Um monólogo/diálogo com a deusa

Uma mulher veio a mim e disse:

- Você tem o que eu busco. Porque não me dá?

- Meu coração não posso te dar. Você conhece bem as barreiras práticas em relação a isso. Minha idade é muito menor do que a sua, e logo minha imaturidade te seria irritante, enquanto que sua estética em breve me será um fardo, por causa da minha virilidade.

Ela me olhou com olhos de julgamento. Como quem diz: diga logo a verdade!

- Mas nós dois sabemos que eu sou movido é pelo coração, e que ignoraria qualquer aspecto prático para viver um amor fulminante e profundo. Sabes bem que te considero digna de receber o meu amor, embora eu não saiba se sou digno do seu. Mas eu não tenho amor para você. Tenho o amor, é verdade, mas ele já está ligado a alguém. Corre de mim um fluxo de dar-me a mim mesmo para essa pessoa.

- Me fale sobre essa pessoa e sobre esse fluxo.

- É um impulso involuntário e, muitas vezes, de natureza cíclica. Eis aí uma breve definição do impulso de sar-se a si mesmo. Fico me questionando a respeito do sentimento que tenho por ela. Tenho esse impulso irracional de querer satisfazer o coração das pessoas que por isso anseiam, e em geral elas se aproveitam disso para obter algum benefício banal e temporário. Mas nela eu vi algo diferente. Algo belo. Nesse sentido ela se mostrou semelhante a mim, e me encantei de tal forma que fui levado (e ainda estou sendo) por este impulso. Ela reagiu da mesma maneira que eu reagiria. No início se encantou, e gostou do meu carinho. O aceitou, e em certos momentos me foi tão carinhosa que nem pude acreditar que foi de verdade. Ela tem espírito, é Stela.

- E porque você está com esse olhar, então?

- Há barreiras morais entre nós dois. Barreiras que tornam nosso relacionamento romântico impossível. Pelo menos por agora. Tento contornar racionalmente. Aliás, tentei, mas concluí, hoje, que não há utilidade para a racionalidade. Não neste caso. Estou me sentindo triste, porque ela é uma ou, talvez, “a” pessoa que é realmente capaz de receber integralmente esse afeto, de me receber.É madura, sentimental, apaixonada, inteligente, íntegra. De que me valem os adjetivos?

- E eu?

- Você vem logo atrás dela, e pela quantidade de palavras que trocamos um com o outro eu diria que isso é uma façanha impressionante. Noutras circunstancias teria levado meu coração, te garanto. Mas a verdade é que sinto meu coração unido ao dela. Que me desculpem todas as mulheres que, de alguma maneira, tiveram contato comigo, mas sou obrigado a confessar que ela é o que já vi de mais belo nesse mundo. O que mais quero é me entregar a ela. Amá-la até o fim dos meus dias, e dedicar esses a ela em grande proporção. Quero um abraço, quero olha-la. Quero dar tudo, porque sei que ela pode receber. Fico atônito quando, repentinamente, ela me dá uma flor de ouro. Ela se entrega como eu, dá amor sem querer nada em troca.

- Eu também faço isso.

- Por favor, querida. Não torne as coisas assim tão difíceis para mim. Sabe que me dói não poder me entregar a você. Não queria que você estivesse assim só. Abandonada. Esse mundo não está preparado para uma presença como a tua. Mas nesse ponto não há nada que eu possa fazer. Meu coração está ligado ao dela.

- E o que ela tem de diferente das outras? O que você sente de diferente?

- Com as outras, confesso, minha relação era mais altruísta, só que com ela também penso em mim. Quero me entregar sim, mas também quero que ela se entregue a mim com toda a sua maravilhosa beleza física e espiritual. E em troca dou a mim mesmo de corpo e alma.

- Ainda não me falou o motivo do seu olhar.

- É isso que me deixa numa dicotomia entre alegria e tristeza. Fico alegre quando nossos espíritos se encontram, e triste quando abro os olhos e vejo as barreiras físicas e morais que existem entre nós. Aliás, o que mais me deixa triste é que tudo pode ser só ilusão. Ou pior, que pode ser unilateral.

- E se for ilusão?

- Vou para perto dela de qualquer maneira. A barreira física acabará, e a moral eu não sei. Mas se, lá, eu ao menos puder me entregar a ela, então assim ficarei contente. Talvez tudo isso seja uma grande ilusão, mas dentro de mim existe com tamanha intensidade que não há como negar. Sendo uma fantasia ou não, eu tenho que ir adiante. Acerca da moral eu falo como Zaratustra: “Tu deves, assim se chama o grande dragão; mas o espírito do leo diz: ‘eu quero’. O tu dever está postado em seu caminho, como animal escamoso de áureo fugor; e em cada uma de suas escamas brilha em douradas letras: ‘tu deves’”

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