Convicção: “Certeza obtida por fatos ou razões que não deixam dúvida nem dão lugar à objeção”.
Tomei emprestada essa definição obtida no dicionário UOL Michaelis pra poder dar prosseguimento à minha argumentação. É justamente a essa significação que minha crítica será direcionada.
Primeiro deve-se avaliar mais de perto qual é o fundamento das certezas: todos os nossos pensamentos são orientados segundo premissas determinadas. Assim, nosso raciocínio percorre as premissas, o desenvolvimento e a conclusão. O desenvolvimento e a conclusão dependem das premissas, então segundo certas premissas podemos fazer qualquer coisa ser razoável.
A conclusão pode estar em contradição com o desenvolvimento e a premissa, e o desenvolvimento pode contar falácias lógicas. Nesse caso, pode-se pegar uma premissa e tirar dela uma conclusão que contradiz seu próprio fundamento.
Exemplo:
Premissa: Deus é bom
Desenvolvimento: Por isso, deus ordenou que o rei Saul matasse crianças na fase de amamentação.
Conclusão: Deus é mau.
O desenvolvimento pode conter uma série de falácias lógicas, que estão presentes, sobretudo em refutações. Há um guia ótimo de falácias lógicas no site Ateus.Net.
Exemplo:
Premissa: Deus criou o mundo
Desenvolvimento: logo, qualquer evidência do evolucionismo é um teste para a fé dos homens.
Conclusão: Evolucionismo é falso.
Exemplo 2:
Premissa: o monstro do espaguete voador controla a gravidade
Desenvolvimento: logo, qualquer evidência contrária a isso deve ser vista como um teste de fé.
Conclusão: a lei da gravitação é falsa.
Por mais absurdo que isso possa parecer, em níveis mais arcaicos de convicção as pessoas podem chegar a acreditar nessas coisas. Isso se chama fé, que é, na verdade, uma fraude usada para manipular as pessoas. Postula que a dúvida é um erro e que a convicção é uma virtude. Oferece recompensas bizarras pós-morte e as pessoas aceitam, pois foram condicionadas a tal desde a infância.
Depois desses tipos arcaicos vêm outros menos arcaicos que não possuem os mesmos erros grosseiros de raciocínio, mas que também não deixam de ser frágeis.
A moral e a ciência.
Ordenando do pior para o melhor, falarei primeiro da moral.
Se formos avaliar bem, a moral não tem nenhum fundamento. É exatamente isso! Na verdade a única coisa que pode justificar a moral é a implicação prática. Ou seja, deve-se aceitar a moral somente pelo fato de que sem ela não haveria vida social. O certo e o errado são conceitos socialmente condicionados e que raramente têm suas premissas questionadas, e por isso a moral cria comportamentos bizarros e dá mais poder a quem sabe lidar com ela.
Exemplo:
Premissa: É errado fazer sexo antes ou fora do casamento.
Desenvolvimento: Já que é proibido, deve-se impor essa regra dentro dessa sociedade.
Conclusão: É justificável chicotear uma pessoa por transgredir essa regra.
Mas não refletiram sobre os motivos de ser proibido o sexo fora do casamento, pois se assim fizessem perceberiam que essa regra é totalmente absurda, já que entra em contradição com impulsos naturais e também não tem um fundamento sólido o bastante para ser imposta. Pode-se buscar as razões com todos os sofismas do mundo que nunca se encontrará um fundamento realmente sólido, porque esse fundamento simplesmente não existe. Só quem quer ter convicção sobre o que é certo e errado de forma irrefletida que acredita numa coisa dessas. Quem realmente reflete percebe que o certo e o errado são ilusão, e que o que existe são atitudes e suas conseqüências. A ética é a moral com reflexão, e essa sim deveria ser avaliada.
Tendo encerrado o que tenho dizer sobre convicção e moral, vou para a convicção na ciência.
A ciência coloca o princípio da dúvida no pensamento das pessoas e por isso está longe de ser um erro como as demais formas de pensamento. Mas houve uma glorificação quase de fé feita pelo cientificismo, que atribuiu à ciência o papel de encontrar a verdade através da observação sistemática.
Então é assim:
Premissa: A realidade pode ser observada.
Desenvolvimento: O método científico é rigoroso quanto à observação dos fatos.
Conclusão: A ciência pode revelar a verdade.
Mas a mecânica Quântica comprovou que o fato de um fenômeno estar sendo observado muda a sua natureza, de forma que mesmo a observação altera a realidade. Isso se aplica profundamente à observação do comportamento humano, que se altera quando posto em observação, de forma que o método científico, por mais rigoroso que seja, simplesmente não pode interpretar com exatidão o ser humano enquanto ser pensante.
A ciência é um grande avanço para a humanidade, já que através dela muitas implicações positivas são possíveis, tais como a tecnologia. Se aplicada racionalmente e pensando no bem da humanidade, a ciência pode, sim, ser uma salvadora, mas jamais deve ser “adorada”.
Só que o cientificismo faz justamente isso: coloca a ciência num pedestal, fazendo com que ela tome o lugar da religião na função de revelar a verdade. Atualmente virou moda só aceitar fatos comprovados cientificamente porque a ciência possui o paradigma capaz de dizer o que é real e o que não é.
Dessa forma, a ciência que deveria ser um nível total de dúvida se torna uma convicção e, conseqüentemente, um erro.
Num nível mais amplo, podemos ver que todos os tipos de pensamentos são fundamentados em algo que jamais poderá ser comprovado de forma absoluta. Todos são frágeis e quem quiser pode muito bem desconstruir todos os pensamentos raciocinando segundo premissas diferentes. Sendo assim, nenhum pensamento tem validade de “verdade”, e deve-se pensar nas implicações das premissas escolhidas. Por exemplo: se admitirmos o capitalismo como premissa de pensamento, nossa conclusão será fatalmente o individualismo e a desigualdade social. Por outro lado, pensando no anarquismo como premissa, a sociedade poderia se basear no trabalho cooperativo e em cidades auto-sustentáveis. Tudo é uma questão do ponto de partida do pensamento, que sempre estará sujeito a mudança, desde que o próximo paradigma tenha implicações mais favoráveis (isso é claro, partindo da premissa de que igualdade é o objetivo).
As convicções são um erro justamente por causa da mutabilidade do ser humano. A idéia de que nunca mudar é uma coisa boa vem da prisão do homem numa neurose. Aquele sentimento de que devemos estar pisando num chão concreto e firme quando na verdade esse chão não existe. O que existe são pessoas insistindo em erros ao invés de buscarem o próprio crescimento.