Sempre foi um problema confiar nos outros, e por isso eu não costumava me relacionar com muitas pessoas. Com o tempo, concluí que confiança é expectativa: é esperar de uma pessoa o que queremos que ela seja e não o que ela é. Noutras palavras, confiar é mentir para si mesmo, e a confiança é, em essência, um erro.
Mas todos os pensamentos são baseados em metafísica, e cabe aos nossos sentimentos selecionarmos qual deles será revestido com nossa racionalidade para parecer verdade. E meus sentimentos me impeliam a buscar um fundamento para chegar à conclusão de que as amizades são possíveis. A conclusão foi de que para se ter um amigo deve-se conhecer quem ele é verdadeiramente e não ter expectativas. Noutras palavras, devemos saber o pior e o melhor a esperar desse amigo. Conhecendo-o poderemos evitar as situações onde o comportamento dele se torne desagradável e, acima de tudo, nunca ficaríamos decepcionados.
Partindo desse raciocínio mais uma pergunta surge: é possível conhecer uma pessoa verdadeiramente? Ou mais especificamente: é possível conhecer uma pessoa suficientemente para que a amizade seja possível?
Como deixe claro, o que eu buscava provar é que amizades são possíveis, e encontrei. Provavelmente se estivesse buscando uma justificativa para a solidão eu também encontraria.
Minhas observações e reflexões me levaram a duas maneiras distintas e não excludentes de se conhecer o próximo: estereotipação e Simpsiquismo (união de mentes).
Estereotipar é a mais simples forma de identificar o próximo, pois ela não exige que a pessoa que avalia mude a si mesma: é necessário que exista certa maturidade na pessoa para ela permitir a mudança.
Esse tipo de avaliação é forçosamente superficial, pois identifica apenas características da “Persona”. No entanto, há muitas pessoas tão profundamente identificadas com essa persona que se confundem, como uma pessoa que usa por tanto tempo uma máscara que acaba se identificando com ela e esquecendo o que há por trás. Nesses casos, a estereotipação funciona, porque a pessoa avaliada se identifica com seus rótulos. A grande maioria das pessoas usa esse tipo de técnica para identificar os outros, embora nunca tenham pensado nisso.
Essa consiste em identificar a pessoa com seu olhar, sua expressão facial, a forma como normalmente se comporta (quando observada), sua roupa, seu tom usual de voz, etc. Assim, a pessoa é rotulada como: simpática, chata, etc.
Por exemplo: se olharmos uma mulher que só usa saia e que procura, na medida do possível, ser amigável, poderemos deduzir que ela é evangélica. A partir daí, para quem só usa esse tipo de identificação, se criará uma identidade arbitraria. Se o observador também for evangélico ele terá boas expectativas dela, se não, pensará outras coisas sobre ela.
Por mais absurda que essa forma de avaliar o próximo seja, é normalmente só isso que a maioria das pessoas fazem. Olham uma pessoa, identificam um “padrão” pra ela e dão um rótulo equivalente a esse padrão. Como se percebe, essa forma de avaliação falha, e por si só é um erro. Por isso que o senso comum diz: “as aparências enganam”. Na verdade as pessoas se enganam buscando padrões umas pras outras.
Não é porque essa forma de avaliação parece risível que ela seja inválida: ela só é insuficiente por conta própria. Se formos avaliar os outros assim nunca poderemos conhecer ninguém, e, portanto, a amizade será impossível. No entanto, esse tipo de avaliação é perfeitamente normal se a pessoa nunca for passar de uma colega.
Aliás, para não ser injusto, esse tipo de avaliação pode se aprimorar com o tempo. Pelo que constatei, a experiência de vida ajuda as pessoas a criarem estereótipos cada vez mais próximos da realidade. Ainda assim essa forma de conhecer o próximo não é tão eficaz quanto a seguinte.
O “Simpsiquismo” é o resultado da interação profunda, e, por conseguinte, leva tempo. Para ser capaz de ter contato com outras pessoas de uma forma mais profunda a pessoa deve aceitar sua mutabilidade. Não há Simpsiquismo entre pessoas que estão fixadas num tipo de pensamento e acreditam que a mudança é um erro ou uma fraqueza. O convívio e a interação com uma pessoa diferente criam conflitos de todas as formas entre pessoas assim.
Se a pessoa for mutável, o contato com uma pessoa diferente não será desagradável: pelo contrário, será uma forma de prazer. Instigará curiosidade. As pessoas que se aproximam trocam idéias, falam de seus sentimentos, aspirações e sobre sua história. Com o tempo, essa pessoa se aproxima tanto que a forma dela de pensar e sentir o mundo influencia a sua, e aí se cria uma ligação mais forte. Através das mudanças que essa pessoa causou é possível identifica-la, pois em essência nós só observamos com exatidão a nós mesmos. Observando o que essa pessoa mudou na nossa essência estaremos observando a marca dela em nós, e essa marca representará a pessoa.
Essa representação é muito mais detalhada e pessoal do que um estereótipo, e se constrói com o tempo, de forma que as pessoas acompanham as mudanças uma da outra. Acredito que essa forma de se conhecer uma pessoa permite que a amizade seja possível, então por hora eu declaro o problema da amizade resolvido: a amizade é possível.
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