifestação religiosa não muda o fato de que essas manifestações continuam acontecendo, já que são naturais. Acerca do que vem após a morte não temos nenhuma garantia de nada, nem de que deixaremos de existir. Acreditar, então, em alguma metafísica para isso é seguir a própria natureza, enquanto que negar em nome de uma pretensa honestidade é impor uma interpretação a si mesmo e sofrer inutilmente (já que o fundamento desta visão é tão metafísico quanto o da religião).
No entanto, se até aqui um leitor religioso se manteve (imagino) satisfeito com o ponto de vista exposto, na continuação desta primeira parte ele deve mudar radicalmente de idéia. Tal como Jung, não busco agradar a gregos e nem a troianos.
A questão da religiosidade, em primeiro lugar, muitas vezes não passa de projeção de conteúdos inconscientes, como o arquétipo maternal projetado sobre a igreja. Na impossibilidade de integrar a vivência religiosa à consciência, o indivíduo faz projeções que, por vezes, tomam forma visível em visões, e, diante disso, ele atribui um caráter objetivo à sua vivencia religiosa, quando ela é subjetiva.
Além disso, a própria religião, na maioria dos casos não permite a integração dos conteúdos psíquicos á consciência, porque parte de premissas doutrinárias. Assim, na maioria das vezes, a religião não passa de um organismo que, através do poder das organizações coletivas, impõe certos códigos de conduta.
A vivência que Jung costumava definir como Participation Mystique não se trata do contato objetivo com Deus ou mesmo sua imagem arquetípica interna: na verdade o profundo sentimento dos participantes se deve ao contato com o grupo. Tanto isso é verdade que eles se unem em grandes grupos ao invés de realizar seus rituais sozinhos: porque sozinhos eles poderiam efetivamente integrar isso a consciência.
Na verdade, o que se vê são indivíduos, cegados pelo poder massificador da coletividade, seguirem códigos morais irrefletidamente, o que possibilita a manifestação dos indivíduos corruptos que eu me presto a avaliar, que, nesse contexto, surgiriam para manipula-los.
O paradigma evolucionista, objetivamente, leva à idéia de opressão do mais fraco e hipocrisia, e grande parte da moral religiosa leva à idéia de submissão. Noutras palavras, os dois juntos são dois fundamentos de mentalidade que causam a maior parte das nossas mazelas.
Eu não poderia, então, olhar essa questão do ponto de vista moralmente aceito, com indignação, e nem com o ponto de vista da ciência moderna, porque essa não passa de um complexo racionalizado.
Pelo contrário, para avaliar tais questões será preciso, em primeiro lugar, haver um confronto profundo com o lado negro da existência, transcendendo o maniqueísmo, e também será necessário expandir a compreensão das coisas para além de paradigmas parciais. Ir para além do bem do mal e para além da racionalidade.
Por um e por outro motivo que considero esse livro de difícil leitura: excluindo minha dificuldade de expressão, a mensagem simplesmente não será aceita por aqueles que se mostrarem racional ou sentimentalmente resistentes aos assuntos tratados, embora sejam de extrema importância.

2070

Eu estava na minha casa, que havia se tornado um abrigo. “O perigo espreita”, diziam as pessoas.
Eu não entendia bem o queriam dizer com isso, provavelmente se tratava da gripe suína. No entanto, algo me intrigou profundamente. Estávamos trazendo mais pessoas para dentro de casa, como se isso fosse, efetivamente, reforçar a nossa proteção.
No quintal dos fundos chegamos num beco que estava sendo como que consagrado pro pessoas com roupas brancas e varas douradas com lamparinas da ponta na mão. Isso em plena luz do dia.
Era a minha casa, e a minha família estava comigo junto com alguns estranhos. Decidi investigar.
Saí de casa e pude perceber, em meio as poucas pessoas que ainda andavam nas ruas um certo terror, que simplesmente não tomava conta de mim. De repente alguém gritou:

- Eles chegaram!

Vi uma grande armadura azulada, parecendo ser feita de aço, montada numa carruagem sem cavalos que era acompanhada por uma moto da mesma cor. Vinham em minha direção, e, num instante, eu estava montado naquela mesma moto. Acelerei e pulei o muro do quintal dos fundos. O muro estava baixo como costumava ser logo que me mudei.
O homem da armadura azul veio falar comigo.

- Chegou o tempo de purificação, e aqueles que são muito ansiosos e egoístas serão levados daqui para viveram noutro lugar até que se recuperem e possam voltar. É o ano 2070.

Eu não disse nada, pois era como se eu já soubesse que isso estava por vir. É por isso que eu não tinha medo. Eu não seria levado.
Pessoas apareceram na minha frente, oriundas de luminosidade e desapareceram logo em seguida. Entre elas havia crianças, adultos, adolescentes, velhos. Pessoas de todas as etnias e classes sociais. Estava sendo selecionadas segundo o nível de vibração da alma.
Todas as pessoas que estavam na minha casa desapareceram, inclusive uma irmã minha. Só sobraram minha mãe, minha irmã e o marido dela, que sorriam. Os outros foram levados e eles sorriam. Sabíamos que era para o melhor de todos.

A princesa dos ares


Ela brilha como a prata.
É resistente como o aço.
Maleável como a água.
Flui no céu e na terra.

Ela é terra firme,
E nela mergulhamos.
Nos alimenta com o brilho de cima,
E com a energia da terra abaixo.

É pequena, mas gigante.
É fogo, mas pode congelar.
É o sim e o não,
Em forma humana e divina.

O vento a carrega
E ela o guia
Porque é a Deusa do todo
A princesa dos ares...